O Meu Amigo Manuel de Ricardo Franco é um documentário em formato de curta-metragem e confesso que um dos filmes que ´dentro do género em que se insere mais me sensibilizou nos últimos tempos.
Ricardo Franco dirige um filme que fala sobre a memória. A memória de Manuel, um amigo do realizador com quem privou muito tempo nos anos precedentes a este documentário e do qual tem, portanto, um conjunto de momentos e situações que se propõe analisar e partilhar.
No fundo, Manuel é um personagem vivo, real e, como tal, de quem se trata mais complicado partilhar esses mesmos momentos que tão bem caracterizam uma vivência próxima, com memórias por vezes dos mesmos instantes - ainda que cada um enquanto receptor registou de forma diferente - e que são aqui expostas para que o espectador as receba como um novo destinatário das mesmas.
Desta forma, e a partir de um registo videográfico feito na primeira pessoa pelo realizador ao longo dos anos, O Meu Amigo Manuel entrega ao espectador um conjunto de momentos que ao longo do tempo marcam parcelas da amizade entre os dois fazendo do espectador um terceiro membro destas memórias - ao assumir o lugar do realizador enquanto observador não participante - partilhando não só momentos dessa intimidade como também um crescente gosto por conhecer mais sobre o outro (Manuel).
Os momentos vão da mais banal conversa sobre uma rapariga de quem se gostou até a um jantar num qualquer fim-de-semana onde se perderam horas entre conversas mais ou menos memoráveis até à partilha do momento mais doloroso e marcante de uma vida. Como todos eles, sem qualquer excepção, foram vividos por um e registados pelo outro, como os aproximou - nunca se teoriza sobre qualquer afastamento - e como através de um conjunto de vídeos caseiros as memórias - de realizador e do seu amigo - ficaram registadas como uma parte de ambos. Numa perfeita e natural simbiose, a história de ambos acaba por ser cruzada e aquelas situações ali registadas jamais poderiam ser as mesmas se não fossem momentos de um... que se transformam em espaços do outro. Ainda que um os viva... os outro registou, presenciou e, também ele à sua maneira, os viveu e sentiu.
Os momentos vividos, ou até os pensamentos tidos, acabam por servir de narração a O Meu Amigo Manuel, complementando como um poema as imagens que observamos dos encontros de amigos ou até de uma Lisboa que é filmada como um importante elemento deste registo em vídeo. Ao longo da narração que escutamos sobre os mais diversos e já referidos momentos, a cidade é observada como que um elemento vivido pelos dois protagonistas. Um espaço vivo que ambos cruzaram, experimentaram e viveram estando sempre - mais ou menos silenciosamente - na sua sombra.
O Meu Amigo Manuel - sobre Manuel Jerónimo - é assim um tocante registo de uma intimidade social, familiar - logo mais privada - e principalmente pessoal. De pensamentos, ideias, sonhos e memórias que graças à gravação de vídeos de momentos de um passado comum, de uma Lisboa e de um Tejo vividos surgem como as testemunhas perfeitas da existência de alguém. Alguém que passou pelo mundo e que foi alvo de um registo íntimo e pessoal mesmo que na altura da sua execução o fosse inconscientemente.
O Meu Amigo Manuel deixa, no entanto, a sombra de uma mágoa nas palavras e memórias partilhadas. Fica no ar uma certa censura natural das mesmas... algo que foi (in)voluntariamente editado para registo futuro da nossa - deles - mente que optou por seleccionar uns e não outros momentos. Umas e não outras situações. Umas e não outras palavras. No fundo, como auto-registamos as nossas próprias vivências e situações? Como optamos por dar importância a um e não outro espaço, momento ou situação?
De forma cândida e honesta, Ricardo Franco consegue com O Meu Amigo Manuel não só homenagear a amizade e um amigo como um bonito e tocante registo da sua "passagem", como também criar uma pequena grande obra que livre de artifícios e efeitos irá ficar no e para o tempo como o registo da sua própria passagem.
.
8 / 10
.
Sem comentários:
Enviar um comentário