terça-feira, 17 de maio de 2011

O Barão (2011)

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O Barão de Edgar Pêra que passou na última edição do IndieLisboa e com estreia prevista no circuito comercial em Portugal em Setembro de 2011 era por si só um evento cinematográfico. Porquê? Simplesmente por deter a marca inconfundível de Edgar Pêra. Marca essa que já nos deu brilhantes filmes como A Janela - Maryalva Mix ou o telefilme 8 8.
Neste filme seguimos a viagem de um Inspector do Ministério (Marcos Barbosa) que vai investigar a acção de uma professora (Marina Albuquerque) numa localidade do Portugal profundo nos idos anos da ditadura. É nesta povoação que é no mínimo retirada de um filme vampiresco onde as sombras, os ruídos e o ambiente de forma geral rondam de muito perto o set ideal para que algo de macabro venha a suceder.
Numa noite escura o Inspector chega finalmente ao seu destino e, pouco depois de iniciar o questionário à professora, esta fala-lhe no Barão, o senhor da povoação que todos aparentemente temem.
Ao mesmo tempo que fala no Barão (Nuno Melo) este como que das sombras aparece, e damos por nós já à porta do seu enorme castelo. É aqui que ficamos a perceber o porquê de toda aquela população sentir medo quando é referido numa conversa o Barão. Este é uma figura sinistra que tanto tem de fantasmagórico como de vampírico, de louco e de renegado, de mau e de cómico e sempre... sempre muito corrosivo e que não se cansa de proferir a frase "Quem manda aqui sou eu".
Este brilhante filme de Edgar Pêra, mais um que se note, tem tantos pontos positivos que acabo por não saber bem por onde começar por isso vou iniciar pelas interpretações.
Começando pela de Marcos Barbosa, o Inspector, que se encontra perdido num local onde tudo parece ora estranho ora pior chegando mesmo a ser sinistro, tem aquela interpretação que sofre a maior mutação de todo o filme. É ele que chegado a tão estranho local se encontra perdido e receoso com o que vai encontrar e que à medida que toma contacto com todas aquelas personagens e situações se transforma num homem mais seguro de si e ávido por ser ele a "mandar" em tal atmosfera. De um calmo funcionário público contrariado por ir para um local longe de tudo e de todos acaba por ser ele a sentir a maior vontade de permanecer por tão estranha localidade e dar continuidade a uma perversa ideia de poder e de controle sobre tudo e todos os que o rodeiam.
Leonor Keil que interpreta Idalina, empregada e objecto de desejo do Barão, e do Inspector, tem o papel feminino de maior destaque. Aparentemente vítima e prisioneira dentro de tão sombrio castelo, cedo se revela como uma personagem tão forte quanto as demais masculinas que povoam este filme. Forte e também uma que pela silêncio das sombras consegue manter grande controle sobre o Barão, seu suposto carcereiro.
E claro, aquele que é possivelmente o grande deste filme, Nuno Melo que personifica o Barão dando-lhe não só corpo como principalmente alma, garantindo-nos uma das suas maiores interpretações de sempre. A sua presença relembra-nos Christopher Lee e a sua enorme classe controlada nos antigos filmes de vampiros. No entanto rapidamente percebemos que as semelhanças ficam-se apenas por uma aparência momentânea pois, quando ele começa a falar sobre o mundo a que já assistiu, e assiste, depressa percebemos que estamos na presença de um louco que nada faz para disfarçar a sua falta de controle. Loucura esta, quase animal, que todos os habitantes da aldeia temem. Todos lhe vivem subservientes e receosos de qualquer referência que o englobe. Afinal, quem manda ali é ele.
Ponto igualmente forte deste filme é o extraordinária trabalho de direcção de fotografia assinado por Luís Branquinho, neto de Branquinho da Fonseca, autor da obra original que deu vida a este filme. A imagem a preto e branco é francamente positiva. Se pensarmos que este é um filme português, facto que ainda assusta muitas pessoas de irem ver um filme (infelizmente), que temos uma história ambientada no terror e ainda por cima a preto e branco, muitos vão pensar que não vale a pena e que o filme vai ser uma perda de tempo. Muito pelo contrário. É exactamente aqui que reside muito do potencial que este filme tem. Não nego que se tivesse cor seria um espectáculo de vida, e confirmamos isso nos breves momentos em que a temos, mas este não é um filme sobre vida. É um filme exactamente sobre a sua ausência. É uma história que nos relata de diversas formas a ausência de amor de que as suas personagens foram vítimas e como tal da ausência de sentir e de viver que isso lhes provocou.
Além deste importante aspecto, a própria imagem a preto e branco provoca o ambiente que se quer para um filme que, como já referi, é quase vampírico. Queremos ver uma história de vampiros feita "à moda antiga". Com cenários sombrios, escuros, onde as sombras ganham uma vida própria e onde o poder sa sugestão e da ilusão estão presentes.
A morte do Barão foi o único momento em que durante todo o filme, temos cor, e bem viva... Foi esta que o libertou de uma vida cinzenta e ausente de amor. Ausente de atenção, excepto aquela que ele próprio provocava graças à sua presença sem modos, grotesca e esgotada, sempre através do uso da força e da dominação.
Finalmente é impossível não referenciar igualmente pela positiva, aliás bem pela positiva, um dos elementos mais originais que um filme alguma vez dera ao seu público... a banda-sonora. Não, não temos um maestro reputadíssimo encarregue de musicar este filme. Temos no entanto o grupo Vozes da Rádio que o sonoriza na sua totalidade, com sonoridades e músicas feitas exactamente para criar a tal atmosfera draculiana que as imagens já nos transmitem. Simplesmente perfeito e genial não só pela sua qualidade musical como principalmente pela brilhante originalidade do conceito. Se todo o filme já estava perfeito... este foi o toque de genialidade. E para quem duvida disto que não abandone a sala de cinema até ao último momento... mesmo depois dos créditos finais começarem a passar... nem tudo acabou... Deixem-se estar e aguardem para o momento de pura e divina comédia.
Não é assunto tabu para ninguém que sou um fã incondicional e assumido da obra de Edgar Pêra, não só pelas histórias que filma como pelo seu toque próprio que deixa em qualquer dos seus filmes. Quando vemos um filme assinado por si sabemos exactamente de quem se trata sem ser preciso vermos o nome do realizador.
Agrada-me saber que há em Portugal não só quem filme histórias ditas "eruditas" quando todos sabemos que no cinema há lugar para todo o tipo de histórias e todo o tipo de visões sobre as mesmas. É essa a genialidade do cinema... ser capaz de contar tudo... a todos.
Digo sem reservas, e ainda nem a meio do ano vamos, que este será um dos grandes filmes do ano, e um dos grandes filmes da cinematografia portuguesa (e não só) que alguma vez iremos ver. Em Setembro quando estrear, não se deixem travar por pensarem que é um filme português (como se isto fosse mau), arrisquem e confiem neste filme. Vão vê-lo.
Quanto a Edgar Pêra... quero mais... mais... e mais... Aqui tem um fã que já aguarda pelo seu próximo trabalho.
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"Inspector: Desejar é uma força que às vezes desaparece inesperadamente."
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10 / 10
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