domingo, 1 de março de 2015

Chappie (2015)

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Chappie de Neill Blomkamp é a mais recente longa-metragem do realizador de District 9 e que num futuro próximo situado, uma vez mais, numa África do Sul ultra violenta, o crime é patrulhado por uma força policial especial e mecanizada que não só protege o elemento humano da potencial fatalidade como, ao mesmo tempo, se percebe vir a reduzir a violência mais ou menos feroz.
Chappie (Sharlto Copley) é um desses robots. Objecto predilecto de Deon (Dev Patel) que o tenta humanizar, Chappie é um dia roubado por um conjunto de banais criminosos que tenta com ele elevar as suas hipóteses de uma vida criminosa mais bem sucedida. Mas, quando Deon é bem sucedido no seu plano, Chappie não só é alvo de interesses desses criminosos como daqueles que, dentro da lei, tentam ser bem sucedidos com os seus próprios planos de ambição e poder.
Quando Chappie consegue finalmente pensar e sentir... de que lado do jogo estará ele colocado?
Assumo de antemão que não consegui ainda ser um daqueles admiradores confessos da obra de Blomkamp e dos que teme a sua intromissão no universo Alien - o seu futuro projecto. Ainda assim, e como esta não é a temática deste comentário, fico-me apenas por aquilo que aqui pretendo comentar... Chappie. Blomkamp e Terri Tatchell escrevem esta história futurista de uma Joanesburgo completamente dominada pelos gangs armados, violência constante e uma insegurança capaz de dissuadir qualquer um de povoar livremente a cidade. Cidade essa que, ao mesmo tempo e possivelmente como uma directa consequência do anterior, está francamente dividida em duas classes... aqueles que muito ricos dominam todas as instituições da mesma e os demais que tentam sobreviver à custa de todos os mais ou menos pequenos esquemas e que habitam os bairros mais devastados da cidade sul-africana. Até aqui nada de novo e diferenciando os "protagonistas" poderíamos estar uma vez mais no seio de District 9 ou Elysium sendo que aqui a atenção está direccionada para uma polícia mecânica incapaz de pensar... até chegar "Chappie".
"Chappie" é, até certo momento, um robot igual aos demais. A sua vida tem os dias contados graças aos planos megalómanos de "Vincent" (Hugh Jackman) que pretende ter o seu próprio arsenal a cruzar as ruas da cidade mas que por custos excessivos denotados por "Michelle" (Sigourney Weaver) tem ficado atrás da linha das prioridades. Quando "Chappie" é envolvido em vários dos crimes que abalam a cidade então a sua própria segurança - agora enquanto ser pensante graças a "Deon" - fica ameaçada e a violência promete ser crescente nas ruas de Joanesburgo.
O espectador mais desatento perde-se no meio de Chappie não só graças ao excessivo número de personagens que parecem co-habitar em tão pequeno espaço - algumas das quais que nos deixam inclusive a questão de porque motivo lá se encontram - como principalmente por aquele ritmo frenético com que se tenta contar esta história que parece saído de um videoclip manhoso onde a falta de qualidade é abafada pelo mesmo. A história, ainda que interessante do ponto de vista social, leva-nos uma vez mais a questionar a diferenciação de classes na África do Sul moderna bem como sobre o até que ponto existe uma verdadeira igualdade num país onde ainda aparentam existir tantas questões raciais como na era do Apartheid com a agravante de que agora é nesta sociedade, suposta e  potencialmente mais livre, que a escalada de violência é, também ela, um problema social que se faz sentir... aliás, toda a obra de Blomkamp tem reflectido.
Mas Chappie - filme e personagem - levam o espectador ainda a uma outra viagem... aquela que no seio da desumanização se percebe e sente uma crescente humanidade num elemento que não o deveria ser... estando a espécie humana perdida quem irá garantir essa humanização e descoberta garantindo a vida e interacção social normal entre aqueles que habitam espaços comuns? Quando falha o Homem... poderá existir a Máquina?! "Chappie" é isso mesmo... o poder da descoberta e da magia das "coisas" feitas por alguém - algo?! - não viciado com a corrupção da mente humana... uma mente limpa não adulterada pelo cinismo e hipocrisia do poder de uma sociedade também ela podre. Quando aos poucos se tentam conquistar conhecimentos e experiências formativas, Chappie questiona o espectador sobre como o meio ou o ambiente podem realmente influenciar negativa ou positivamente aqueles que nele co-habitam sendo esse o principal elemento não só da formação do "eu" como também da sociabilização com o "outro". No fundo, quem sou "eu" depois de receber feedback daqueles que me rodeiam?
É ainda nesta consciencialização do "eu" que Blomkamp tenta penetrar com Chappie ao questionar-se para quê criar quando o propósito é morrer? Numa verdadeira dicotomia entre Obra e Criador, Blomkamp perde-se dando lugar a mais do mesmo ritmo frenético esquecendo-se de responder - ou pelo menos dar a sua perspectiva - a esta questão, levando-nos a uma viagem repleta de efeitos especiais e muito movimento que nos faz imediatamente esquecer os "porquês" da existência... humana ou não!
Que Blomkamp quer homenagear/criticar a sua cidade natal já qualquer espectador mais atento tinha percebido com as suas obras anteriores... são por demais óbvias para que não o entendamos mas, ao mesmo tempo, Chappie faz-nos questionar sobre o porquê deste estilo de filmagem e ritmo da narrativa que faz perder tantos elementos e principalmente o uso de actores como Sigourney Weaver que aqui é francamente decorativo - repito, tremo pelo próximo Alien - ou até mesmo Hugh Jackman que parece uma versão com hélio dele próprio... não que a sua voz esteja distorcida ou cómica mas percebemos que a sua personagem não tem qualquer ritmo ou motivação que justifique os seus comportamentos... ah... bom... sempre existe o dinheiro e o poder que desvirtualizam qualquer um de "nós"...
Não me entendam mal, eu até simpatizei com Chappie e acredito que teria sido um dos meus filmes preferidos caso tivesse pelo menos mais duas horas de duração e não só fossem algumas destas anteriores questões respondidas ou, pelo menos, que não fossem substituídas por mais um conjunto de interessantes efeitos especiais que, na inevitabilidade de dar respostas, nos distraem daquilo que realmente interessa assim como fossem aprofundadas algumas das suas personagens, principais e/ou secundárias englobadas. Assim, ficou apenas a sensação de que este filme tinha realmente uma mensagem a entregar mas que, pelo caminho, o estafeta esqueceu-se dela mantendo-se apenas vitalidade no campo dos efeitos especiais e sonoros e ainda da fotografia que mostram o lado não tão futurista de Joanesburgo mas aquele que infelizmente aparenta já ser a sua realidade presente.
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"Chappie: Why did you build me to die maker?"
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7 / 10
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