Caníbales de Juanma Carrillo é uma curta-metragem espanhola de ficção que coloca o espectador como uma interveniente directo em toda a acção.
A escassos dez minutos do centro da cidade, dezenas de homens encontram-se ao acaso e no anonimato que lhes permite breves momentos de prazer carnal. Sem qualquer pudor e à vista de quem passa tudo é explícito e sem reservas.
Carrillo, também argumentista desta curta-metragem, explora aqui uma temática que vai para além do sexo furtuito e anónimo centrando-se nas relações, ou falta delas, humanas que determinam actos indiferenciados de procura de um prazer ou estímulo com o qual os diversos intervenientes se identificam.
Esta impossibilidade que muitos encontram em assumir os seus verdadeiros desejos, sentimentos e prazeres, fruto de uma condenção social ainda presente em diversos sectores, lança-os numa busca que tem tanto de auto-identificação como de procura do seu semelhante. Assim, enquanto uns nada mais procuram do que breves momentos de prazer carnal outros, possivelmente, tentam encontrar a forma de exteriorizar uma sexualidade que a sociedade e os seus preconceitos os obrigou a auto-reprimir tudo com o intuito de banir uma solidão que no fundo acaba por ser comum a todos.
No entanto o facto mais curioso desta curta-metragem reside na capacidade de Carrillo em obrigar o espectador a assumir-se como uma própria personagem desta história pois está, desde o primeiro instante, a ser "observado" à medida que vagueia por aquela mata em que, sem se envolver, procura algo quase desesperadamente.
É esta busca que acompanhamos ao longo de quase vinte minutos enquanto assistimos a actos sexuais fortuitos, esclarecedores e alguns bem explícitos, até sermos confrontados com a real identidade da personagem que encarnámos durante este mesmo tempo naquele que será o clímax desta obra arrojada, original, bruta mas que nos obriga a pensar sobre a sociedade e os preconceitos que ela estabelece determinando assim a real identidade de muitos daqueles homens que ocasionalmente se vêem obrigados a situações degradantes pelo estímulo sexual que precisam satisfazer.
É então com um olhar cru e igualmente carnal sobre o surpreendente desfecho que Caníbales obriga o espectador não a julgar mas a tentar perceber que o preconceito e a auto-censura pode não só destruir o íntimo de um indivíduo como o daqueles que com ele convivem ignorando o seu íntimo.
Um breve destaque ainda para a direcção de fotografia de Jesus Uglade que através do preto & branco capta não só a alta temperatura climatérica que se faz sentir mesclando-a com a igualmente elevada tensão sexual/carnal sentida
naquele parque, confundindo-as e levando a pensar que a misteriosa
personagem que chega, e que encarnamos, se encontra ali por iguais
objectivos.
Ainda que a curta-metragem Caníbales se insira num género cinematográfico muito específico e que, como tal, será ignorado por muito cinéfilos, o arrojo argumentativo e filmíco tão desafiantes que obrigam os espectadores a estar no centro da história e, identificando-se ou não com a temática perceberem que existe muita exaltação sexual ao virar de cada árvore, tornam-na numa obra de referência não só do género como da exploração de sentimentos - ou prazeres (como eles se confundem) - sem pudores ou imagens cortadas, com um desfecho perturbador e dramático onde a tensão carnal e sentimental interagem e se confundem, também elas ao virar de cada árvore.
9 / 10
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