A Floresta das Almas Perdidas de José Pedro Lopes é uma longa-metragem portuguesa que recentemente foi exibida no FESTIn - Festival de Cinema Itinerante de Língua Portuguesa na qual Carolina (Daniela Love) e Ricardo (Jorge Mota), dois completos estranhos se cruzam na mal fadada floresta onde todos planeiam encontrar o seu fim.
E quando parece que ambos procuram o seu final de um mundo do qual estão saturados, acontecimentos inesperados transformam a relação ali criada levando-os a um final diferente daquele que se fazia anunciar.
Depois de Survivalismo (2011) ou M Is for Macho (2013) onde José Pedro Lopes se destacou por histórias onde o terror e o suspense dominavam o ecrã, aqui o realizador e argumentista dirige uma história que se entende desde o primeiro instante como tendo um fundo onde o amor - ou a sua ausência - estão no cerne de todos os pequenos contos que aqui se cruzam. Logo de início o espectador vislumbra um sem fim de cadeados com promessas perdidas desse amor ausente e uma das primeiras citações desta longa-metragem chega através de um pensamento do pintor holandês Van Gogh que, também ele, sofria desse amor que não tinha... "A tristeza durará para sempre"... Uma tristeza por algo que não se alcança, por um sentimento não correspondido ou, até mesmo, por algo que uma vez tido se perdeu... Um amor (já) ido... Talvez aquele que é o maior terror desta obra de José Pedro Lopes resida nessa exacta ideia de que o amor ou melhor, a sua ausência, podem representar uma vida vivida na eterna solidão e, como tal, numa agonia insuportável à qual todos aqueles que dela padecem, resolvem pôr termo como a única solução encontrada para um fim (pouco) desejado.
Quando inseridos naquela floresta de almas perdidas, o espectador observa pelos olhares dos dois protagonistas, a quantidade de (des)iludidos que resolveu antecipar o seu próprio fim. Sem grandes referências aos seus motivos, subentende-se pelos elementos que já nos haviam sido fornecidos logo no início que o seu fim não se deve a problemas financeiros ou de saúde física, mas sim por uma debilidade psicológica inerente ao desgosto e à ausência de um amor que os complete. Um amor romântico, sentimental e até mesmo parental que os levou a questionar um lugar (inexistente) num mundo ao qual já não sentem pertencer. De almas alegres a caminhantes de uma penitência sem fim, poderão resistir num mundo onde (para eles) já nada parece fazer sentido? Poderá alguma vez esta ausência de amor ser colmatada?
Num mundo onde as respostas são escassas, principalmente quando em questões sentimentais onde a mesma não depende de uma vontade científica, A Floresta das Almas Perdidas entra então num domínio mais austero e soturno quando coloca o espectador perante uma importante e nunca colocada questão... o que aconteceria se perante o sofrimento alheio existisse alguém que tirasse proveito próprio? O que aconteceria se naquele instante final onde já nada parece fazer efeito mas onde - eventualmente - se procura uma última oportunidade, existisse alguém que revelasse que o único fim... é a morte? No fundo, e se naquele instante final alguém acelerasse o processo e se assumisse como um anjo do mal no local onde se procura o descanso eterno? Numa estranha e não tão invulgar semelhança, A Floresta das Almas Perdidas acaba por colocar, ainda que de forma metafórica, a questão que todos nós nos colocamos um dia... não existe sempre alguém que se aproveita do "nosso" sofrimento quando parece que a única coisa que procuramos é uma nova oportunidade?
No local mais improvável do mundo e onde todos aqueles que para lá se dirigem apenas procuram o silêncio prévio ao instante final, duas almas - não tão perdidas - encontram-se. "Carolina" (num claro amadurecimento profissional de uma sempre composta Daniela Love) aparenta ser uma simpática jovem com tudo bem planeado e definido. Nada que surja parece provocar um passo atrás nas suas decisões esperando apenas - para a sua concretização - "aquele" momento ideal. Com um ar cómico e descontraído, controlado mas despreocupado, "Carolina" é, no fundo, aquela jovem sobre quem o espectador questiona sobre as suas motivações... afinal, o que poderá uma jovem com os pés tão bem firmes na terra estar ali a fazer quando tudo o que diz parece ser de um controle total e absoluto sobre o seu próprio destino?! Por outro lado encontramos "Ricardo", um homem de meia idade que sofre um desgosto... O desgosto de uma filha ausente, de um lar relativamente desfeito onde todos parecem querer continuar menos ele que se deixou apropriar de uma solidão devastadora mas que, ainda assim, tenta convencer a jovem "Carolina" de que a sua aparente descontracção num espaço onde reina a tristeza não é a solução para a sua ainda tão jovem vida... Mas, lentamente, a pergunta instala-se... afinal quem terá mais experiência de vida?...
Enquanto a acção nesta parte do "mundo" parece decorrer de forma inesperada revelando um improvável vilão que emerge à custa do sofrimento alheio, o espectador é levado a uma nova protagonista: "Filipa" (Mafalda Banquart)... a filha de "Ricardo". "Filipa" é uma jovem atormentada com um lar relativamente desfeito... Se o pai parece perturbado com a morte da filha mais velha, a mãe parece querer continuar com a sua vida e não se deixar levar pelo desgosto... Pelo meio, está a jovem... quase invisível que luta apenas pela sua existência e pela forma como Tiago (Tiago Jácome), um namorado preocupado a vê e insiste em passar tempo com ela... No fundo, voltamos à eterna questão de que é o amor, e sua ausência, que tudo comanda... que a todos ordena... e que por todos (se) move num campo incerto... Surge... extingue-se... reaparece... desarma... e mata. O amor que a todos deu esperança e que, na sua ausência, deixou a tristeza que, já dizia o pintor holandês, "durará para sempre".
Mas permanece sempre uma questão inabalável e que por momentos pode ser ignorada pelo espectador... Afinal, quem é "Carolina"?! Quais as motivações desta jovem que tudo parece ter mas que vive distanciada - e quanto baste fascinada - pela desgraça sentimental dos demais? Se durante algum tempo o espectador poderá pensar que esta jovem interpretada por Daniela Love mais não é do que uma alma perdida que tenta, de certa forma, "recrutar" outras para encher o seu lago - o elemento natureza sempre muito presente e sabiamente incorporado em toda a dinâmica desta história (lago, floresta, campo...) -, são os instantes finais em que se revela uma jovem tão normal (ou banal?!) como as demais que nos suscitam a maior curiosidade... Será, ou estará, esta jovem tão alheada de um sentimento sentido por todos os demais que a única forma de se sentir "viva" é provocando e vivendo a morte de todos aqueles que a procuram? Existirá vida para lá da sua aparente insensibilidade ou o tal "click" que a faz mover é apenas graças à vontade de parar dos demais? No final... quem a terá incumbido da função de acabar com a tristeza alheia como se isso fosse o remédio ou a resposta para que tudo o demais existisse e vivesse numa eterna alegria?
No fundo, a grande questão aqui colocada com A Floresta das Almas Perdidas não é tanto sobre as inúmeras almas desistentes ou sofredoras - e perdedoras - com a aparente ausência de amor mas sim sobre aquelas inúmeras almas que vivem e experimentam o terror através das suas vidas banais e sem objectivos. Aqueles que se concentram única e exclusivamente na existência dos demais como se a sua (própria) salvação fosse apenas alcançada com a desgraça e miséria alheia. Afinal, como poderá essa existência banal ser validada senão através da expropriação da vida do "outro"?
José Pedro Lopes filma assim uma improvável história de terror que não se prende tanto com a existência de uma alma ou existência sobrenatural mas sim um terror próximo, que pode co-habitar os mesmos espaços, os mesmos locais e as mesmas experiências, apropriando-se delas e espoliando os outros de um livre arbítrio... Almas (perdidas) que se alimentam das incertezas, dos receios, dos desgostos e das perdas daqueles com quem se cruzam, utilizando-os em benefício próprio e ridicularizando as suas experiências como determinantes para a condução até àquele momento final e de eminente desgraça. O terror estará assim não tanto nas mãos de entidades dessas ditas entidades sobrenaturais mas sim daqueles que (se) chegam com nobres intenções mas que se revelam como emissários de uma fatalidade que fomentam e alimentam para simplesmente se sentirem bem com uma "nobre acção" que acarinharam.
Com uma dosagem mórbida sobre a triste realidade da sociedade dos nossos dias onde tudo é efémero e distante, A Floresta das Almas Perdidas afirma-se num campo de terror onde este se alcança pela não tão improvável realidade diária - que é sim bem palpável - e por todo um conjunto de elementos técnicos que fomentam o pouco terreno que algumas das suas sequências exibem, nomeadamente no interior de uma floresta que se assume com o seu próprio dinamismo e aura levando o espectador ao patamar do irreal... Nesta floresta questionam-se as atmosferas, as histórias e principalmente a incerteza da convicção entre o tal terreno versus o áureo e o espectador perde-se num dilema (momentâneo)... estaremos nós perante uma história onde as almas recentes são guiadas por uma guia que atravessou as mesmas questões existenciais ou, por sua vez, todo este purgatório é mais real do que um (não) paraíso onde todos acabam por pagar a sua própria penitência?
Com uma excelência técnica a nível da direcção de fotografia e da música original que remetem o espectador para uma história sobre a perda e o limbo, A Floresta das Almas Perdidas faz destacar Daniela Love, uma actriz em constante crescimento profissional e que aqui dá corpo e uma estranha alma a uma anti-heroína que salva através do auxílio à morte, que purga em nome do fim da tristeza mas que, afinal se revela como apenas mais uma solitária que tudo faz para querer encontrar o seu espaço num mundo onde tudo aparenta ter mas no qual tudo lhe falta e pôr um fim à tal tristeza (que dura para sempre) que sente, não controla e aos poucos a transformou numa apática.
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"Voz Off: A tristeza durará para sempre."
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7 / 10
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