Labirinto de Mentiras de Giulio Ricciarelli é uma longa-metragem alemã baseada em acontecimentos verídicos e o filme que serviu de abertura ao Judaica - Mostra de Cinema e Cultura 2015 que decorre no Cinema São Jorge, em Lisboa até ao próximo dia 8 de Março.
Quando na Frankfurt de 1958 o jornalista Thomas Gnielka (André Szymanski) reconhece o comandante do campo de concentração de Auschwitz, o jovem advogado Johann Radmann (Alexander Fehling) decide começar a investigar o destino de todos os indivíduos que participaram de qualquer forma nos campos de extermínio alemães.
Numa altura em que decorridos treze anos desde o final da guerra ninguém na Alemanha parece falar ou conhecer o que foram os campos de morte, a grande questão coloca-se... qual a memória que restará do Holocausto quando ninguém parece saber que sequer aconteceu?
E é tendo esta premissa da memória como a mais importante de toda esta história que o argumento de Ricciarelli, Elisabeth Bartel e Amelie Syberberg se desenvolve para uma odisseia que não só a pretende preservar como também durante o processo exige que a justiça funcione e condene aqueles que então contribuíram para o maior dos horrores que o continente Europeu alguma vez testemunhara. Num percurso que levou a Alemanha a esquecer e os alemães a ignorar os verdadeiros horrores da guerra e cujo único fim foi seguir em frente e tentar levar um futuro melhor para os seus cidadãos, as autoridade que desde o final da guerra governaram a República Federal Alemã decidiram (in)conscientemente ignorar o passado. Passar-lhe uma esponja que reconhecesse a época mas não a quis estudar e dissecar percebendo assim qual a real dimensão de um horror para o qual o país havia contribuído e no qual a sua população - boa parte dela - havia alinhado quer pela participação activa quer pelo silêncio que desde então vigorava.
No entanto, é aqui que se coloca a grande questão... Como pode um país sarar essas feridas que matam lentamente se nenhum daqueles que as perpetrou teve algum tipo de julgamento e condenação? Como podem vítima e carrasco conviver no mesmo espaço se este último não foi devidamente punido pelos seus actos? Como pode viver em tranquilidade - se é que alguma - a vítima que pode diariamente passar pelo seu carcereiro sem nada lhe poder fazer? Finalmente, como podem os sobreviventes fazer o seu luto se a memória dos que pereceram continuara sistematicamente a ser desrespeitada pelo seu esquecimento?
Mas Im Labyrinth des Schweigens coloca ainda uma outra questão a toda esta dinâmica quando durante o retrato da investigação tida no final da década de 50 do século passado se descobre que alguns dos mais destacados criminosos de guerra, nomedamente Eichmann - autor da Solução Final - e Mengele - médico carrasco de Auschwitz - haviam conseguido fugir do país com o consentimento das autoridades e, no caso deste último, as mesmas facilitavam a sua entrada no país para visitar regularmente a sua família como se de um "normal" turista se tratasse... Como pode esta sociedade fazer as pazes da vítima com o Estado ou como pode este clamar ter sido feita justiça quando tão de perto colabora em Democracia com os carrascos de um regime hediondo?
A dar vida ao intransigente advogado "Johann Radmann" está uma forte interpretação de Alexander Fehling que encarna não só o espírito de justiceiro que exige o reconhecimento dos crimes e a punição daqueles que os cometeram como principalmente a destreza humana que percebe que apenas poderá o Estado seguir em frente se todos aqueles que sofreram sentirem o cumprimento da justiça que ele agora encarna graças à sua profissão. A própria interpretação de Fehling desenvolve à medida que os factos se desenrolam dando vida a um "Radmann" mais frio e cuja jovem idade lhe permitem ser convencido, para um humanista que luta com todas as suas forças por uma justiça que parece não chegar moldado pelo conhecimento de factos hediondos que o espectador (aqui) não conhece mas sabe de tantos outros filmes ou documentários factuais.
Ainda com as sólidas interpretações de André Szymanski como o repórter "Thomas Gnielka" que para lá de investigar os trágicos acontecimentos dos anos da guerra tem também ele o seu próprio passado e Friederike Becht como "Marlene Wondrak" o interesse afectivo e sentimental de "Radmann", Im Labyrinth des Schweigens transforma-se assim não num relato dos horrores da guerra - que no fundo já são conhecidos de todos nós - mas sim numa história que nos dá a conhecer um interessante dilema... como fazer evoluir uma sociedade se os crimes cometidos pela comunidade não foram (ainda) julgados?
Estando apenas um homem no centro de toda esta história - "Radmann" - bem como todas as lutas pessoais e individuais que assumiu - desde o distanciamento de toda a sociedade e do seu próprio passado familiar eventualmente também ele com as suas próprias culpas bem como a perseguição aos mais implacáveis criminosos de guerra nazis - Im Labyrinth des Schweigens assume-se como um filme sobre a moral, presente e ausente, do Homem e da comunidade transformando-se não num filme sobre o Holocausto mas sim sobre o seu legado então desconhecido.
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8 / 10
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