Encontro Silencioso de Miguel Clara Vasconcelos é uma longa-metragem portuguesa presente na Competição Nacional da décima-quarta edição do IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema Independente que decorre em Lisboa até ao próximo dia 14 de Maio.
Lisboa. Época de praxes universitárias. O Dux Boris (Alexander David) convocou uma reunião com alguns veteranos para uma revitalização de valores académicos. Numa quinta abandonada nos arredores da cidade, Carlos (Filipe Abreu), Caio (Nuno Fonseca), Marta (Ágata Pinho) e Rafaela (Isabel Costa) preparam-se para uma praxe que definirá os limites da sua existência.
Para lá de qualquer semelhança com a realidade - que pode ser detectada em muitas ocorrências -, o argumento de Miguel Clara Vasconcelos centra-se numa experiência académica levada ao extremo e que é, ainda hoje, alvo de um secretismo "exemplar". Tido como um momento de inserção na vida académica, a praxe é vivida por alguns como o ritual máximo de união entre estudantes que a ela "aderem" como um elemento indispensável para se sentirem "pertença". Assim, e no reino do "vale tudo", Encontro Silencioso reflecte não necessariamente na vida académica enquanto um meio de inserção novo mas sim na cega adesão a uma etapa que independentemente das suas consequências é, no seu todo, como um exercício ditatorial de um poder bacoco que se instituiu formalmente como o "certo" para que tudo o demais se desenrole. Por outras palavras, a vivência académica apenas existe quando todos, caloiros e veteranos, compreendem que o poder está nas mãos de um... o mais velho e "respeitado" do local que escolhe e determina as regras, os meios, os propósitos e, entre pares, se sente e faz sentir que é o senhor todo poderoso.
Como directa consequência desta realidade, o espectador dá por si a questionar-se sobre a forma como existe e (se) vive o espaço universitário considerando que não só nada (re)conhece destas personagens como tão pouco do meio de onde vêm ou mesmo qual a sua realidade académica. Pelo contrário, a única coisa que conhecemos são os rituais ditatoriais que seguem cegamente e que os condiciona a uma eterna realidade de escravos pouco intelectuais de alguém que assumiu um qualquer poder sem nunca ser contestado pelos seus pares. A ditadura começa então naquele meio onde se espera que os seus intervenientes (ou ocupantes) são tidos como seres pensantes e que vão contribuir para uma realidade futura posterior mas que, naquele preciso momento, se refugiam perante a ordem de alguém que apenas aparenta ser mais sábio ou mais forte. Aí, e num belíssimo paralelismo na relação entre Dux e veteranos, Miguel Clara Vasconcelos filma um rebanho de ovelhas que se refugia numa sala de umas ruínas de um velho palacete (onde os universitários se encontram para a repetição do seu ritual de iniciação), temerosas dos estranhos ocupantes que parecem mais fortes do que eles, esquecendo que num colectivo facilmente os dominariam.
É nestas mesmas ruínas que veteranos, longe da acção de um Dux desaparecido, parecem perdidos numa realidade que desconhecem sintomática da sua passagem de poder (e conhecimento) a alguém que os usa como meros instrumentos da sua própria manutenção nessa ilusão de governação que os condiciona não só à incapacidade de livre arbítrio como sobretudo aos despóticos mandos de alguém que está, ele próprio, ultrapassado na sua época. Comprova esta noção irreal de poder as abusivas praxes onde apenas se dá crédito à humilhação alheia como sobretudo as pouco enérgicas e naturais recriações teatrais que encenam numa sala onde a própria "realidade" remonta a uma monarquia já não existente ou mesmo o mote final dessa iniciação em que Dux, entretanto reaparecido, os benze com a sua urina como um bem precioso que "oferece" aos pobres coitados desprovidos de acção e pensamento.
No final, quando tudo parece finalmente ter terminado, o espectador observa os cinco universitários numa última actividade... um banho na lagoa. Cinco entram na água mas só assistimos a uma de lá sair... "Marta" (Ágata Pinho) esquecida por todos, sai da água e usa o apito para indicar a sua posição. Ninguém lhe responde. Este momento poderá fazer com que o espectador se recorde de momentos passados mais presentes e reflectir sobre o destino daqueles quatro estudantes que... nunca regressaram. Terão saído dali e esquecido a sua colega? Terão simplesmente desaparecido nas águas? Terão combinado não voltar? Ou simplesmente terão obedecido - mais uma vez - a uma qualquer ordem que os (auto)condenou a uma realidade que voluntariamente não quiseram reconhecer?!
Num passo lento muito próprio, Encontro Silencioso acaba por livremente caracterizar toda uma estranha e decadente realidade académica que condena os seus membros não a uma inserção no espírito - que na prática e para muitos nunca se traduz numa real vivência do mesmo -, mas sim num ensaio ou exercício sobre o abuso do poder, sobre a sua inata consciencialização como uma norma ou prática a respeitar, mas sobretudo (e também) sobre a forma como todos os demais que, não liderando, optam por o seguir cegamente não questionando qualquer das suas vontades, desejos ou caprichos condicionando não só a sua liberdade de acção como principalmente a de pensamento. Assim, e como sua directa e única consequência, na realidade académica como naquela tida por qualquer um de nós diariamente... perpetua-se um mal que cresce e floresce sem qualquer desafio ou contradição.
Lisboa. Época de praxes universitárias. O Dux Boris (Alexander David) convocou uma reunião com alguns veteranos para uma revitalização de valores académicos. Numa quinta abandonada nos arredores da cidade, Carlos (Filipe Abreu), Caio (Nuno Fonseca), Marta (Ágata Pinho) e Rafaela (Isabel Costa) preparam-se para uma praxe que definirá os limites da sua existência.
Para lá de qualquer semelhança com a realidade - que pode ser detectada em muitas ocorrências -, o argumento de Miguel Clara Vasconcelos centra-se numa experiência académica levada ao extremo e que é, ainda hoje, alvo de um secretismo "exemplar". Tido como um momento de inserção na vida académica, a praxe é vivida por alguns como o ritual máximo de união entre estudantes que a ela "aderem" como um elemento indispensável para se sentirem "pertença". Assim, e no reino do "vale tudo", Encontro Silencioso reflecte não necessariamente na vida académica enquanto um meio de inserção novo mas sim na cega adesão a uma etapa que independentemente das suas consequências é, no seu todo, como um exercício ditatorial de um poder bacoco que se instituiu formalmente como o "certo" para que tudo o demais se desenrole. Por outras palavras, a vivência académica apenas existe quando todos, caloiros e veteranos, compreendem que o poder está nas mãos de um... o mais velho e "respeitado" do local que escolhe e determina as regras, os meios, os propósitos e, entre pares, se sente e faz sentir que é o senhor todo poderoso.
Como directa consequência desta realidade, o espectador dá por si a questionar-se sobre a forma como existe e (se) vive o espaço universitário considerando que não só nada (re)conhece destas personagens como tão pouco do meio de onde vêm ou mesmo qual a sua realidade académica. Pelo contrário, a única coisa que conhecemos são os rituais ditatoriais que seguem cegamente e que os condiciona a uma eterna realidade de escravos pouco intelectuais de alguém que assumiu um qualquer poder sem nunca ser contestado pelos seus pares. A ditadura começa então naquele meio onde se espera que os seus intervenientes (ou ocupantes) são tidos como seres pensantes e que vão contribuir para uma realidade futura posterior mas que, naquele preciso momento, se refugiam perante a ordem de alguém que apenas aparenta ser mais sábio ou mais forte. Aí, e num belíssimo paralelismo na relação entre Dux e veteranos, Miguel Clara Vasconcelos filma um rebanho de ovelhas que se refugia numa sala de umas ruínas de um velho palacete (onde os universitários se encontram para a repetição do seu ritual de iniciação), temerosas dos estranhos ocupantes que parecem mais fortes do que eles, esquecendo que num colectivo facilmente os dominariam.
É nestas mesmas ruínas que veteranos, longe da acção de um Dux desaparecido, parecem perdidos numa realidade que desconhecem sintomática da sua passagem de poder (e conhecimento) a alguém que os usa como meros instrumentos da sua própria manutenção nessa ilusão de governação que os condiciona não só à incapacidade de livre arbítrio como sobretudo aos despóticos mandos de alguém que está, ele próprio, ultrapassado na sua época. Comprova esta noção irreal de poder as abusivas praxes onde apenas se dá crédito à humilhação alheia como sobretudo as pouco enérgicas e naturais recriações teatrais que encenam numa sala onde a própria "realidade" remonta a uma monarquia já não existente ou mesmo o mote final dessa iniciação em que Dux, entretanto reaparecido, os benze com a sua urina como um bem precioso que "oferece" aos pobres coitados desprovidos de acção e pensamento.
No final, quando tudo parece finalmente ter terminado, o espectador observa os cinco universitários numa última actividade... um banho na lagoa. Cinco entram na água mas só assistimos a uma de lá sair... "Marta" (Ágata Pinho) esquecida por todos, sai da água e usa o apito para indicar a sua posição. Ninguém lhe responde. Este momento poderá fazer com que o espectador se recorde de momentos passados mais presentes e reflectir sobre o destino daqueles quatro estudantes que... nunca regressaram. Terão saído dali e esquecido a sua colega? Terão simplesmente desaparecido nas águas? Terão combinado não voltar? Ou simplesmente terão obedecido - mais uma vez - a uma qualquer ordem que os (auto)condenou a uma realidade que voluntariamente não quiseram reconhecer?!
Num passo lento muito próprio, Encontro Silencioso acaba por livremente caracterizar toda uma estranha e decadente realidade académica que condena os seus membros não a uma inserção no espírito - que na prática e para muitos nunca se traduz numa real vivência do mesmo -, mas sim num ensaio ou exercício sobre o abuso do poder, sobre a sua inata consciencialização como uma norma ou prática a respeitar, mas sobretudo (e também) sobre a forma como todos os demais que, não liderando, optam por o seguir cegamente não questionando qualquer das suas vontades, desejos ou caprichos condicionando não só a sua liberdade de acção como principalmente a de pensamento. Assim, e como sua directa e única consequência, na realidade académica como naquela tida por qualquer um de nós diariamente... perpetua-se um mal que cresce e floresce sem qualquer desafio ou contradição.
.
.
"Boris: As sombras que vêem são as verdades que apaziguam os cidadãos."
.
"Boris: As sombras que vêem são as verdades que apaziguam os cidadãos."
.
7 / 10
.
Sem comentários:
Enviar um comentário