Nortik de Tiago Iúri é uma curta-metragem portuguesa de ficção exibida no âmbito das sessões mensais do Shortcutz Viseu,
Jane (Soraia Estrada) é encarregue de procura o cubo para estabelecer contacto. Ele (Wilson Capitão) é o fundador da Aristarco encarregue de lutar por um mundo melhor. Mas... que mundo?!
Tiago Iúri cria com Nortik uma das raras incursões cinematográficas portuguesas - pelo menos aquelas com evidente qualidade - no campo da ficção científica, entregando com esta curta-metragem uma história que coloca o espectador numa constante incerteza sobre o mundo (que mundo?) em que se encontra.
Numa atmosfera indefinida onde um ser é despertado de um qualquer sono profundo, temos a referida "Jane" como presente na activação de um holograma da Terra... A primeira questão coloca-se no momento quando o espectador tem de equacionar que a Terra - pelo menos como a conhece - já é, neste tempo cinematográfico, uma memória de um passado distante. Este pensamento faz ainda mais sentido se as primeiras palavras proferidas em Nortik vierem de imediato à sua memória, ou seja, "procuram um mundo melhor", deixando claro que aquele que existira... já não se confirma.
É aqui que entra "Jane"... o seu "despertar" confirma que este ser praticamente humano - poderíamos aqui facilmente utilizar a expressão humanóide -, desprovida talvez apenas de uma abstracta alma, procura o local onde a Humanidade (tal como fora?) estabelece as suas bases e crie novas raízes. O distanciamento ou potencial inexistência de um espaço capaz de suportar a espécie cai por terra quando, inesperadamente, ganha forma a existência de Nortik... planeta com uma temperatura potencial aceitável, uma estrela e sem lua mas que, no entanto, contém fraca percentagem de oxigénio e se distância a 111 anos de hibernação. E, mais tarde até, esta eventualidade de um novo "lar" é ainda confirmada com outro planeta mais próximo mas, ao mesmo tempo, com uma temperatura menos "aconselhável".
Da procura do tal mundo melhor - para o qual se desconhece quem o poderá realmente habitar - à existência de uma vida extra-humana aqui personificada por "Jane", um claro humanóide a quem tudo é possível salvaguardando assim a preservação da vida humana - que possa existir - Nortik exibe um claro piscar de olhos a obras como Blade Runner (1982), de Ridley Scott ou Ex Machina (2014), de Alex Garland onde para lá de um mundo futurista sob uma ordem diferente, é a ideia de "vida" que já não é definida sob os parâmetros que hoje conhecemos transformando-se portanto numa interessante abordagem à potencial forma como a mesma perdeu a importância para essa mesma ordem ou, por sua vez, adquiriu-a em demasia por ser (à semelhança de outras no nosso presente), a "actual" espécie em extinção transformando a sua segurança mais importante que nunca.
Mas, é para lá do seu argumento susceptível de muitas interpretações que reside a extrema qualidade de Nortik não só pela sua excelência técnica visível na direcção de fotografia que graças a esse poder do cinema consegue transportar o espectador para um qualquer planeta distante que fica, na realidade, já ao virar da esquina e ainda descaracterizar o próprio espaço para lhe conferir uma estranha "alma" podendo este ser em qualquer parte desse universo perdido onde a vida - a existir - ainda se anuncia primitiva e intocada por uma qualquer presença externa. A acentuar este ambiente temos ainda a direcção musical de Tiago Iúri e Tiago Fernandes que contribui para a criação de uma atmosfera muito típica do cinema série B dos anos '70 e '80 recentemente recuperada pela curta-metragem finlandesa Nightsatan and the Loops of Doom (2013), de Christer Lindström - com a qual, aliás, Nortik partilha uma agradável similitude -, rapidamente transformando-a num excelente exemplar do género.
Potencialmente inteligente e uma interessante forma de começar a explorar o género - e até esta própria história que está tudo menos "acabada" -, Nortik consegue a rara façanha de poder levar o espectador a imaginar outros mundos, outras aventuras e outros domínios ao mesmo tempo que se questiona sobre o futuro da Humanidade... da sua sobrevivência enquanto um todo bem como da sua resistência à própria existência enquanto ser de sentimentos, emoções, pensamentos e livre arbítrio.
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7 / 10
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