segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Porto (2016)

.
Porto de Gabe Klinger é uma longa-metragem portuguesa em co-produção franco-americano-polaca que através de um argumento de Larry Gross em parceria com o realizador conta uma história de amor tendo a cidade homónima como pano de fundo.
Jake (Anton Yelchin) e Mati (Lucie Lucas) são dois estrangeiros na cidade do Porto. Um olhar que se cruzou permitiu-lhes passar uma breve noite de paixão que ficaria para sempre guardada nas suas memórias.
Gross e Klinger deram corpo a uma história de amor que, cinematograficamente falando e não só, é intemporal. Quão válido - ou validado - poderá ser um amor que apenas foi consumado uma única noite tendo os seus intervenientes perdido o contacto entre si transformando-se naquilo que sempre foram... dois estranhos!
Dividido em três momentos específicos, Porto começa por apresentar ao espectador aquele breve instante em que os olhares de "Jake" e "Mati" se cruzaram. Da cumplicidade imediata para, de seguida, revelar um pouco de "Jake", Porto segue para um longo segmento sobre ele e sobre as suas memórias daquele que poderá ter sido o momento mais significativo de toda a sua vida e no qual sentiu, pela primeira vez, uma sentida ligação sentimental com outra pessoa. "Jake" vive da memória enquanto caminha pela cidade. O espectador observa-o e compreende-o como alguém acabado e que se deixou consumir pela perda. A vida - desde "Mati" - perdeu todo o significado e as memórias, que guarda com afecto e significado, mais contribuem para uma certa decadência emocional que fisicamente o transformam num rosto (e num corpo) acabado. Da rotina numa cidade estranha onde se refugiou a um quarto onde parece conter os seus poucos pertences, a vida passa por ele consumido nas recordações perdidas daquilo que poderia ter sido - em tempos - o momento perfeito de uma vida sem significado.
Da sua dependência ao afastamento consequente de "Mati", o espectador entra então pelo segundo segmento de Porto dedicado à perspectiva dela sobre os acontecimentos. Anos depois, já com uma filha de "João" (Paulo Calatré), "Mati" revela a sua insatisfação e a sua condição de um silêncio desesperante incerta sobre a possibilidade de uma vida a dois. Será ela mais ou menos válida se se mantiver indefinidamente solitária?!
Já com o conhecimento dos instantes em que se conheceram, o espectador é então apresentado ao primeiro instante em que se cruzaram na escavação arqueológica em que ela o viu. Do acaso aos vários acasos que os juntaram naquele café em que os observamos a trocarem as primeiras palavras, é então que ficamos a conhecer os seus percursos antes de um Porto como ponto de encontro. Errantes, libertos e com um intenso desejo de poder criar algum laço afectivo e sentimental digno de registo, é também essa mesma necessidade que os acaba por afastar. Enquanto "Mati" vive uma aparente recuperação emocional, "Jake" denota uma imperativa necessidade de se sentir pertença de alguém que pode, naquele momento, não corresponder aos seus desejos.
Ambos, no "fecho" destes dois segmentos iniciais, demonstram um reviver e revisitar das suas memórias. Memórias que o espectador presume serem saudosas e desejadas num tempo impossível - o presente - onde a perda se afirmou como o resultado directo das suas escolhas mais ou menos voluntárias.
É então que em "Mati e Jake" o espectador conhece todo o percurso do Ceuta Caffé até à primeira e única noite de paixão que seria (no futuro) alvo da recordação de ambos. Do sexo a uma cumplicidade aparente, do primeiro "amo-te" à sua retribuição, da convicção de um sentimento à certeza da sua duplicidade, Porto celebra portanto a simplicidade e a complexidade de um amor privado de julgamentos, mas repleto de apatia e loucura que o confirmam como certo.
Klinger filma portanto as memórias e as consequências de um tempo passado. Como um simples dias consegue caracterizar todo um futuro porvir, demonstrando no mesmo a capacidade que teve de o influenciar, desde as suas escolhas aos seus aparentes resultados. Como um caminho e uma decisão puderam, e conseguiram, alterar toda uma vida não só marcada pelo mais forte dos sentimentos algumas vez experimentados mas que, pela recusa da sua aceitação, comprometeu todo um futuro então transformado. Da saudade desse passado - sentimento tão português aqui sentido por estes dois estrangeiros que, na sua própria língua, não possuem a palavra - à compreensão do que poderia ter sido se ambos estivessem preparados para se "encontrarem" num terreno neutro que oscilava entre a menor dependência - dele - e a vontade de uma total entrega e compreender a felicidade - dela - podendo, dessa forma, construir algo que agora, na memória de ambos, não foi mais do que uma noite efémera.
O amor, simples ou complexo, encontra uma componente melancólica na direcção de fotografia de Wyatt Garfield que transforma a beleza da cidade do Porto e o par que nela vive, em três seres - eles e a cidade - incapazes de viver uma vida completa, os primeiros pela ausência de um caminho comum e a última por não se consumar como a cidade daquele amor. Aliás, não fosse a certeza da produção de Porto por Jim Jarmusch que o espectador iria obrigatoriamente recordar um já ido Only Lovers Left Alive (2013) que coloca o par protagonista como automaticamente dependente de um sentimento e de uma cidade que para lá de observadora presente da sua relação é, na mesma (relação), um seu directo participante. Mais, a fugaz mas intensa relação de "Jake" e de "Mati" em muito se assemelha àquela tida por "Adam" e "Eve" de Tom Hiddleston e Tilda Swinton que vivem numa dependência ausente necessitando da certeza da existência do "outro" mas, ao mesmo tempo, sem com ele partilhar muito do sentimento nutrido. Como que numa eterna depressão - menos longa que a de "Adam" e "Eve" - Porto celebra então a potencialidade desse amor sem que o mesmo alguma vez ganhe "vida" e a tal confirmação que seria de esperar (para o espectador).
Sem finais felizes, Porto é portanto a confirmação desse amor - ou do seu potencial - pela memória e pelas recordações de uma noite, do espaço, dos lugares comuns e partilhados mas sobretudo pela certeza de que o fim - esse pena presente - existe de facto.
.

.
8 / 10
.

Sem comentários:

Enviar um comentário