quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Amor Impossível (2015)

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Amor Impossível de António-Pedro Vasconcelos é a mais recente longa-metragem do realizador de Os Imortais (2003), Call Girl (2007), A Bela e o Paparazzo (2010) e Os Gatos não têm Vertigens (2014) filme este com o qual recebeu o Sophia de Melhor Realizador atribuído pela Academia Portuguesa de Cinema no último ano.
Madalena (Soraia Chaves) e Marco (Ricardo Pereira) são dois agentes da Polícia Judiciária chamados para investigar o estranho desaparecimento de Cristina (Victória Guerra) quando estava na companhia de Tiago (José Mata), o seu namorado, que afirma que ela fora raptada por dois estranhos.
Numa viagem entre passado e presente, Madalena revisita alguns elementos da intimidade de Cristina enquanto, através da sua história, compreende algumas das suas próprias vivências.
Esta intensa história dramática que marca a mais recente colaboração de António-Pedro Vasconcelos com o argumentista Tiago R. Santos depois dos já referidos Call Girl, A Bela e o Paparazzo e Os Gatos não têm Vertigens - também ele um vencedor do Sophia na categoria de Argumento Original - apresenta-se desde o primeiro instante como um thriller capaz de cativar a atenção por um anunciado lado negro que tem, curiosamente, uma acentuada componente amorosa escondido nas suas entranhas.
Encerrados nos seus próprios mundos temporais, os casais "Madalena" e "Marco" (por um lado) e "Cristina" e "Tiago" (por outro) revelam estranhas semelhanças e dependências entre si. Se o espectador percebe uma aparente cumplicidade e sentimento entre cada casal, aquilo que se destaca nos mesmos é a dependência que parecem ter na sua dinâmica, ou seja, se a relação entre este casal de agentes da judiciária se torna claro logo nos instantes iniciais, é também verdade que se percebe uma certa ausência de sentimento ou afecto que dão uma clara "presença" a um desejo e a uma dependência que parecem mover a sua relação. Desta forma, e em flashback, percebemos que enquanto "Madalena" lê o diário da jovem "Cristina" de forma a tentar perceber pistas sobre o seu desaparecimento, aquilo que encontra é um paralelismo entre a sua relação e a desta com "Tiago", um jovem aparentemente apaixonado mas que esconde uma possessividade nata com a sua namorada. É então, a partir deste momento, que a agente se questiona se o que tem no quarto é mesmo aquilo que pretende ter na sua vida.
O espectador acompanha então uma investigação que no presente tenta compreender o passado; quem é "Cristina"? Sobre o que pensava e que escrevia naquela colectânea de diários que poderá entregar pistas sobre o seu paradeiro? Aos poucos o espectador compreende que para lá de uma relação de amor, aquilo que a ligava a "Tiago" era uma intensa relação de posse. Posse que moldava um sentimento de amor num vício incapaz de ser saciado. No fundo este ideal de "amor" mais não era do que uma dependência e, como todas, incapaz de ser saciada no final de algumas doses. Um amor que apenas sobrevivia através de uma intensa relação de dominação e de alguma dor onde a discórdia predominava quando a primeira vontade não era satisfeita. Uma relação marcada como condenada a partir do momento em que a intensidade determinava não o afecto que potencialmente poderiam partilhar mas sim a dominação que era exercida entre ambos fosse esta marcada pela componente sexual ou por uma simples vontade de estarem juntos no mesmo espaço.
Numa parceria que tem entregue alguns dos mais eficazes e bem estruturados filmes ditos "comerciais" do cinema português, a António-Pedro Vasconcelos e a Tiago R. Santos junta-se a actriz Soraia Chaves num - mais um - claro exemplo do seu crescimento enquanto actriz capaz de não só "agarrar" um filme enquanto protagonista como fazer a história da sua personagem tão importante como aquela que lança o mote a todas as demais. No fundo, não fosse o dinamismo da sua personagem conheceria o espectador o destino de "Cristina"? Soraia Chaves catalisa assim um lugar bem central na dinâmica de Amor Impossível ao investigar a história de um amor que deixou de existir, o da sua "Madalena" bem como o de "Cristina", sendo substituído por uma crescente e sentida obsessão pelo domínio e pela dominação.
Longe de qualquer tipo de amor, Soraia Chaves e Victória Guerra - protagonistas assumidas e vincadas em Amor Impossível - são os motores desta longa-metragem que explora o lado dominador e controlador das relações - aqui das suas personagens - e tal como inicialmente a jovem "Cristina" esperava um amor como nos grandes romances da literatura, aquilo que apresenta no seu trabalho universitário é uma prova de que estes inclusive mais não são do que violentas histórias de poder - logo pouco românticas - onde a morte se torna, invariavelmente, no destino último daqueles que o vivem - ao "amor". Soraia Chaves - no presente - e Victória Guerra - no passado relatado pelas suas próprias memórias - dominam o ecrã quase obliterando os seus protagonistas masculinos. Numa abordagem mais sentimental temos as suas duas personagens que esperam um pouco - muito - mais daquilo em que se tornaram - objectos para os seus companheiros que em muitos momentos nem reparam na sua presença - enquanto as personagens interpretadas por Ricardo Pereira e José Mata dão corpo ao lado mais físico e possessivo de uma relação que se desfaz sem que os próprios dêem conta.
A paixão em vez do amor, a excitação em vez da sensação e a dominação em substituição da cumplicidade são, desta forma, os principais elementos desta história de Tiago R. Santos que, mais uma vez, se destaca na forma como gosta de apresentar as suas histórias que de simples pouco parecem ter primando, portanto, pela clara vontade e sentido de oportunidade em conquistar o espectador pela sua principal componente, ou seja, apresentar esta(s) história(s) como qualquer caso que todos nós já testemunhámos, vimos ou conhecemos. A certa altura perguntamo-nos se ali não está um pouco de alguns daqueles que conhecemos constatando no final que esta possessividade e dominação estão bem mais perto de nós do que aquilo que inicialmente pensaríamos.
António-Pedro Vasconcelos cria aquela que é possivelmente a sua mais forte obra cinematográfica dos últimos anos - e digo-o com a clara noção que fui (sou) fã daquelas acima referidas - e mais duas e intensas protagonistas - Chaves e Guerra - que se tornarão instantaneamente memoráveis tornando assim a mais recente longa-metragem portuguesa em salas... obrigatória.
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8 / 10
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