segunda-feira, 2 de outubro de 2017

El Guardián Invisible (2017)

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El Guardián Invisible de Fernando González Molina é uma longa-metragem espanhola protagonizado por Marta Etura como a inspectora Amaia Salazar, destacada para investigar a acção de um serial killer no norte de Espanha.
No período de uma semana, Amaia comanda e investiga um caso que assola a região norte de Espanha. Quando um conjunto de jovens adolescentes desaparece e se tornam vítimas de um perigoso assassino, a detective revisita não só a região onde cresceu mas também o passado da sua própria família que parece trazer estranhas e improváveis revelações que poderão ajudar ao seu caso. Poderá estar Amaia mais perto do assassino do que aquilo que pensa?
Marta Etura protagoniza esta história da autoria de Luiso Berdejo com base no romance de Dolores Redondo, conferindo-lhe uma invulgar essência mística na medida em que aproxima uma vertente mais tradicional repleta de pequenas superstições locais bascas à trágica realidade de uma contemporânea. Num mundo que parece ter abandonado todas as crenças populares que fizeram as delícias de tantas e tantas gerações, existirá algum fundamento na crença de que alguns universos ainda povoam misteriosamente a realidade que todos nós experimentamos todos os dias?
Aquela que é uma história que aproxima uma pacata localidade do País Basco espanhol dos trágicos destinos de uma qualquer grande cidade europeia onde o crime ocupa, também ele, a sua parcela de espaço físico, El Guardián Invisible circunda-se de uma aura típica de um conto sobrenatural ou de uma qualquer obra especializada no género em questão. A chuvosa e húmida região espanhola cedo se transforma num cenário típico de qualquer conto de fadas amaldiçoado por uma presença sobrenatural - ou pelo menos assim se pretende que o espectador pense -, ignorando por breves instantes que nos encontramos numa realidade interior - geograficamente falando - mas, ao mesmo tempo, bem presente e constante deste século XXI que habitamos. Das sombrias montanhas e bosques perdidos cuja atmosfera é saudavelmente recriada por uma intensa e pertinente direcção de fotografia às mãos de Flavio Martínez Labiano, às sombras que parecem querer marcar presença até nos intensos e igualmente sombrios interiores de casas que escondem os seus próprios segredos, El Guardián Invisible apenas leva o espectador para a contemporaneidade em que se encontra realmente pela contextualização temporal que insiste em marcar presença.
Se esta história começa pela abordagem ao assassinato como mote para tudo o que o espectador irá assistir e, de certa forma, tentar desvendar é, no entanto, também a vida de "Amaia" que acaba por ganhar uma centralidade inesperada quando o seu próprio passado é transportado para esta realidade como uma importante prova - ou pelo menos indução - daquilo que a investigadora ali foi tentar descobrir. O seu passado como parte fundamental da mulher em que hoje se transformou e dos traumas dos quais não se consegue libertar, levam-na não só a questionar-se enquanto fiel membro de uma família que marcou a sua tragédia pessoal como também à sua própria profissão que a coloca a pisar terreno frágil como se de um limbo se tratasse.
Da violência doméstica à tortura física e psicológica e desta ao assassinato e à descoberta de perigosas psicopatias que se alimentam de silêncios inquebráveis que perpetuam a agonia em prol de um bom nome de família - afinal, nem todos os pecados podem ser confessados e expiados com uma simples confissão e perdão divino -, El Guardián Invisible questiona-se (nos) sobre os esquecidos traumas do passado que são silenciados em nome de uma salvaguarda pessoal mas que, ao mesmo tempo, corrompem um normal desenvolvimento psicológico ou mesmo uma confiança mais alargada naqueles que - nesse tal presente - decidem e escolhem fazer parte da vida de um indivíduo - neste caso "Amaia" - como seu par sentimental ou profissional. Ainda que "Amaia" seja uma mulher confiante e forte, cedo é dado a perceber ao espectador que é uma mulher que vibra por uma justiça que (percebemos) lhe ter sido negada e é nesta dinâmica de conseguir para os demais aquilo que em tempos lhe foi vedado que o espectador compreende que a sua história tem mais por revelar do que apenas um simples afastamento da sua família ou mesmo justificativa da sua incapacidade de se comprometer com a sua nova realidade sentimental.
Enquanto "Amaia" se descobre - e ao eventual assassino -, o espectador deixa-se levar pela sua história em detrimento do que poderá estar a acontecer naquele território ensombrado por velhos mitos e lendas, por um misto de ocultismo contemporâneo que persiste nas vidas dos mais antigos como uma parte da sua cultura - e tradição -, ignorando que, na realidade, o próprio está naquele território para, juntamente com ma detective, compreender o que realmente acontece numa terra aparentemente pacata mas que vive na sombra de um perigoso e demente assassino... Quando tudo parece encaminhado para que as suspeitas surjam sob a forma do próprio passado de "Amaia", eis que se revela uma alma desprovida da dita que finalmente se assume como o verdadeiro criminoso por quem ela tanto procura. Diz-se que os psicopatas são exímios em ocultarem as suas psicoses... em El Guardián Invisible compreendemos finalmente que essa é uma realidade confirmando ainda que González Molina conseguiu entregar uma estranha e improvável alma tanto à detective como ao assassino em iguais proporções... afinal qual deles não aparenta um passado suficientemente turbulento para algures no seu percurso se ter desviado para a prática de um mal constante? Qual o factor que realmente os distanciou? No fundo, porque não foi também "Amaia" uma perigosa psicopata dado todo o seu passado de violência e rejeição? Terá sido ela protegido pelo tal guardião invisível que povoa os bosques bascos?!
Com uma intensa e aguerrida interpretação de Marta Etura, que oscila entre o forte mas vulnerável e sobretudo determinada em resolver não só o seu passado como principalmente confirmar-se como uma profissional dentro da sua área de investigação, El Guardián Invisible confirma-se como um policial semi-sobrenatural onde toda a sua atmosfera contribui para a potencialização de um ambiente místico e etéreo reforçado pela já referida direcção de fotografia mas sobretudo por toda uma ambiência geográfica que as portas dos Pirinéus lhe conferem. Se então lhe juntarmos uma ligeira mas pertinente vivida presença de toda uma mitologia popular que mantêm o espectador numa constante suspensão sobre a eventualidade de uma participação sobrenatural que o tradicionalismo e os contos populares assumem, então esta longa-metragem prende-nos não só pela realidade citadina de um assassino em série mas também pela compreensão de que nem tudo o que nos foi contado pelos nossos antepassados é necessariamente "fantasia popular".
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8 / 10
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