segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Yao a Yao, Yao Dao Wai Po Qiao (1995)

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A Tríade de Xangai de Zhang Yimou é uma longa-metragem de co-produção franco-chinesa nomeada ao Oscar de Melhor Fotografia em 1996.
Shuisheng (Wang Xiaoxiao) é levado do campo para a Xangai dos anos 30 onde deverá ser o criado de Xiao Jingbao (Gong Li) a nova amante do patrão da mafia local. Ali Shuisheng terá de lidar com as intrigas e transformações de uma sociedade que não parava ao mesmo tempo que lida com o comportamento irascível da sua nova senhora por quem desenvolve uma estranha e inesperada dedicação e devoção.
Aquilo que o argumento de Bi Feyiu baseado no romance de Xiao Li melhor capta é todo um ambiente boémio e nocturno que caracterizava a já então metrópole Xangai numa época em que a mesma era dominada pelas mafias locais centradas no enriquecimento graças ao crime, ao jogo e à droga naquela que era a véspera da Segunda Guerra Mundial que consigo trouxe a ocupação nipónica. Xangai, numa mistura de duas culturas onde o oriente e o ocidente se cruzavam de forma tão impactante como o campo e a cidade, assistia a uma vida transformadora de mentalidades nos frenéticos cabarets onde se desenhavam romances e se planeavam mortes com igual requinte. Ali todos encontravam uma inesperada transformação e perda de inocência. Xangai não dormia e tão pouco permitia que os menos preparados não tivessem uma rápida inserção neste mundo que lhes era - agora - local onde assistiam não só a todos estes jogos de bastidores como os assimilavam como a sua prática corrente.
Mas, para lá da descrição de uma cidade moderna e que poderia facilmente rivalizar com qualquer outra na Europa, Yao a Yao, Yao Dao Wai Po Qiao é sim o meticuloso retrato dos costumes tradicionalistas que não abandonavam as relações entre os indivíduos mesmo que muitos deles tivessem o mesmo percurso e até as mesmas origens. É assim que o espectador entra e observa (n)a improvável e por vezes tempestiva relação entre "Shuisheng" e "Xiao".
Ambos provenientes de um meio rural pouco desenvolvido e onde o mundo é uma miragem daquilo que encontram na grande e poderosa Xangai, tanto "Shuisheng" como "Xiao" têm de se adaptar à mesma para nela sobreviver. Se "Xiao" teve a (des)vantagem de, enquanto mulher, ser considerada "útil" para um mundo do espectáculo onde ela mais não era do que uma mulher-objecto de um rico e poderoso magnata-mafioso tentando fazer dessa condição a vantagem para a sua sobrevivência, já "Shuisheng" é um jovem rapaz em plena adolescência para quem o mundo ganhou toda uma nova dimensão ao chegar a uma cidade e a uma casa onde cabe todo o mundo tal como o conhecera. Ambos são, à sua medida e nas suas respectivas épocas, capturadas e tornados refém de um mundo que não era o seu... nele cresceram, nele se "desenvolveram" e "desenvolverão" e no mesmo irão encontrar o seu fim. Se este último chega mais depressa a "Xiao", é "Shuisheng" que - deduz o espectador - irá encontrá-lo através de uma guerra que se cozinhava e que cedo o iria encontrar numa cidade que ficaria ocupada e onde ninguém - nem mesmo a poderosa e controladora mafia local - conseguirá resistir.
É eventualmente este passado semelhante entre estas duas personagens que as faz criar um misto de dependência (dele) e repúdio (dela) pela compreensão de que o jovem é agora aquilo que "Xiao" fora no passado. De jovem inocente do campo a estrela da vida nocturna de Xangai mas controlada e não livre, sujeita a todo o tipo de caprichos de um homem "dono" que dela faz o que bem entende e a detém num palacete-prisão como uma bonite boneca de porcelana longe dos olhares e vontades de um mundo que a queria espreitar. Quando "Shuisheng" chega e demonstra toda uma curiosidade por um mundo novo que tanto pode ter de belo como de perigoso, "Xiao" observa com o repúdio não por aquilo que ele é mas sim por aquilo que dela (de outros tempos) espelha ... principalmente a sua inocência e incompreensão por esse tal "mundo novo" que (des)espera por capturar uma nova e desprotegida vítima.
Se a relação entre ambos começa por ser tumultuosa, é também verdade que ao regressarem ao campo de onde provêm, fugidos de um potencial atentado, desperta em ambos uma relação de (agora) compreensão e algum respeito que os faz dedicarem-se à ideia daquilo que o outro é (ela) e representa (ele) numa alusão a um passado (ele) e a um futuro (ela) que ambos pode(rá) caracterizar. Afinal, por muitas transformações que o futuro possa consigo trazer, ambos reconhecem que no seu íntimo são ainda um pouco daquilo que outrora saiu daquele meio rural do qual tão desesperadamente quiseram sair e abandonar facto que é, aliás, representado pela nova jovem que irá (pensamos) substituir "Xiao" num futuro muito imediato.
Entre o passado e o presente (com o ideal de um futuro) - tão bem caracteriza a China deste e de outros tempos - e um luxuoso potencial artístico que passa desde o guarda-roupa à já mencionada direcção de fotografia nomeada a Oscar, Yao a Yao, Yao Dao Wai Po Qiao é, no entanto, um filme com o qual o espectador demora a entrosar e criar a tal empatia necessária para se dedicar a esta história com a mesma força natural com que as suas personagens parecem defender (ou repudiar) as suas origens. Visualmente atractivo - não existe um único plano ou segmento com os quais o espectador não fique rendido ou até necessite voltar a trás para ver melhor - Yao a Yao, Yao Dao Wai Po Qiao acaba por ser, em grande parte da sua duração, um quadro em movimento... um momento artístico de grande inspiração por parte do seu realizador mas algo distante da história de vingança ou corrupção que prometia ser pelo potencial do seu argumento.
Com o reconhecido "dedo" de Zhang Yimou, Yao a Yao, Yao Dao Wai Po Qiao assume-se mais como uma história de confronto com um passado (tentado) esquecido do que propriamente a história de mafia e violência que o seu título - pelo menos o português - prometia demonstrar mas, ainda assim, uma importante, interessante e dinâmica reconstituição de época que faz o espectador chegar até um espírito boémio que é aqui bem recriado.
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5 / 10
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