Old Joy de Kelly Reichardt é uma longa-metragem de ficção que me havia sido apresentada como um filme sobre a "reflexão de dois homens na casa dos trinta sobre a sua vida e os seus feitos".
Kurt (Will Oldham) e Mark (Daniel London) são dois amigos de longa data que se preparam para uma viagem às montanhas enquanto falam sobre a sua vida e a sua amizade.
Com contornos que muito se assemelham a um conjunto de frases feitas e o colapso psicológico de Kurt, a viagem prossegue até se encontrarem numas termas perdidas onde a sua amizade parece cúmplice e com contornos desconhecidos do mundo em geral.
O argumento de Jonathan Raymond e da realizadora Kelly Reichardt leva o espectador a entrar num universo de duas almas que tiveram boa parte do seu "envelhecimento" juntas mas que o destino separou graças às escolhas efectuadas por cada um. Por um lado temos "Mark", um tipo pacato e cuja família está agora a iniciar-se com a chegada de um filho mas que, ao mesmo tempo, parece perdido no seu espaço longe de se sentir completamente realizado. Por outro temos "Kurt", aquele amigo por quem todos tinham grande estima mas qua algures no seu percurso teve uma quebra levando-o a um conjunto de más escolhas e, possivelmente, a uma depressão que o afastou de um pensamento mais saudável.
No entanto, a amizade entre estes dois homens parece não ter sido afectada. Simplesmente parece pois na prática sentimos que o desconforto e a conversa de circunstância povoa o relacionamento dos dois. A tensão afectiva/sexual está iminente desde o primeiro instante em que partilham o ecrã com referências pouco explícitas à relação de "Mark" e sobre a sua potencial felicidade enquanto que, ao mesmo tempo, sabemos que "Kurt" tem por ele uma estima que parece não ser mútua.
Pelo meio de uma viagem que se apresenta cheia de formalidades e momentos pouco amistosos, Old Joy leva-nos ainda por uma América profunda, afastada de uma certa realidade global mas que, ao mesmo tempo, escuta os problemas sociais que afectam o mundo sem deles possuir conhecimento de causa. No fundo, sentimos estar numa realidade paralela... sabemos que o outro lado existe sem que. no entanto, ele seja de facto "real".
É nesta ambiguidade que nos afasta dessa tal realidade que vivem igualmente estes dois amigos... um com uma família para o mundo e o outro com um desejo e uma depressão que poderá, ou não, ser o reflexo desta condição. Ambiguidade esta que confirmamos, sem nunca se tornar num assunto chave de Old Joy, quando os dois se encontram na montanha e quando um momento de descanso se transforma numa cumplicidade física nunca confirmada mas, ao mesmo tempo, nunca negada.
Old Joy vive de silêncios. De silêncios sobre o que terá acontecido e que provocou a fragilidade psicológica de "Kurt". Silêncio sobre a potencial felicidade ou falta dela de "Mark". Silêncios sobre a cumplicidade, amizade ou amor entre ambos (afinal não nos podemos esquecer que nos encontramos nessa tal América profunda onde nem tudo pode ser assumido), ou até mesmo silêncios sobre esse "outro mundo" que apenas se vê na televisão ou do qual se escuta na rádio.
Se todas estas premissas poderiam ter ajudado a construir um filme interessante sobre esses tais rumos tomados que determinam condicionalmente as vidas daqueles que são referenciados, não é menos verdade que Old Joy assume-se como um filme aborrecido, sem um rumo aparente para além de nos mostrar uma viagem aborrecida e feita quase contra vontade. Nada é claro. Pelo contrário, apenas se pretende dar uma sugestão de "algo", e de forma propositadamente escondida, para que se pense na potencialidade desse mesmo "algo". No fundo Reichardt quer que o espectador pense, sem provas, e que equacione as possibilidades de forma forçadamente escondida mas da qual todos tomem conhecimento, numa atitude pouco honesta para com o espectador que fica assim limitado na sua capacidade de imaginar quem seriam estes dois homens, estes dois amigos e aquilo que os aproximou ou afastou.
Mas nem tudo é mau em Old Joy. Felizmente temos a incansável e animada prestação de "Lucy", a cadela, já estrela de Wendy & Lucy que nos brinda com a graciosidade de um animal que explora à sua própria maneira o mundo e que nos faz, ela sim, abstrair da triste realidade que é este mundo em que Reichardt nos pretende inserir sem que queira transmitir algo de novo ao próprio universo. Destaque ainda para este retrato de um América profunda onde sentimos claramente uma capacidade de no país dito mais desenvolvido do mundo o Homem conseguir estar isolado do mesmo como se se tratasse da última alma existente. A desolação, ou isolamento, são aqui uma assustadora constante.
Percebo esta necessidade de criar universos ou espaço ambíguos, afinal teremos todos nós de nos centrarmos apenas num conjunto de padrões pré-definidos como "aceitáveis"? No entanto, aquilo que de facto me deixa confuso quanto à criação dos mesmos é a vontade deliberada de criá-los sem depois os deixar explorar sendo nesta exacta abordagem que falha este filme; a sua realizadora quer mostrar a amizade, sentimento e afectividade que em tempos ligou estes amigos mas, ao mesmo tempo, só nos é revelado (por suspeita) que algo aconteceu... tudo o demais é uma passagem de horas sem que nada se confirme, discuta ou termine.
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