quinta-feira, 5 de março de 2015

Esclavo de Dios (2013)

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Escravo de Deus de Joel Novoa é uma longa-metragem venezuelana de ficção baseada em acontecimentos verídicos que marca o segundo dia do Judaica - Mostra de Cinema e Cultura que decorre no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Ahmed (Mohammed Alkhaldi) e David (Vando Villamil) encontram-se em lados opostos de um conflito. O primeiro é islâmico enquanto o outro é judeu, mas ambos vão cruzar-se em Buenos Aires quando um tenta capturar o outro e impedir um novo atentado terrorista na cidade.
Conseguirão estes dois homens colocar de lado as suas mais firmes convicções político-religiosas e encontrarem o rumo certo para as suas vidas?
O argumento de Fernando Butazzoni reclama uma vez mais os trágicos acontecimentos que se escondem por detrás de um ataque terrorista onde, sem vitimizar nenhum dos lados, denuncia as suas convicções - ou falta delas - para celebrar as escolhas que permitam seguir em frente. Se de um lado encontramos "Ahmed", um jovem islâmico que é enviado para a América Latina como célula terrorista adormecida, não é menos verdade que consegue ao mesmo tempo expôr os motivos que o levaram a pactuar com a espiral de ódio e violência que perduram à décadas no seu espaço geográfico de origem. Vindo de um meio pobre no qual a sobrevivência obriga aos mais variados actos, incluindo "pactuar com o inimigo" como a sua família era acusada, "Ahmed" vê o seu pai ser morto pelo tal "inimigo" que lhe foi apresentado desde criança. Longe de poder raciocinar livremente sobre as verdadeiras razões da sua pobreza, este jovem cresce e é "formado" olhando para o "outro" como o motivo da sua infelicidade. Mas, o que acontece quando ele forma a sua família, os seus laços de afectividade e no seu seio se desenvolve o amor? O que acontece quando esse "outro" tem também uma família e uma vida banal - tal como a sua - que não os distanciam mas sim aproximam como alguém seu semelhante?
Dos mesmos dilema vive "David", que em jovem assistiu à morte do seu irmão numa explosão provocada por um homem-bomba, e que agora em adulto, e pertencendo aos serviços secretos, dedica toda a sua vida a procurar e deter células ou indivíduos terroristas conseguindo assim preservar paz e tranquilidade à sua volta mas impedindo - ao mesmo tempo - de alcançar a sua própria paz pessoal quando as vidas de tantos podem depender da sua rapidez em agir?
Por mais estranho que possa inicialmente parecer, estes dois homens encontram nas suas diferenças e distâncias aquilo que verdadeiramente os aproxima. Quando criados num núcleo onde o ódio prevalece aprofundando aquilo que são as tais diferenças político-religiosas em vez de se olharem como iguais - tendo diferenças - tanto "Ahmed" como "David" percebem que toda a sua vida foi dedicada à perda. Perda de família, de liberdade, de expressão individual, de desejos e principalmente de sonhos. Toda a sua vida foi um constante ritmo de abnegação... Uma abnegação tida em nome de interesses terceiros que nunca os representou verdadeiramente tendo unicamente conseguido que enquanto indivíduos se anulassem a tudo o que ocorria para lá dos seus muros individuais.
Mas no final, Esclavo de Dios concentra-se na capacidade de pensar, escolher e decidir individualmente qual o rumo pretendido para as suas vidas sabendo que será aquele momento que os irá eternamente definir deixando de serem "escravos" de um "deus" que até então só os condenou a viver por entre a morte. Se Deus é amor e se encontra por todo o lado... foi naquele instante final que realmente se manifestou para as suas vidas revelando não só qual o verdadeiro responsável pelo sofrimento de "Ahmed" como principalmente a sua, e a de "David" verdadeiras essências.
Com interpretações contidas - pela forma como as respectivas personagens vivem no seu próprio sofrimento e isolamento - mas intensas, Esclavo de Dios destaca-se ainda por uma inspirada música original da autoria de Emilio Kauderer bem como pela sua sempre presente mensagem - e mais a cada dia que passa - sobre as diferenças que em vez de nos aproximarem pela curiosidade que deveriam despertar, nos distanciam pelo medo do desconhecido que mais não é, afinal, do que um outro igual a qualquer um de nós.
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