quinta-feira, 17 de março de 2016

Les Héritiers (2014)

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Uma Turma Difícil de Marie-Castille Mention-Schaar é uma longa-metragem francesa baseada em acontecimentos verídocos que passa na edição deste ano do Judaica - Mostra de Cinema e Cultura a decorrer no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Anne Gueguén (Ariane Ascaride) é professora há vinte anos quando se torna directora de turma de um décimo ano problemático. O mais problemático da escola. Depois de uma série de conflitos internos com os seus alunos mostrando não só a diferente geração como principalmente um conflito de ideias e preconceitos que os alunos têm contra o sistema, Anne decide inscrevê-los no concurso de Resistência e Deportação para uma experiência que irá alterar a vida de todos.
Les Héritiers - "os herdeiros" naquele que seria um muito mais justo título que só por si suportaria todo um importante legado emocional - baseado em acontecimentos verídicos, consegue conter nestas quase duas horas de duração duas importantes mensagens sociais. A primeira, e aquela directamente ligada com o ambiente principal do filme, que diz respeito ao ambiente social sentido e vivido em França onde existe uma acentuada, e nem sempre bem inserida, mescla de culturas, religiões e meios sociais nos estudantes que podem - como aqui é o caso - gerar certos conflitos internos nem sempre explicados, "digeridos" e até mesmo compreendidos por aqueles que, externos ao ambiente per si, o consideram "desprivilegiado" e marginal. No fundo, é aqui levantada a velha questão de serão os alunos que não querem aprender ou não estarão eles motivados por um conjunto de professores que simplesmente não querem saber das suas origens e passados que podem entrar em conflito naquele ambiente dito multi-cultural?
A segunda mensagem, e aquela que acaba por se transformar no elo de ligação entre alunos e professora que os separa nas suas diferenças mas que os une numa vontade não só de mútuo entendimento como também de uma compreensão da sociedade e da comunidade tal como elas são, e que se prende com a missão/concurso em que alunos se vêem inscritos mas inicialmente pouco motivados. A vontade extrema de uma França em transformar "camponeses em franceses" e, como tal, ter uma História delimitada pelos feitos de outrora de franceses brancos e cristãos, fez esquecer toda uma (grande) comunidade que ou de outra religião ou, mais tarde, de outras proveniências se encontra(va) e sente(ia) desenquadrada de um país que, em boa medida, não os representa. No entanto, aquilo que Les Héritiers nos apresenta é uma história que sendo universal e que representa esses mesmos valores universais - vida, liberdade, dignidade, direitos e responsabilidade - consegue chegar a um público que se sente representado no filme independentemente de uma religião, cultura, nacionalidade os costumes. Aquilo que esta longa-metragem - e a bem da verdade os acontecimentos propriamente ditos uma vez que estamos perante uma história real - nos relata é que é possível um entendimento no seio da diferença. Que desta última pode resultar uma compreensão pelo "outro" que, no fundo, poderia ser "eu". E finalmente, que de um cenário onde ninguém crê nesse tal "eu" invisível perante toda uma sociedade que prefere olhar as diferenças e excluir pelas mesmas, existe sempre alguém capaz de distinguir que aquilo que nos aproxima é tão mais extenso e importante que todos aqueles pequenos detalhes que fazem parte não da comunidade mas de mim... das minhas escolhas e das minhas opções (religiosas, culturais, ambientais...).
Tendo estreado no passado ano em Portugal, e eventualmente sem grande destaque pois afinal não é uma longa-metragem cheia de efeitos especiais e nomes sonantes, Les Héritiers acaba por encontrar mais uma oportunidade com o Judaica e revelar-se como uma grande aposta para uma mostra de cinema recente tendo todo um público que se espera motivado e interessado em temáticas que transcendem aquela a que se propõe a mesma. Les Héritiers é, para lá de qualquer preconceito inicial sobre "mais um filme de uma turma e adolescentes problemáticos", um relato verídico sobre o poder da escolha individual, sobre a importância da memória e, dados os tempos e os dias que vivemos, um importante registo sobre a relevância desse passado para que o mesmo não se repita.
Com a presença de Léon Zyguel um sobrevivente do Holocausto que numa participação especial entrega um forte e extremamente emotivo relato sobre a sua experiência durante os terríveis anos da Segunda Guerra Mundial, um forte desempenho de Ariane Ascaride - que pessoalmente me faz recordar algumas das minhas próprias professoras - e de Ahmed Dramé - "Malik" - que também se assume como argumentista tendo sido, no entanto, nomeado ao César da Academia Francesa de Cinema como Actor Revelação, Les Héritiers ultrapassa as expectativas e apodera-se das nossas emoções muito rapidamente deixando-nos (ao espectador) a falar e a pensar nele durante muito tempo.
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