O Dia em que as Cartas Pararam de Cláudia Clemente é um telefilme português produzido no âmbito de um programa de cooperação audiovisual da CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Nos anos 60, António (Pedro Frias) é destacado pelo regime para seguir Aurora (Ágata Pinho), suspeita de ser opositora do mesmo, até Paris. É então que, durante o Maio de '68, os dois então jovens se apaixonam e desenvolvem uma relação que, no entanto, é subitamente terminada quando têm de regressar à cidade do Porto.
Nos anos seguintes a relação apenas perdura através das cartas que António escreve a Aurora mas, no entanto, esta nunca as chega a ler. Poderão as suas vidas continuar?
Baseado no romance A Casa Azul da autoria da própria realizadora, O Dia em que as Cartas Pararam é portanto um filme com um cunho assumidamente pessoal e uma reflexão de um período conturbado da história do país que é ainda - e infelizmente - pouco explorado. O que escondem mais de quarenta anos de uma ditadura que está ainda tão "silenciada" e quase esquecida na memória de toda uma nova geração?
Aqui a autora, realizadora e argumentista leva o espectador a uma viagem sobre uma relação dita impossível entre um membro do regime e uma jovem que, oposicionista ou não, por ele se apaixonou dando corpo a uma vivência quase impossível pela força da vida por ela desejada e que era, por ele, improvável de viver. No seio da mentira, da omissão e do desencontro, existe toda uma história e uma continuidade deste amor proibido que ficaria por revelar. É com base nesta premissa que a história de "António" e "Aurora" continua agora através de "Laura" e "Rita" (interpretadas por Linda Valadas), duas jovens que separadas pelo espaço e pelo seu próprio auto-conhecimento partilham toda uma raíz e origem comum sendo ambas o resultado do amor daquela relação outrora proibida. Gémeas e sem conhecerem a existência da "outra", apenas as personagens mistério que as acompanham poderá justificar e comprovar que existe algo mais para lá do seu quase anonimato.
A forma como esta história está aqui contada priva o espectador de um conhecimento mais profundo e até mais dramatizado do contexto das personagens aqui tidas. O Dia em que as Cartas Pararam como uma clara alusão ao momento em que os dois amantes apaixonados deixaram de contactar um com o outro - fruto do próprio clima vivido nos idos anos '60 -, pedia que não só se conhecem mais das histórias destas personagens que com o passar dos anos viram o seu pensamento e o seu próprio físico ser marcado com e pelo desgosto, pela perda e sobretudo pela não concretização de um amor sentido. "Aurora" (agora Ana Bustorff), é uma mulher marcada por essa perda. Marcada pela desilusão e pelo afastamento mais ou menos deliberado do fruto do seu amor - apenas é acompanhada por uma das suas filhas desconhecendo a realidade da outra que ficou distante noutro país -, e os seus dizeres revelam um certo alheamento do juízo perfeito. Reclusa dos seus próprios pensamentos e da certeza de um abandono que não era da sua vontade, "Aurora" limita-se a passar pelos dias sem que quase seja perceptível que ela própria existe num mundo que não parou de avançar.
Ainda que todas estas histórias de diferentes personagens ocorram quase em simultâneo com os devidos distanciamentos espaço-temporais, O Dia em que as Cartas Pararam é um filme fácil para ser seguido pelo espectador ainda que, no entanto, este desejasse um maior desenvolvimento não só das personagens como da própria história que não tem a espera continuidade e exposição das motivações de todos. Afinal, sabemos que estamos no período ditatorial português pela forma como tudo é encenado mas não tomamos conhecimento da liberdade de '74 ou tão pouco dos motivos que, então, supostamente não lhes colocariam barreiras que, no entanto, existiam até aos nossos dias. Desta foram, e ainda que O Dia em que as Cartas Pararam seja um simpático telefilme que recupera o imaginário do pré-ditadura e algumas das suas nuances, é também justo afirmar que as mesmas não recebem o tratamento especial e devida exploração que seriam desejados mantendo apenas implícito que as boas famílias existiam e queriam(-se) longe das garras do regime.
Assim, e como pontos assumidamente positivos deste temporalmente limitado telefilme são, por exemplo, o cruzamento de histórias distanciadas pelo espaço e pelos anos mas que partilham um início comum mostrando que existem tantas histórias por contar e por "saldar" o seu próprio passado e ainda, uma feliz aparição de uma sempre genial Ana Bustorff ao universo cinematográfico onde tanta falta faz. A sua composição enquanto uma "Aurora" perdida no tempo e nos seus pensamentos daria, por si só, todo o conteúdo para uma longa-metragem centrada única e exclusivamente nos seus dias agora passados num espaço de repouso.
Simpático e interessante pelo seu contexto, O Dia em que as Cartas Pararam fica, no entanto, distante da grande longa-metragem que poderia ter sido limitando-se a exibir todo um potencial narrativo e de construção de personagens ficando, por sua vez, apenas pela mostra dos mesmos como se quisesse cativar o interesse do espectador mas privando-o - pelas limitações de apoio ao telefilme - da tal grande e esperada história.
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