quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Os Sonâmbulos (2014)

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Os Sonâmbulos de Patrick Mendes é uma curta-metragem portuguesa de ficção e o mais recente trabalho do realizador de A Herdade dos Defuntos que esteve em competição do MOTELx em 2013.
Encontramo-nos no interior de uma fábrica. A primeira impressão é que está abandonada mas, de repente, percebemos que se mantém em funções. Com um único funcionário (Cláudio da Silva), o seu propósito parece executar uma função de produção de "algo" que o espectador desconhece.
Mecanicamente todos os passos são dados precisa e milimetricamente para um sentido de missão cumprida... Apenas precisamos descobrir que missão é essa?!
No seguimento do já referido A Herdade dos Defuntos, Patrick Mendes transporta uma vez mais o espectador para um ambiente muito característico e intencionalmente livre de subterfúgios que dispersem a atenção de quem vê a sua história... Ambiente esse que, em boa medida, é hostil o suficiente para nos manter a curiosidade em alerta para perceber o que aquelas paredes e equipamento preparam para o espectador.
É este mesmo espectador que é propositadamente  levado a seguir todo um percurso que pede e quer ser "visto" como que se estivesse numa verdadeira linha de montagem que necessita de uma atenção extrema e que comunica com ele. E essa atenção é imediatamente conseguida. Enquanto espectador sinto-me a efectuar o mesmo percurso e tentar perceber o que é produzido naquele espaço que a certa altura alcança uma dimensão sinistra e quase maquiavélica. O seu único funcionário - de forma quase robótica - efectua um sem fim de tarefas que percebemos serem necessárias num ritmo mecânico que irá validar todo um processo que ainda desconhecemos o resultado prático final. No entanto não sai da mente qual será este tão "divino" propósito ou o que estará a ser produzido... porque só será necessário um único funcionário ou, mais flagrante ainda, porque motivo existe uma total ausência de naturalidade ou espontaneidade naquele homem que apático de qualquer expressão ou emoção percorre todos aqueles caminhos? "Collect matter - Transform matter - Improve matter - Archive matter" são os únicos quatro comandos que aquele homem possui e que transmitem ao espectador as noções básicas de que algo se tenta aperfeiçoar a cada passo que é produzido.
São estas mesmas pistas que vão revelando o chocante final e que, à semelhança do que Mendes já tinha feito com o referido A Herdade dos Defuntos, faz antever uma mordaz crítica aos actuais "tempos modernos" que tão selvagens e anti-naturais se apresentam. Se nesta última o realizador faz uma crítica e comparação declarada a uma sociedade "germanificada" que aos poucos extingue as suas próprias características, com Os Sonâmbulos aponta o dedo não à sociedade mas sim à comunidade dos homens, inerte, não pensante e desinteressada que se regula apenas por um conjunto de obrigações sem direitos ou condições como forma de manter vivo "algo" que lhe é de alguma forma superior - suposto e não real - anulando toda a sua existência e forma de pensar graças a uma massificação de conceitos exteriores que lhes foram eventualmente incutidos no tempo e que são agora aceites como as verdades supremas. "All work and no play makes Jack a dull boy" foi a expressão imediata que me ocorreu ao visualizar Os Sonâmbulos. Se na obra The Shining, de Stanley Kubrick esta frase se aplicava a um homem demente pelos espíritos que nunca haviam abandonado o espaço em que agora ele se encontra, corrompendo assim a sua mente para o paraíso que conhecem e idealizam, a mesma poderia ser aplicada à curta-metragem de Patrick Mendes na medida em que desprovido de pensamento que questiona o que faz e o que o rodeia, o indivíduo aqui retratado mais não é do que uma mera peça - também ela mecânica - de uma máquina que na confirmação da sua ineficácia o substitui... não está esta mensagem tão actual?!
O indivíduo é assim um mero - e facilmente substituível - elemento de algo maior e desconhecido (ou talvez não) que vive num ambiente que se traduz na máxima do darwinismo social, ou seja, a sobrevivência do mais apto onde a máquina/sistema determina aqueles que são necessários (inevitavelmente todos) mas que numa dada altura são dispensáveis e consequentemente eliminados do meio dando lugar a outro que se adapte às necessidades do momento perpetuando assim um ciclo que nunca é questionado. A mão-de-obra mais não é assim do que um simples alimento para uma máquina - a fábrica - ou o sistema que o devora enquanto dele pode retirar nutrientes.
Preso àquele trabalho - por necessidade, por hábito mas nunca por uma opção pensada e equilibrada - o Homem extingue-se... primeiro pela ausência das suas convicções, depois dos seus direitos e finalmente da sua individualidade... torna-se uma peça... algo mecânico... substituível e a caminho da sua própria extinção.
Finalmente - e numa nota muito pessoal - quando se questiona a qualidade do cinema português ou até mesmo a originalidade ou vertente social do mesmo... temos em Os Sonâmbulos a prova irrefutável de que este está vivo, de boa saúde e muito pensante.
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10 / 10
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