En la Boca de Matteo Gariglio é um documentário em formato de curta-metragem suíço-argentino exibido na décima-quarta edição do IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema Independente que a decorrer até ao próximo dia 13 de Maio, em várias salas de Lisboa.
Perto do estádio dos Boca Juniores em Buenos Aires, a família Molina vive de pequenos esquemas que lhes garante a sua sobrevivência. Da venda de bebidas aos bilhetes falsos para assistir aos jogos, os Molina estão em constante conflito com a polícia. Mas um dia, a tragédia bate-lhes à porta.
Logo no início deste documentário, o realizador apresenta ao espectador a sua conclusão. Tendo como figura central uma mãe - numa família que é claramente matriarca -, dá dado a conhecer ao espectador que outro dos protagonistas - o seu filho mais velho - morrera na prisão vítima de outro dos encarcerados. A família, que é até então compreendida como vivendo nas margens da lei, ganha toda uma nova perspectiva quando se percebe que um dos seus principais elementos e contribuidores para a sua subsistência perdera a vida mesmo antes deste filme ser finalizado.
Vários são os elementos desta narração que são de tomar em conta. O primeiro prende-se de imediato com as condições de vida desta família. Se o espectador assiste a um relato na primeira pessoa da forma de estar e viver de todos os seus elementos, cedo compreende que o estilo de criminalidade a que pertencem está longe de ser prejudicial como um todo. Na casa onde vivem e na forma como se apresentam ao espectador não existe um nível exterior de riqueza fruto do seu modo de vida. Pelo contrário, tudo o que vemos da sua casa, do seu estilo, das suas posses e até mesmo da forma como vivem a sua vida está longe de os aproximar de um qualquer enriquecimento exacerbado fruto daquilo que fazem. Residentes numa casa para lá de modesta - em qualquer lugar ocidental facilmente classificaríamos o seu espaço como uma vulgar "barraca" num qualquer bairro da lata, a família Molina parece sobreviver e subsistir apenas nesta franja da sociedade à custa destes pequenos golpes e esquemas que passam pela venda de bebidas, dos tais bilhetes falsos para o jogo e claro... de uma manutenção da sua ordem graças à corrupção policial que, a própria, retira o seu próprio lucro do negócio alheio.
O segundo momento desta história está presente nesta mesma perspectiva, ou seja, por muito que não se queira ou possa ignorar a criminalidade desta família, o espectador é forçado a questionar-se sobre a sua perpetuação na medida em que a própria autoridade - a lei e a ordem através daqueles que a impõem - sai também beneficiada da mesma lucrando com o "trabalho" dos demais. Afinal, se a vontade fosse de impedir que o crime subsistisse... não teria um qualquer agente da autoridade impedido a sua perpetuação? E, nesta medida, não iriam as prisões ficar cada vez mais lotadas com perpetradores de pequenos crimes económicos que, na realidade, poderiam ter rapidamente encontrado o seu fim?
Finalmente, e aqui directamente direccionado para o espectador, até que ponto é condicionada a visualização deste filme quando, desde os primeiros momentos, conhecemos o desfecho de um dos protagonistas? O que sucede junto do espectador quando, aprisionado a uma condição pré-existente, observa os últimos dias e instantes de alguém que, na realidade, já não está presente? Condicionará o seu julgamento perante o estilo de vida desta família ou, por sua vez, terá o espectador a mesma opinião sobre a sua actividade agora que sabe que o filho mais velho dos Molina... já não está entre os vivos?
Interessante relato sob perspectiva de análise social do espaço, da comunidade e do país em questão, preso a um ideal de corrupção light com a qual geralmente ninguém se preocupa e que, de certa forma, contribui para um mínimo (ou não!) enriquecimento daqueles que dela beneficiam mas sobretudo pela forma como permitindo ao espectador um conhecimento prévio da condição de uma família, lhe permite analisá-la ou empatizar com a mesma desde o início facto que, poderia não se verificar, caso esta informação lhe fosse reservada até ao final. En la Boca constitui-se assim um brilhante registo cinematográfico de Gariglio que transforma esta história num imediato drama familiar.
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7 / 10
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