Grace do Mónaco de Olivier Dahan é a mais longa-metragem do realizador de La Vie en Rose, e a co-produção franco-americana que abriu o último Festival Internacional de Cinema de Cannes.
No início dos anos 60 o Mónaco era um país com uma nova princesa Grace Kelly (Nicole Kidman), uma mulher dividida entre o conto de fadas e uma identidade pessoal por encontrar., assim como por uma intensa disputa política e económica com a França de Charles de Gaulle.
No meio, o Principe Rainier (Tim Roth) encontra-se num perigoso dilema entre um casamento ainda pouco aceite por parte de quem o rodeia e um eminente conflito que poderá colocar um fim não só à sua condição enquanto chefe de Estado como ao próprio principado.
Muito se especulou sobre este Grace of Monaco antes da sua estreia e mais ainda sobre a capacidade interpretativa de Nicole Kidman em dar corpo e alma a um dos rostos mais icónicos não só da indústria cinematográfica como também do próprio século passado. No fundo, ainda que Grace of Monaco não é a mais recente obra-prima do realizador francês como o foi La Vie en Rose, este filme consegue ser competente na reconstituição histórica que é feita de um período conturbado e em que não só um Estado como os seus líderes se tiveram de impôr perante uma das nações mais forte do continente Europeu.
Centrado exclusivamente nesse período em que o Mónaco de Rainier e a França de De Gaulle estiveram à beira de um conflito, o argumento de Grace of Monaco da autoria de Arash Amel reflectr sobre a importância que a Princesa Grace Kelly teve para a consequente afirmação do Mónaco enquanto uma nação soberana e independente ao mesmo tempo que desenvolve toda a sua indecisão e crise de identidade - princesa vs. actriz - que a abalaram e fizeram sentir uma peça fora do tabuleiro de xadrez num jogo que havia assumido largos anos antes. No entanto é este mesmo argumento que se propõe a uma missão maior que não chega a cumprir - talvez pela escassa duração - remetendo para um plano assumidamente secundário todas as personagens que navegam em torno de "Grace Kelly". É certo que o filme é sobre a Princesa do Mónaco, sobre os seus dilemas e inseguranças enquanto antiga actriz tornada princesa, sobre o seu papel de mãe e principalmente de mulher e de indivíduo mas, ao mesmo tempo, teria sido importante desenvolver alguns daqueles demais intervenientes que contribuíam de forma tão importante para a sua afirmação enquanto Princesa, a mulher serena e que para além de mulher do chefe de Estado viria a servir como um símbolo identitária do próprio país; afinal, ao contrário de qualquer Presidente, um monarca está para além do indivíduo sendo ele próprio uma instituição do Estado.
Dito isto, e denotando que a falta de exploração desses secundários tão importantes, não é menos verdade que a própria interpretação de Nicole Kidman enquanto "Grace Kelly" vive também ela de momentos chave por explorar navegando por nuances e por alguns momentos supostamente de clímax que não passam de situações brandas e sem pontos altos. Única excepção feita ao discurso final de "Kelly" onde - aí sim - serenamente se assume ela própria como a chefe de Estado de um pequeno país que graças ao seu mediatismo se viria a afirmar como uma referência no mundo.
Kidman - que vai bem em praticamente todos os filmes que interpreta - precisava deste filme. No entanto precisava que ele vivesse quase ininterruptamente da sua presença no ecrã expressando a sua interacção com os demais; quais as suas motivações junto do marido, dos filhos, dos membros do governo, dos amigos (por poucos que eles fossem) e dos seus assistentes pessoais demonstrando dessa forma o quão magnânime poderia ser a sua presença e determinação - mesmo que escondendo a sua inexperiência e, de certa forma, a sua própria timidez. Ainda assim temos uma Kidman segura da sua interpretação, determinada na mensagem que pretende transmitir sobre a actriz/mulher/princesa que Kelly foi e principalmente no importante lugar que ocupou na História recente de um país não conseguindo brilhar mais apenas por um lado quase decorativo que todos os demais actores assumem neste filme.
Desde Tim Roth como "Rainier", Frank Langella como "Francis Tucker" ou mesmo Paz Vega como "Callas" - com quem se percebe "Kelly" ter estabelecido uma próxima amizade - todos eles não conseguem explorar a importância devida que tiveram na vida - pessoal e profissional - desta mulher deixando apenas breves nuances que acusam a mesma sem nunca serem uma verdadeira confissão. E se este aspecto pode ser quase imperceptível nas mais várias personagens, para o "Rainier" de Tim Roth é quase incompreensível o facto de não ter uma maior participação no ecrã com Kidman. Afinal, existiria a Princesa Grace sem o Principe Rainier?
Grace of Monaco é, no entanto, mais uma forte aposta do realizador francês na contextualização histórica destacando-se pela excelência técnica de um guarda-roupa de época da autoria de Gigi Lepage que oscila entre o discreto e o exuberante ou mesmo a direcção artística de Dan Weil que insere o espectador na opulência de uma vida palaciana de excessos mesmo quando o próprio país atravessava dias menos positivos do que aqueles que hoje lhes conhecemos. Todos estes elementos exponenciados graças a uma exímia direcção de fotografia de Eric Gautier que consegue tornar os intensos brilhos em cores quentes, reconfortantes e que nos fazem esquecer todos os pequenos grandes problemas originados pelas intrigas políticas - e algumas palacianas - que se fazem sentir como pano de fundo.
No final, e ainda que um filme interessante pela sua tentativa de reconstituição história, Grace of Monaco não chega a ser um portento como o fora La Vie en Rose - a obra digna de comparação - nem tão pouco Kidman, mesmo com a sua qualidade representativa, consegue atingir o mesmo nível de entrega que Cotillard conseguiu enquanto "Piaf". As promessas e as intenções estão lá e o material e contexto histórico são suficientemente bons para nos darem uma imagem - ainda que breve - sobre os dilemas e conflitos interiores de uma mulher que se tornou grande mas, no entanto, decorrida mais de hora e meia de filme o espectador fica com a ligeira impressão que poderia ter assistido a um filme grandioso que se limitou a ser politicamente correcto à "imagem" e às noções "socialmente aceites" de algumas figuras históricas que estão, de certa forma, ainda muito presentes no imaginário de todos nós.
Assim, e voltando à minha primeira observação sobre a especulação que este filme gerou antes da sua estreia, Grace of Monaco está longe de ser um filme mau que algumas línguas mais ou menos afiadas deliraram em destruir. No entanto, desde os aspectos técnicos às próprias interpretações - competentes - o espectador sente que estas poderiam ter ido mais longe e mostrado a real essência de cada um, as suas forças, os seus medos, as suas ânsias e principalmente as suas aspirações que, na prática, haveriam de ser concretizadas. O destino - a acreditar nele - está para todos traçado... talvez não da forma como por vezes o imaginamos mas sempre como é suposto que ele seja... foi esse o lema que Kelly teve - e bem - de aceitar e que Grace of Monaco poderia ter explorado de forma mais detalhada e pessoal mostrando toda a sua intensidade. É isso que esperamos daquilo que Kelly fora... e daquilo que queremos ver de Kidman.
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"Grace Kelly: I have no army, I wish ill on no one, I have no resistance to agression."
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7 / 10
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