sexta-feira, 3 de outubro de 2014

La Cour de Babel (2014)

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La Cour de Babel de Julie Bertuccelli é um documentário francês escolhido para a cerimónia de abertura da 15ª edição da Festa do Cinema Francês que agora se iniciou no Cinema São Jorge, em Lisboa e que irá percorrer várias cidades do país até ao mês de Novembro.
Numa altura em que escutamos o preocupante reacender de alguma xenofobia em França, é uma lufada de ar fresco assistir ao inspirador documentário que Bertuccelli nos apresenta, no qual o espectador é levado a uma viagem pelas salas de aula onde um grupo de alunos provenientes dos mais diversos países têm as suas aulas de apoio e inserção no ensino francês.
Estes alunos chegam de todo o lado... da Irlanda, do Brasil, Sérvia, China, Tunísa e Senegal. De países com relações mais ou menos próximas de França e no qual os seus pais vêm o local ideal para recomeçar as suas vidas pelos mais diversos motivos, desde as perseguições religiosas ao desemprego e até mesmo por ser este o país que lhe garante a possibilidade de alcançar um nível académico de excelência.
No entanto, para além destes seus problemas - tão bem retratados neste documentário - e que são, no fundo, aqueles que os afectam directamente e à sua deslocação para um novo país, o espectador é levado numa viagem sobre os problemas da inserção, do recomeçar num novo local que não só parece distante como representa toda uma diferente cultura e língua bem como à interacção deste jovens pré-adultos que exibem os seus primeiros sinais de preocupação para com a comunidade e sociedade denotando sobre ela preocupações maiores para as suas jovens idades.
La Cour de Babel assume-se assim como um pequeno palco do mundo onde diferentes culturas e nacionalidades exibem as suas primeiras preocupações... o afastamento do seu país, dos seus amigos e alguns até dos seus pais que apenas reencontraram anos depois e que encontram no seu novo espaço o local onde precisam agora começar toda uma nova vida conhecendo costumes e práticas que podem ser díspares dos seus. É no entanto através desta aculturação que, ao mesmo tempo, ganham novos pares nos seus colegas. Todos eles saídos do seu meio, e ainda não totalmente inseridos no novo espaço geográfico, estes jovens encontram nas histórias e experiências comuns um interessante elo de ligação que os faz encontrar nas diferenças evidentes pontos semelhantes que em vez de os afastarem... os unem.
Apesar de ser um documentário cuja mensagem é assumidamente "pró-francesa", La Cour de Babel consegue, no entanto, distanciar de alguns lugares comuns ao colocar-se perante a perspectiva de jovens, e não necessariamente dos adultos, e demonstrar as suas ânsias, medos e expectativas para um futuro que pensam poder ser melhor. Um mundo que lhes garanta algumas liberdades, sociais ou até mesmo económicas, que lhes possibilitem ser "algo mais" do que aquilo que no seu espaço de origem pensavam poder ser. No entanto essa mensagem pró-francesa chega e torna-se evidente. Sem querer esquecer as histórias individuais que cada um daqueles jovens representa, La Cour de Babel demonstra a necessidade de uma igualdade perante todos desde a necessidade da língua francesa ser um bem adquirido e que lhes permita assim uma mais rápida e bem sucedida inserção ao mesmo tempo que se transmite a imagem de que os recursos são, todos eles, prestados a todos indiscriminadamente.
La Cour de Babel é assim um misto de realidade pelos dramas sociais que cada um deles - e das respectivas famílias - vive(u) mas é também, ao mesmo tempo, um distanciamento da realizadora da imagem que o seu país tem "sofrido" nos últimos tempos quando o partido de extrema-direita xenófoba tem conquistado uma cada vez maior importância nas várias eleições que o país tem atravessado. Este documentário funciona não como um documento político assumido mas sim como um testemunho de França enquanto um país receptor de emigração que, de uma ou outra forma, tem ajudado ao próprio desenvolvimento do país condenando dessa forma o extremismo que chega em alturas de maior crise social interna - aqui não retratada mas que se sente pelas notícias que ao mesmo relacionamos.
Essencialmente estamos perante um sentido retrato de uma juventude que não estando ali poderia ser "perdida" quer pela perseguição religiosa, de género, social ou até mesmo pela impossibilidade de virem a ser quem poderão ser pela escassez de recursos que tinham nos seus países de origem. O seu engenhoso título que nos remete para os bíblicos tempos da Torre de Babel, desmistifica-se aos poucos quando dentro daquela sala, e não olhando para todas as suas diferenças mas sim para os olhos do seu parceiro do lado, fá-los encontrar neles alguém que deseja uma integração, uma oportunidade e um rumo (o mesmo que eles), alguém que pretende apenas poder sair e conhecer sem o medo da perseguição, da xenofobia, do simples medo de ser "diferente" aos olhos dos demais deixando no final a mensagem de que "Em França... sê francês" independentemente do local de origem, e talvez sendo este o elemento mais político de La Cour de Babel que pretende fazer da diferença não um déficit mas sim uma mais valia.
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9 / 10
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