sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Viagem (2014)

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Viagem de José Magro é uma curta-metragem portuguesa de ficção que foi exibida na noite passada na Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, em Lisboa e cujo argumento - também da autoria do realizador - apresenta Alex (Diogo Martins), um jovem de bairro que aprendeu a crescer cedo demais. Filho de um pai taxista, Alex aproveita que o pai está doente para lhe levar o táxi e conduz até à escoal onde procura pelo amigo Rafa (Pedro Emanuel).
Nesta repentina visita, Alex descobre que tem sido motivo de conversa... e para terminar com ela precisa de se pôr à prova...
José Magro escreve e dirige esta curta-metragem ambientada num universo pós-adolescente que, ao mesmo tempo, ganha vida num meio algo austero a um qualquer tipo de afectividade que culmina com a confusão sexual presente num jovem "Alex".
"Alex" é um jovem que se apresenta algo problemático e com um elevado sentido de justiça de bairro. Com uma suposta reputação a defender, os inuendos em que se vê envolvido graças à "conversa de bar" que se origina em torno da sua sexualidade são o mote suficiente para que ele sinta necessidade de se impôr por um lado perante os companheiros - principalmente "Rafa" que é no fundo o seu braço direito - mas especialmente sobre os demais que originam o boato.
Mas... o que acontece quando os boatos o fazem confrontar aquela que será provavelmente a sua realidade escondida - até dele próprio - e que o levam a questionar(-se) e aos seus sentimentos em tão jovem idade e isto sem esquecer que as consequências entre portas podem ser drásticas? Quem serão os seus verdadeiros amigos? Como será por eles olhado se sentir algo diferente dos demais? Terá ainda o seu lugar no grupo? Irá a sua família encará-lo de outra forma?
Todas estas questões - eventualmente normais numa adolescência que se vê privada de relações saudáveis quer dentro quer fora de portas - ganham forma e inicial um lento e complicado processo de transformação e reflexão sobre o "eu", e "Alex" precisa desesperadamente de uma confrontação com os seus próprios fantasmas com o fim de perceber quem ele é na verdade tendo consciência de que a partir daquele momento nada mais será - para ele - igual.
O confronto que se inicia físico e violento, não deixa de ter esta carga mas agora assumidamente psicológica onde "Alex" finalmente deixa extravasar os sentimentos que o consomem - e que teme - encarando toda uma nova potencial vida que até então reprimia ou deixava fluir através do conflito e da violência.
Depois de José Combustão dos Porcos, curta-metragem também realizada por José Magro e com uma pesada carga dramática, o realizador regressa com mais uma obra madura não só pela sua direcção e concepção mas também pela forma como dirige os seus actores - num claro elogio à superior interpretação de Diogo Martins - e como explana um conflito que oscila entre o emocional e o violento em doses equilibradas sendo, no entanto, a primeira aquela que domina toda a narrativa de Viagem.
Esta "viagem" que não é apenas uma indicação do percurso que ele estabelece naquele táxi "furtado" ao seu pai, como o é, sobretudo, a respeito da aceitação do seu "eu" que estando perceptível - para ele - não deixava de ser auto-recriminado pela ostracização que sente poder ser alvo num ambiente onde todos se afirmam não pela expressão do que sentem mas sim pela expressão de uma relação dominador versus dominados presente em todos os momentos da sua vida - em casa, entre amigos ou até na escola que já pouco frequenta.
Diogo Martins, cuja carreira poderia ser até agora acompanhada através de um conjunto de novelas que passam nos canais nacionais, assume-se - tal como o realizador - sem reservas como um nome a reter para projectos futuros (espero que em cinema), capaz de expressar fisicamente a ambivalência que o seu pensamento sente e acusa nesta interpretação que ficará certamente marcada como uma das suas maiores.
Tal como o ambiente de Viagem se mostra como traiçoeiro e com muitas curvas a contornar, que a viagem cinematográfica seja proveitosa para ambos - realizador e actor - e que os projectos cheguem em massa... e sem medos.
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9 / 10
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