quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Otac na Sluzbenom Putu (1985)

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O Pai foi em Viagem de Negócios de Emir Kusturica foi o filme vencedor da Palma de Ouro no Festival Internacional de Cinema de Cannes e o nomeado da há altura Jugoslávia para o Oscar de Filme Estrangeiro, e que nos conta a história de uma família no pós-Segunda Guerra Mundial na cidade de Sarajevo, numa altura em que o comunismo jugoslavo entrava em rota de colisão com o da União Soviética e onde Tito era senhor de todo o país.
Quando Mesa (Miki Manojlovic) é denunciado por manter uma relação amorosa com a mulher de um destacado membro do Partido Comunista, é desterrado para trabalhos forçados noutra localidade do país ficando assim afastado da sua mulher e filhos que têm de sobreviver com o pouco que têm.
Este filme que primeiro estranhamos consegue com uma facilidade incrível tornar-se viciante e "agarrar-nos" literalmente ao ecrã ao ponto de não nos conseguirmos separar dele até ao exacto momento em que percebemos ter sido o final.
O retrato que dá de uma Jugoslávia acabada de sair de uma guerra e onde agora existe um regime comunista hostil e mordaz, mesmo que separado do comunismo soviético, é deveras brilhante e justifica na totalidade a Palma de Ouro que venceu no seu ano. Temos uma Sarajevo, rosto de tantas guerras, pobre, envelhecida e quase sem esperança onde as ideias e a vontade de obter uma justificação são quase sinónimos de uma perseguição que não irá olhar a meios.
Pelo meio apenas uma réstia de esperança... o futebol. Futebol esse onde os vários cidadãos depositavam todos os seus desejos de poder voar um pouco mais longe mas sem nunca o conseguirem realmente. São estes relatos que vamos escutando ao longo do filme que nos dão os momentos mais, poderei dizer, descontraídos, e nos quais ficamos a ver que nem só de medo as pessoas viviam. Nunca desculpabilizando um regime ditatorial mas e uma forma insconsciente era nestes momentos que as pessoas conseguiam reunir-se descontraidamente e desejar que o seu país, de forma una e sentida, pudesse alcançar aquilo que outros alcançavam. Era através desse futebol que existia a unidade.
Mas isto são apenas momentos. Momentos de um país e de um regime repressivo. Momentos em que nos afastamos por segundos da realidade daquela família que ia ela também vivendo instantes de união e de harmonia. E tudo isto, sem excepção, contado através do olhar e dos pensamentos do pequeno Malik (Moreno D'E Bartolli) naquela que é possivelmente a interpretação mais forte e mais tocante de todo o filme. Marcante ao ponto deste jovem actor conseguir com pequenos apontamentos da sua interpretação caracterizar todo um regime. Refiro-me concretamente ao seu sonambulismo. O "seguidismo" que se faz sentir nestes regimes autoritários e onde apenas uma voz e uma ideia saídas de uma cabeça podem prevalecer e todos os demais têm de seguir sem questionar são, de forma simples mas deveras reveladora, exemplificados no sonambulismo de que Malik sofre. Uma interpretação de mestre para um tão jovem actor que teve neste filme a sua única interpretação cinematográfica (segundo os dados dessa inesgotável fonte IMDb).
Este filme de Kusturica, que desconhecia até a edição em DVD ter sido disponibilizada há alguns meses por um qualquer jornal português, é de longe uma pérola. Todos nós vibrámos com o seu Gato Preto, Gato Branco e pasmámos com o seu Underground. Este O Pai foi em Viagem de Negócios que nos transporta uma vez mais para a sua Jugoslávia de eleição é não só o retrato de uma Jugoslávia isolada e enfraquecida mas também um belíssimo e tocante olhar sobre o regime e sobre as relações humanas que nele existiam. Umas exuberantes e pouco preocupadas, outras com esperança em dias melhores mas todas, sem excepção, modeladas pelo regime opressor de Tito.
Um extraordinário filme que deve ser visto e apreciado mas que muitos poderão ignorar por não ser da corrente predominante e falado numa língua que logo de início nos é estranha. Os bravos e resistentes e que queiram ver um filme que além de uma história ficcionada transmite também um período histórico que durou várias décadas, conseguirão sair daqui com um filme que não irão esquecer. Recomendo-o vivamente.
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8 / 10
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