Happy Hunting de Joe Dietsch e Lucian Gibson é uma longa-metragem norte-americana presente na secção Serviço de Quarto da décima-primeira edição do MOTELx - Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa que amanhã termina no Cinema São Jorge.
Warren (Martin Dingle Wall) é um alcoólatra sem grandes expectativas na vida. Depois de um negócio que correu mal, Warren recebe a notícia de que tem uma filha que desconhecia e lança-se numa viagem pelas planícies desérticas dos Estados Unidos recebendo instruções de como a poder ir buscar. É então que chega a Bedford Flats e se transforma no objecto de desejo de um inesperado desporto local...
Com uma história da autoria da dupla de realizadores, Happy Hunting mistura o ambiente desolador de filmes como Mad Max (1979), Fortress (1985) ou Wolf Creek (2005) conferindo-lhes de seguida um certo instinto assassino presente na saga The Purge (iniciada em 2013) onde o crime se institucionaliza como uma forma de lei aceite no actual "presente". Se inicialmente o espectador se depara com uma história que se assemelha a um qualquer conto sobre a justiça entre aqueles que vivem na margem da lei e que fazem um tráfico uma forma de vida, aquilo que o "Warren" de Dingle Wall vem comprovar é que de policial ou drama sobre a caída de um homem este Happy Hunting pouco tem. Preso a uma ideia de fuga constante - primeiro dos traficantes, depois da sua própria vida e finalmente de um grupo de psicopatas vestidos de pacatos habitantes de uma pequena localidade -, "Warren" inicia uma viagem para a qual terá apenas duas soluções possíveis... ou foge e morre... ou foge e consegue viver. Com a morte sempre presente na mente do espectador, a (não tão) pacata Bedford Flats apresenta-se como uma cidade fantasma onde tudo aparenta ter sido abandonado depois de grandes projectos tidos para aquele pequena cidade que, é agora, uma miragem de uma vida que nunca chegamos a saber se alguma vez teve. Ali encontram-se todos aqueles que ali chegarem - possivelmente - com o desejo de uma vida melhor e mais pacata mas que se perpetuaram no som da pergunta que agora fazem "staying... or passing through?". Ficar e participar na caçada anual do grupo ou, por sua vez, de passagem e transformar-se numa das suas inúmeras presas?
De pacatos habitantes a confessos psicopatas, aqueles que povoam a estranha e desolada cidade revelam-se como potenciais tresloucados dignos do mais macabro dos jogos - por momentos vem à memória 31 (2016), de Rob Zombie -, sedentos de sangue e da adrenalina que "o jogo" lhes vai conferir. O mais simpático transforma-se no mais perigoso e todos os demais apenas confirmam que não existem limites para saciar a sua "limpeza" populacional como purificação de um estilo de vida que adoptaram como seu. O crime, então legal, é a forma com que todos não só se divirtam através das apostas que realizam sobre quem será o primeiro morto como também lhes confere uma estranha mas presente sensação de que todos são juízes e carrascos daqueles que poluem a sua agradável cidade.
Do ás na matança que segue à distâncias as suas vítimas, à tripla de irmãos que os persegue depois de os deixar fugir e iludir com a hipótese de sobrevivência é, no entanto, o casal "Steve" e "Cheryl" (Ken Lally e Sherry Leigh) aqueles improváveis - ou talvez não - que se revelam como os maisores e mais temidos psicopatas do grupo. O seu escalar a um clímax de violência e perseguição é facilmente atingido quando as acções de "Steve" - grande interpretação de Lally dentro do género específico - passam de psicopatas a completamente descontroladas revelando-o como a maior ameaça não só para as vítimas em fuga como, no fundo, para qualquer um que ouse colocar-se no seu caminho e os então agressores ganham, perante esta realidade, um macabro estatuto de vítimas de si próprios... afinal, quando esta violência para estranhos não se cumpre, quem dentro daquela comunidade poderá impedir qualquer um dos demais a agir para saciar os seus instintos assassinos?
Numa corrida contra o tempo onde tudo vale - mesmo chegar a esse México que um muro separa -, as surpresas não se ficam apenas do lado Americano da fronteira arrastando toda uma potencial violência para lá dos limites do dito "seguro", e comprovando que aqueles que mais são temidos para uma dita população "branca" e de valores são, afinal, bem menos perigosos do que os que detêm o poder de uma moral inexistente. Bedford Flats é assim a encarnação de uma certa "americanização" moral sobre o "outro"... O estrangeiro perigoso que poderá corromper a tranquilidade de uma população de bons costumes - afinal, esta é a única cidade em quilómetros que ficando perto da fronteira está mais receptiva à passagem de emigrantes ilegais -, as vidas daqueles que ali habitam e, como resultado final, toda uma ordem imposta pelo poder de uma arma que, no fundo, está ao alcance de todos eles. Será o perigo aquele que passa ou, por sua vez, aquele que insiste em ficar e partilhar daquele modo de vida?!
Tenso, bem ritmado e com intensas interpretações de um conjunto de actores que dão cor e uma estranha alma às suas personagens - novamente Ken Lally é polarizador de todos os sentimentos -, Happy Hunting diverte pela sua bizarria e consegue levar o espectador a pensar nas estranhas semelhanças com uma sociedade actual onde, por vezes, a lei não é assim tão justa como aqueles que a detêm o querem fazer crer.
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"Tradition... without it, we're nothing!..."
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7 / 10
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