terça-feira, 12 de janeiro de 2016

The Lady in the Van (2015)

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A Senhora da Furgoneta de Nicholas Hytner é uma longa-metragem britânica recentemente nomeada ao Globo de Ouro da Imprensa Estrangeira de Hollywood na categoria de Melhor Actriz em Comédia para Maggie Smith.
Alan Bennett (Alex Jennings) é um escritor relativamente apático e solitário. Mary Shepherd (Maggie Smith) é uma sem-abrigo que estaciona a carrinha junto à residência de Bennett e que estabelece com ele uma invulgar relação. Conversam... conhecem-se e, de uma distância incómoda nasce uma próxima relação de amizade que dura durante quinze anos. Ele em casa... ela na carrinha estacionada junto à sua garagem.
Com um argumento escrito pelo próprio Alan Bennett, The Lady in the Van é aquilo que qualquer um pode inicialmente apelidar de uma história sobre uma invulgar, e até improvável, história de amizade. No primeiro instante temos um "Alan" - descrito pelo próprio - como um homem algo anti-social, metido com os seus próprios assuntos e atormentado pela vivência diária numa casa que parece ser grande demais para a sua existência solitária. Sem qualquer registo de amizades ou familiares que com ele dividam um pouco da sua existência, e com um conjunto de vizinhos que mal conhece, "Alan" é subita e inesperadamente abordado por uma mulher muito mais velha e que percebe viver errantes pelas ruas. Ou melhor... errante dentro da sua carrinha (toda ela com a sua própria "personalidade").
Há excepção da notada excentricidade de "Mary", o espectador... assim como "Alan", pouco conhece da sua história, do seu passado e das suas origens. "Mary" pouco revela do seu ser e do seu passado, e tudo o que chega ao espectador é feito através de pequenas suposições, induções e momentos que lentamente são revelados e que fundamentados por algumas provas sustentam aquilo que parece ser óbvio.
Por momentos aliás, fica a dúvida no espectador sobre a veracidade desta história - inicialmente apresentada como "maioritariamente verdadeira" - que chega a considerar ser o fruto da imaginação de um escritor que procura o seu próximo êxito literal e teatral, podendo assim sair do marasmo em que percebe encontrar-se a sua vida. Na realidade, a única coisa que vai comprovando ao espectador que "Mary" não é um fruto da imaginação de "Alan" é que a própria tem a sua história para lá daquilo que a sua narração - mental - vai adiantando, comprovando que ela é, na realidade, uma mulher com um passado escondido, de mágoa e arrependimento com alguma insanidade à mistura, mas que nem por isso deixou de ter o seu momento excelso num mundo que então considera apenas um registo de um passado distante. "Mary" é, aliás, uma mulher dedicada aos seus conhecimentos, a uma cultura fora do normal e a um elevado sentido de sarcasmo estando, no entanto, refém de uma proibição e fugitiva de um acontecimento passado que a marcou mas que apenas no final percebemos estar isenta de culpa.
"Mary" é então, o resultado de uma mulher proibida de manifestar a sua paixão... De sentir aquilo que a completava e que fazia dela a mulher plena que sentia ser quando sentada frente a um piano... A música que tanto a atormentava vinda de terceiros que, segundo ela, a assassinavam sem piedade, fora em tempos não só a sua maior paixão como aquela que sentia como parte do seu ser e, uma vez silenciada, a marcou, a fez recalcar-se e perder um pouco da estabilidade emocional que a mantinha presa ao mundo dito "normal".
No entanto, foi esta improvável amizade de quinze anos com "Alan", também ele um homem relativamente isolado de uma sociedade "aceite", que fez "Mary" regressar - ainda que ligeiramente - a esse mundo onde se permitiu uma vez mais, sentir o que era a convivência normal (dentro dos possíveis) com outra pessoa. Outra pessoa que, tal como ela, estava manifestamente à margem de um parâmetro social "normal" mas que, por esse mesmo motivo, percebia poder completá-la emocionalmente, não com uma relação afectiva mas sim com uma relação de intensa cordialidade e mútuo (des)entendimento. E a confirmá-lo o primeiro e último toque que estes dois amigos cúmplices - à sua própria maneira - trocam como a aceitação de que ambos são eventualmente os únicos verdadeiros amigos, não confidentes mas que se entendem, que ambos possuem.
Maggie Smith é, uma vez mais, o verdadeiro encanto - e alma - de todo um filme. O espectador apaixona-se muito facilmente com a sua personagem e apenas se (re)sente pela falta de uma ainda maior exploração da vida desta mulher que, às suas mãos, ganha toda um imenso espírito capaz de desarmar qualquer um. Interpretação após interpretação, esta lenda viva do cinema, teatro e televisão britânica é, tal como a sua personagem, um imenso espírito livre que nos cativa desde o primeiro instante deixando todo o demais elenco - obviamente competente - como um seu excelente complemento.
Não sendo a tradicional comédia britânica, The Lady in the Van consegue estabelecer-se como um - mais um - dos intensos retratos do cidadão comum, perdido em tantas e tantas histórias desconhecidas do mundo que os rodeia. Uma história sobre pessoas que encontram pequenos e determinantes elos de ligação na mais improvável das pessoas. Pessoas essas que se tornam os seus pares ou, numa linguagem mais platónica, as suas almas gémeas que sem revelar muito... em tudo se conhecem.
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"Miss Shepherd: I've no time for sorry. Sorry is for God."
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7 / 10
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