segunda-feira, 30 de março de 2015

Nuovo Cinema Paradiso (1988)

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Cinema Paraíso de Giuseppe Tornatore é possivelmente a mais conhecida longa-metragem do realizador italiano e a vencedora do Oscar de Filme Estrangeiro no já distante ano de 1990 para a qual não precisa de qualquer desculpa para ser apreciada uma vez mais.
Salvatore De Vita (Jacques Perrin) é um famoso realizador italiano que recebe a mensagem de que Alfredo (Philippe Noiret), o projeccionista do Cinema Paradiso onde ele teve toda a sua iniciação à Sétima Arte, acabara de falecer.
Num misto de memórias regressamos ao passado, à Sicília do pós-guerra onde o jovem Totò (Salvatore Cascio) viu em Alfredo a figura paternal que nunca tivera, dele recebendo todos os ensinamentos sobre a vida, o amor e o cinema como resultado dos dois primeiros sem esquecer a sua adolescência (Marco Leonardi) na qual conhece o amor da sua vida através de Elena (Agnese Nano).
Giuseppe Tornatore, com a especial colaboração de Vanna Paoli, escreve um argumento que inicia uma longa e sentida homenagem não só à História como principalmente à sua Sicília natal. Depois de Nuovo Cinema Paradiso temos L'Uomo delle Stelle (1995), Malèna (2000), Baaria (2009) e ate mesmo sentido em La Leggenda del Pianista sull'Oceano (1998) que para lá da lição de História que transmite ao espectador, coloca também a ilha mediterrânica como uma das personagens principais do seu filme. É impossível passar por estes títulos e não sentir a forte presença de uma ilha e de um povo, da sua História recente e dos seus costumes brutalmente marcados pela imigração e pela guerra. Principalmente pela guerra... homens ausentes depois de um conflito que devastou a região já de si pobre e afectada pelas grandes clivagens entre ricos e pobres, pelo desaparecimento de uma boa parte da sua população que ou teve de se refugiar noutras paragens ou que sucumbiram perante o conflito e isto sem esquecer a acentuada presença da Igreja Católica que transforma o próprio estilo e modo de vida da região e do seu povo marcado por fortes convicções religiosas.
As personagens que Tornatore cria são por si só muito características e escondem - graças a todos estes elementos já referenciados - um misto de tristeza e alegria que tão depressa os afasta daquele espaço como, ao mesmo tempo, quando distantes os faz sentir que algo lhes falta para se sentirem completos. A Sícilia de Tornatore não é apenas uma ilha perdida no meio do Mediterrâneo mas é sim um pedaço de cada uma daquelas personagens que têm em si marcados os hábitos e costumes... o poder e a força do sangue siciliano que os define para lá da própria nacionalidade italiana. E imagem desta ideia é o longo planos inicial de um Mediterrâneo que banha tranquilamente a ilha ou até mesmo as ruas geograficamente apagadas mas repletas de uma vida que sorri por entre a tragédia e os destroços.
Existe também nos filmes de Tornatore uma acentuada dicotomia entre o jovem que desperta para a idade adulta não só na sua componente sexual - sempre presente - como principalmente no amargar do "eu" face a um mundo que de repente perdeu todo o seu brilho e cor natural. A realidade dos sentimentos, até então escondida ou idealizada como algo perfeito, ganha repentinamente uma dimensão trágica e que mostra as verdadeiras cores de cada um. Assim o temos em Malèna bem como em Nuovo Cinema Paradiso onde o idealizado amor de juventude rapidamente se transforma numa perda maior que a vida transformando todas as futuras manifestações de amor em actos contidos ou desprovidos de real sentimento.
O amor está, no entanto, sempre presente nesta história. Quer seja o maternal entre "Totò" e "Maria" (Antonella Attili), por vezes manifestados através de alguma dor por uma vida que não se completa como esperado, quer o amor desta última - incompleto - por um marido que desapareceu e se presume morto que transformou a sua vida numa solidão sem aparente fim. Quer pela sua presença, quer também pela sua ausência, é o amor que marca os destinos de ambos e que levam o jovem "Totò" a (in)voluntariamente procurar a atenção de um pai substituto que encontra em "Alfredo". O pai com quem aprendeu a crescer e tornar-se num homem... aquele que zelou por ele e pelos seus interesses... pelo seu desenvolvimento que seria impossível numa terra parada no tempo. O mesmo amor que encontra anos mais tarde com "Elena" e que aquando da sua perda o transforma num homem isolado e só no mundo, distante da sua família, do seu lugar e das mulheres com quem se cruza numa Roma que aqui mais não é do que uma personagem secundária que ocasionalmente o satisfaz profissionalmente.
Os filmes de Tornatore deixam todos eles no seu final uma intensa sensação de que o tempo e a vida passam sem que por eles demos conta, que aquilo que se perde já não regressa e que o que não se fez jamais poderá ser concretizado. O que não se teve ficou perdido e quem perdemos jamais poderá ser nosso constituindo apenas uma vã memória que ocasionalmente recuperamos mas que para sempre deixou a sua marca. São esses os momentos determinantes que nos fizeram crescer e que nos fizeram perder um pouco do brilho da criança que existira em cada um de nós. Todos percebemos aquele exacto momento em que as últimas imagens deixam um profundo vazio no peito e que, tal como àquelas personagens, todos nós já tivemos o tal momento que nos fez perceber que já não somos crianças, ainda que em Nuovo Cinema Paradiso, é o poder do cinema, de sonhar e de viajar para locais desconhecidos que, ao mesmo tempo, nos mantêm ligados à tal infância perdida.
Se as personagens são o "corpo" e a Sicília a "entidade" presente, a música de Ennio Morricone é a alma que qualquer filme de Tornatore ganha. As melodias saudosos, tristes e esperançosas, fazem o espectador perceber que algures no tempo pertence(u) àquele lugar... que o identifica como seu e que o faz voltar à tal infância perdida independentemente de onde esta tenha sido passada. No fundo, a música é o terceiro elemento da "santíssima trindade" de Tornatore... Personagens, Sícilia e Morricone são desde o primeiro instante indissociáveis e alimentam-se para que o espectador possa, durante o filme, sentir. Simplesmente sentir.
Tendo visto este filme na altura com dez anos de idade - no fundo a mesma como o jovem "Totò" -, muita desta mensagem sobre as etapas do crescimento foram claramente ignoradas pela própria imaturidade de qualquer criança. No entanto, foi também este um dos filmes responsáveis por uma constante curiosidade para com o cinema enquanto fonte de descoberta de histórias, de pessoas reais ou imaginadas, de lugares - a minha bela Sicília sendo um deles - e, mais tarde, da tal mensagem que qualquer um de nós pode em idade mais adulta compreender e identificar no seu próprio desenvolvimento. Todos nós temos aquela criança curiosa e atenta dentro de nós mas, ao mesmo tempo, sabemos que ela ficou adormecida algures no tempo e na sua audaz inocência. Por este, e por tantos outros motivos, posso com segurança identificar Nuovo Cinema Paradiso como um dos filmes da minha vida e Tornatore como um realizador que me aproxima ao meu lugar e ao meu espaço. Um realizador de quem espero sempre com curiosidade e antecipação pela sua nova obra.
No final, depois do velho cinema ser destruído pela força da inovação - que nem sempre vem com bons intuitos - resta perceber que é bem nesse final que permanece o essencial... que o importante não é aquilo que se conquista pela fama e pelo poder mas sim aquilo que sempre foi nosso sem que disso nos consigamos aperceber... o amor. O amor de quem temos perto... de quem é nosso... de quem conquistamos... e de quem descobrimos (e nos descobre).
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