sábado, 7 de outubro de 2017

Tour de France (2016)

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Tour de France de Rachid Djaidani é uma das longas-metragens francesas presentes na décima-oitava Festa do Cinema Francês que decorre no Cinema São Jorge, em Lisboa até ao próximo dia 15 de Outubro que nos relata a vida de Far'Hook (Sadek), um rapper de origem magrebina que se vê forçado a sair de Paris depois de um conflito com um grupo rival.
Quando o produtor Bilal decide ajudá-lo sugerindo que acompanhe o seu pai Serge (Gérard Depardieu) numa viagem por variados portos de França seguindo o caminho do pintor Joseph Vernet, Far'Hook vê aqui a oportunidade de se afastar das pressões da sua comunidade tendo pela frente, no entanto, todo um choque geracional e de culturas que opõe e aproxima duas faces de uma França numa silenciosa convulsão.
Djaidani dirige e escreve o argumento desta longa-metragem nomeada ao prémio Lumière de Melhor Actor Revelação - o jovem Sadek - numa história que apresenta uma nova realidade sócio-cultural de França colocando frente-a-frente o passado e o futuro que antes de encontrarem um rumo comum colidem pela força das suas evidentes diferenças. Socialmente dividida entre a velha e a nova França, Tour de France - cujo próprio título indica uma potencial viagem e observação do país - coloca no centro da sua acção uma nova realidade... aquele de "Far'Hook", um jovem francês de origem magrebina cujas oportunidades não lhe têm sorrido da melhor forma. Ao tentar dar cor e vida ao seu sonho enquanto rapper emergente, "Far'Hook" é, ao mesmo tempo, um francês de segunda geração tido para a grande comunidade de uma França "branca", como um potencial invasor ou terrorista fruto dos medos modernos de uma sociedade do século XXI onde as realidades políticas se impõe drásticas, persecutórias e, por vezes, até mesmo xenófobas. Dentro ainda da sua própria realidade enquanto músico, "Far'Hook" encontra ainda as quezílias sentidas com os seus pares quando, para eles, não é mais do que um a tentar vingar numa área que não lhe abre as portas e, como tal, dentro do grupo, alguém que pode fazer frente aos ideais do mesmo. Como crescer profissionalmente - ou até socialmente - quando todas as realidades ao seu redor parecem querer insistentemente fechar-lhe as portas?
Por sua vez, é no encontro preparado entre "Far'Hook" e "Serge" que o esperado conflito se verifica mais acentuadamente não pela potencialidade de uma qualquer violência entre ambos mas sim pelo confesso preconceito - social e xenófobo - que se adivinha entre ambos. Se para o jovem rapper "Serge" mais não é do que o rosto de uma já referida "França branca e xenófoba" que não compreende as suas novas realidades, para este último o jovem mais não é do que um entre muitos daqueles que destroem o modo e estilo de vida do país. Incapazes de encontrar as diferenças entre as suas (novas) realidades, ambos embarcam numa viagem que os impede primeiro de se reconhecerem e respeitarem e, finalmente, de perceberem que apesar de viverem duas realidades distintas são, de igual forma, o rosto de um novo país que lentamente se formou e se afirmou como esta França do século XXI.
No entanto, é quando o espectador pensa que esta ligação será assumidamente impossível que tanto "Far'Hook" como "Serge" encontram um ponto de potencial mútuo entendimento... a arte e a cultura. Ainda que as suas proveniências culturais sejam diferentes, ambos encontram na música de um e na pintura do outro o elo que os poderá unir ou, pelo menos, aproximar enquanto dois seres sedentes de criatividade e compreensão. Ainda que a música de um lance todo um conjunto de questões no outro ou que a pintura aqui retratada possa eventualmente nada dizer ao jovem rapper, a realidade é que ambos se acompanham e tentam compreender a presença do outro nesse mesmo espaço. Assim, não através de uma questão económica, religiosa e menos ainda política, é a arte e a cultura nas suas mais variadas expressões que abre caminho para que se instale um diálogo e um desafio no respeito e tolerância mútuos que os impede à aceitação do "outro" como uma nova realidade daquilo que ambos hoje representam enquanto cidadãos de um mesmo país.
De um solitário "Serge" a um incompreendido "Far'Hook" para quem é a cor da sua pele que inicialmente o definem - para os demais - enquanto cidadão, ambos vivem numa marginalidade social que os impede a caminhar de forma diferente... Se o rapper é o alvo constante de uma sociedade que o estigmatiza, é também o pintor o rosto de um esquecimento e afastamento social que o remetem para uma franja social que todos preferem ignorar. Afinal, pergunta o espectador durante esta viagem, qual é o tal rosto "aceitável" da França dos nossos dias? Um homem mais velho fruto de uma educação mais antiga ou, por outro lado, a terceira geração de franceses magrebinos desconectados com a cultura tida como "branca e permitida"?
A resposta a esta pergunta, ainda que vaga e de certa forma permissiva a múltiplas interpretações chega quando o abraço final é trocado, quando as discussões terminam e quando o espectador compreende que é no mútuo respeito e até aceitação da dita diferença que se permite a ideia desta multiculturalidade e perda da ideia de uma qualquer hegemonia que repudia o estrangeiro (que já não o é), e a diferença que se manifesta das mais diferentes formas... desde a origem a uma cor de pele... de um gosto musical ou até mesmo de um estilo de vida.
Tour de France é assim uma interessante abordagem - mais uma na extensa cinematografia francesa - não só à referida multiculturalidade que tão bem caracteriza o país mas também na potencial forma de redenção dessas duas - ou mais - França's deste já não tão novo século XXI e é graças à química recriada entre Sadek e Depardieu que insistentemente se tenta encontrar um rumo nos seus - de França - extremos esquecendo que é no equilíbrio e na ausência de preconceito que o mesmo sempre se irá encontrar.
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