Limbo - Por um Resquício de Paz de Rui Pedro Sousa é uma curta-metragem portuguesa de ficção presente na competição Internacional da oitava edição do Piélagos en Corto - Festival Internacional de Cortometrajes de Ficción que decorre na Cantábria, em Espanha.
Miguel (Jorge Mota) conta uma história. Uma história de amor. A história do amor entre Miguel (André Júlio Teixeira) e Susana (Joana Ji Antunes) surgido de uma casualidade. Do conhecimento à cumplicidade e da entrega à perda, poderão estes dois amantes ficar alguma vez separados?
Três anos depois da sua curta-metragem Tsintty (2013), o realizador Rui Pedro Sousa regressa com esta história sobre os diversos caminhos de um amor intenso. Com um argumento também da autoria do realizador em colaboração com Luís M. Ferreira e Renata Ramos adaptando um conto de Guy de Maupassant, Limbo é um conto sobre a casualidade das relações humanas, os (des)encontros e as coincidências que fazem dois seres pisarem o mesmo caminho e, através da busca de cumplicidades, sobre a forma como estes encontros se transformam em relações sentimentais fortes, dinâmicas e intensas mas nem sempre comprometidas ou imaculadas.
A história, contada num futuro já distante, remete-nos para as lembranças e memórias de um "Miguel" agora desgastado pelo tempo, pela perda e pela revelação de acontecimentos que o desiludiram. Para a confirmação de uma ilusão agora compreendida enquanto tal e que compromete(u) toda uma lembrança. O que acontece quando numa relação cúmplice e de total entrega se descobre todo um engano e uma traição que comprometem o então sentido? À medida que este "Miguel" regista os acontecimentos tal como os viveu, compreendeu e sentiu permanece - para o espectador - a imagem de um futuro negro, solitário e desiludido não só pelas revelações com que se deparou mas principalmente pela forma como o futuro (seu presente) vivem comprometidos e condicionados pelas descobertas que fez da sua grande e única - percebemos - paixão. É então que esta solidão (acompanhada pelo desgosto) ganha forma. Primeiro pelo seu desnorte - enquanto novo - e depois pela habituação a uma vida que jamais poderia ser igual ao que foi. "Susana" foi para "Miguel" o símbolo de todo um renascimento, de toda uma entrega e sobretudo de uma jamais sentida paixão que nunca voltaria a ser igualada. "Miguel" foi assim - de certa forma - enfeitiçado pelo amor. Pela pureza de um amor sentido e que guarda(va) como único e especial.
Num misto de drama e romance com sérios toques de fantasia e até sobrenatural, Limbo subdivide-se em dois importantes momentos; o primeiro que dá corpo a uma intensa história de amor que leva o espectador numa viagem de encanto, dedicação e entrega. Uma história de paixão que tenta arrebatar o espectador e o deslumbra com alguns belíssimos segmentos vibrantes e repletos de cor e vida para, num segundo momento, o deixar melancólico, perdido, abatido e até mesmo enganado pela percepção de que na vida - tal como no amor - nem tudo é perfeito e que as personagens - como reflexo de tantos espectadores - também se sentem enganadas, traídas, trocadas e até mesmo desiludidas com os rumos nem sempre compreensíveis de uma carne fraca que cede face às tentações.
É neste segundo momento que o realizador nos surpreende ao inserir toda uma história sobrenatural onde as penitências têm de ser pagas e expiadas através das almas - agora putrefactas - e, tal como em séculos idos, denunciadas publicamente para que todos os pecados - e respectivos pecadores - sejam agora conhecidos e apontados... Incapazes de ter descanso eterno, estas almas vagueiam agora pelos caminhos da noite fria, solitária e pesada... de certa forma como um interessante paralelismo para com o "Miguel" nos anos futuros que se adivinham. Ele, eventualmente por uma opção ou incapacidade de voltar a confiar e amar, vagueia pela vida incapaz de sair das suas quatro paredes onde recorda tudo o que viveu de bom... sem nunca mais o ter experimentado e vivido. "Miguel" a ela se dedica... mesmo na sua morte cruzando a perda com o amor, com a paixão e a loucura... todos se interligam num ciclo de dependência.
Ainda que cruzando diversos estilos e géneros, Limbo é fiel ao tradicional conto dramático. O espectador tem o romance, o drama, o encantamento e a fantasia, a perda, a morte, a dedicação extrema e fiel e o relato ou registo de um amor eterno que cruza a vida, a morte, os mortos e até mesmo a possibilidade de uma nova redenção. Sempre acompanhado de uma belíssima música de Alexander Arntzen que enquadra cada momento no seu contexto próprio dando cor - ou revelando a sua ausência - a cada instante, e embelezado com a direcção de fotografia de Hugo Fortes e uma caracterização de Catarina Pimentel e Hugo Magalhães, Limbo (con)firma a intensa dramatização de uma forte interpretação de André Júlio Teixeira que prende o espectador a um olhar de encantamento, de dedicação quase devota a um amor realmente sentido mas que é corrompido primeiro pela morte e depois pela confirmação de uma traição impossível de esquecer.
Se há coisa que Limbo nos consegue demonstrar é que o verdadeiro amor pode existir e ser eterno mas que, de igual forma, pode prender e lançar armadilhas psicológicas e sentimentais àqueles que o sentem e são traídos remetendo estes últimos a uma existência tão errante em vida como aquela tida pelos mortos daquele cemitério, com amores desfeitos e não confirmados comparando-os apenas ao pó com que tudo "vive" nesse tal futuro distante onde se recordam os dias passados.
De Tsintty a Limbo, Rui Pedro Sousa demonstra não só um amadurecimento na forma de filmar uma história como na sua própria concretização unindo de forma coesa todos os elementos e conseguindo dirigir um conjunto de actores que se complementam e que deixam a sua marca pessoal em personagens vivas e que sentem, que transmitem emoção e, no final, (des)ilusões compreendidas por todos aqueles de nós - espectadores - que os sentem e nos quais se podem rever.
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