A Terceira Metade de Virgílio Pinto e Rodrigo Morais é uma curta-metragem portuguesa de ficção que relata um acontecimento que irá mudar a relação entre Mauro (Rafael Pinto) e Paulino (Hugo Costa Ramos), o seu mentor e melhor amigo.
Com uma belíssima direcção de fotografia de Guilherme Braz que transforma um dia de calor abrasador no Verão de Lisboa num ambiente opaco e sem expressão do mesmo para lá daquela transposta pelos actores, A Terceira Metade é um filme curto sobre o despertar para uma nova realidade e para uma nova vontade que o seu protagonista "Mauro" faz sentir face àqueles que, até então, sempre decidiram o seu rumo.
"Mauro" aparenta ser aquele jovem adolescente cuja maioridade se aproxima. No bairro, apenas o futebol e a potencialidade da sua promessa parece fazer validar a importância de cada um. "Mauro" ainda estuda e dentro do seu meio, e em particular para "Paulino" (Costa Ramos) que tudo faz para que ele seja protagonista de uma história ainda por contar. No entanto, "Mauro" parece evidenciar um desinteresse crescente e pretender seguir as suas próprias pisadas, independentemente daquilo que elas possam vir a representar. Num treino contra-vontade e obrigado a seguir uma rotina que lhe é imposta, "Paulino" parece exercer sobre ele uma influência que se estende para lá daquela de um progenitor mas sim de alguém que parece querer lucrar com a potencial sorte alheia, talvez mesmo como um passaporte de saída daquele espaço que, percebe o espectador, está longe do brilho daqueles favorecidos que habitam a cidade.
Assim, ao jovem "Mauro" são proibidos todos os desejos... Desde seguir um novo caminho ao poder confirmar a sua primeira grande paixão e apenas uma cada vez mais próxima rebelião o poderão (?) libertar de umas amarras que não foram até então explicadas.
Nesta história assinada por Virgílio Pinto, o espectador observa alguns elementos que poderão definir toda a corrente pela qual se movem as suas personagens. Se por um lado nos encontramos perante uma história que é contada a partir dessas já mencionadas margens sociais que parecem vedar o acesso a uma oportunidade diferente, não deixa também de ser curioso observar como é a partir das mesmas que surge uma vontade, um desejo ou até mesmo um sonho que permitam seguir um rumo diferente daquele que estava pré-estabelecido pela própria sociedade. Afinal, poderá ser apenas um atleta aqueles que vivem nessas franjas deixando todos os demais sonhos enterrados antes de poderem nascer?
Em A Terceira Metade, o espectador observa também a relação de inter-dependência que, até ao momento, comandou a vontade das duas personagens protagonistas. Se por um lado temos um jovem "Mauro" que fora, até então, a cobaia para as experiências de um "Paulino" cujas motivações desconhecemos, certo é que agora o jovem começa a desejar um novo rumo que parece não agradar ao seu mentor. Nesta potencial rebelião de "filho" contra "pai" (não o sendo), presente em tantas histórias como o clímax em potência, transformam as duas personagens em claros opositores num conto cujo desfecho estará ainda por conhecer.
Finalmente, e aquele caminho que parece estar "condenado" a acontecer, que se prende com o próprio crescimento ou amadurecimento - chamemos-lhe o despertar para a idade adulta e consequentes responsabilidades - de um jovem que decidiu que não é o meio nem as pessoas com as quais se relaciona que irão - a curto ou médio prazo - condicionar ou definir as oportunidades que tem ou que lhe poderão ser proporcionadas. Mas, é com este despertar que chega também a duplicidade desta história quando, perto do final, vemos o jovem abandonar o grupo deixando-se, no entanto. levar por uma bebida a mais... terá esta partida alguma relação com a sua opção por essa nova oportunidade ou foi esta última proibida bebida a confirmação de que se rendeu à inevitabilidade daquilo que os outros querem fazer dele?!
Com duas fortes interpretações a cargo de Rafael Pinto - num duro e silencioso olhar para o mundo que o rodeia - e Hugo Costa Ramos - como a materialização desse mesmo mundo nem sempre muito benévolo -, A Terceira Metade é uma forte revelação da dupla de realizadores e uma história que tendo tanto por dizer e confirmar deixa, no entanto, o espectador naquele impasse apenas dissolvido por uma imaginação mais ou menos fértil. Afinal, não é missão do cinema deixar o espectador ser levado pela potencialidade de uma história bem contada? Especialmente quando ela é - como aqui se poderá confirmar - o registo de que é em e através do silêncio que se confirmam revoluções e desobediências que transformam o futuro.
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8 / 10
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