Yulya de André Marques é uma curta-metragem de ficção portuguesa que teve a sua estreia Lisboeta ontem na Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema e que é o mais recente trabalho do realizador de Luminita, curta-metragem premiada com o Sophia da Academia Portuguesa de Cinema.
Yulya (Joana de Verona) chega a um espaço desertificado perdido numa qualquer parte do interior de Portugal. A acompanhá-la algumas mulheres amarradas e três homens que as controlam e trancam num palheiro.
Yulya é o rosto anónimo do tráfico humano. Yulya quer fugir.
Depois de Luminita (2013) e O Avô (2014), André Marques produz, realiza e escreve o argumento de Yulya naquela que é eventualmente a sua primeira curta-metragem que deixa o espectador com a leve impressão de que existe um antes e um depois que precisam - e talvez um dia sejam - explorados.
Sem qualquer tipo de diálogos as personagens de Yulya comunicam através de olhares, de expressões, de comportamentos e de alguns ruídos que se tornam imperceptíveis no seio de todo um ambiente (pouco) natural e perdido.
"Yulya" - percebemos - ser uma mulher cujo passado - que desconhecemos na sua totalidade - a levou a uma condição de ser, ela própria, usada para tráfico e exploração sexual. Perdida num ambiente e num país que não são os seus, "Yulya" é o rosto mais ou menos anónimo de um conjunto de pessoas que são (in)voluntariamente desviadas para caminhos turvos e cujo futuro fica condicionado a uma aceitação de tudo o que lhe é imposto correndo o risco, se contrariar, de pagar com a própria vida.
É quando assumido este risco que o espectador é, também ele, direccionado para um percurso que oscila entre o isolamento e a rendição ao tal futuro desconhecido - também ela não na sua totalidade pois a certo momento deixamos de saber o que sucede a esta mulher - levando "Yulya" a, por um lado, experimentar momentos perdida na mata por onde foge e que cruzam a realidade e o sonho e, por outro lado, aceitar a ajuda de uma inesperada alma que, tal como ela, se encontra perdida mas com assumidos superiores recursos.
O tal antes e depois já aqui mencionados são assim todos aqueles momentos e elementos que levaram esta jovem a embarcar numa viagem sem regresso - serão eles de motivo económico ou social, de origem criminosa ou voluntária - que poderiam estabelecer um ponto de partida que esclarecesse o espectador sobre as dúvidas que mantém e, por outro lado, no após a fuga que a "Yulya" de Joana de Verona encarna.
A única certeza - se assim se puder chamar - que o espectador assume é que a sua condição física e psicológica seriam severamente afectadas caso ela não optasse pela fuga. Percebemos que seria obrigado a fazer o que não quer e que a recusa iria certamente pôr um termo à sua vida então pouco segura. Na incerteza do desconhecido ou com a certeza do perigo, é a fuga por um espaço amplo e sem qualquer sombra de destino que a redimem com a sua própria libertação e, até certo ponto, segurança. É também neste processo que "Yulya", perdida numa extensa planície, parece encontrar um qualquer paraíso momentâneo... o segmento com o cavalo que ela parece treinar - teria experiência graças à sua vida passada? - ou mesmo a fuga captada por um plano contínuo que força o espectador a reter o momento graças à sua memória visual - a a uma direcção de fotografia de Paulo Castilho e do próprio André Marques que funcionam como uma terceiro elemento e personagem desta curta-metragem -, parecem inseri-lo numa dinâmica de terreno versus etéreo como que se o primeiro fosse o seu cativeiro e o último o local da sua liberdade e redenção... aquele que lhe confere a oportunidade que o espectador não chega a confirmar.
Como uma total ausência de diálogos ou monólogos, Yulya comunica pela expressividade dos demais sentidos que conseguem de forma muito eficaz e coordenada transmitir ao espectador todos os receios e medos, incertezas e inseguranças de uma jovem mulher que se encontra consciente de que a sua vida se encontra num risco iminente. Os olhares que parecem querer falar, como tão explícito podemos denotar no segmento entre "Yulya" e a "Prostituta" junto à estrada revelam não a limitação da linguagem mas sim a sua universalidade. Poderá apenas uma língua comum estabelecer uma ligação entre os indivíduos ou, por sua vez, poderá a comunicação transcender todas as barreiras e eventuais limitações? "Yulya" comprova que este cruzar de fronteiras é possível e que o cinema tem sim uma dinâmica muito intensa nessa missão ao fazer chega toda uma mensagem sem que uma única palavra seja proferida durante a duração de um filme.
Joana de Verona - dúvidas existissem - comprova uma vez mais toda a dimensão de um talento natural e ligeiro - ligeiro não pela falta de um intenso trabalho mas sim pela forma como o consegue transmitir aos espectadores - humanizando um rosto anónimo e perdido, e agarrando toda a dramatização de uma interessante e enigmática obra - como nota pessoa gostaria realmente de saber mais sobre os antes e os depois - que consegue, ao mesmo tempo, fazer chegar uma importante e sempre actual mensagem social sobre os dramas que "vivem ao lado".
Será Yulya um projecto ou um work in progress para algo mais intenso e desenvolvido? De momento não se poderá responder a esta questão mantendo apenas a certeza de que estamos perante uma significativa obra de cinema curto deste ano e uma - mais uma - que confirma André Marques como um dos mais seguros e confirmados nomes da nova geração de realizadores portugueses.
Yulya (Joana de Verona) chega a um espaço desertificado perdido numa qualquer parte do interior de Portugal. A acompanhá-la algumas mulheres amarradas e três homens que as controlam e trancam num palheiro.
Yulya é o rosto anónimo do tráfico humano. Yulya quer fugir.
Depois de Luminita (2013) e O Avô (2014), André Marques produz, realiza e escreve o argumento de Yulya naquela que é eventualmente a sua primeira curta-metragem que deixa o espectador com a leve impressão de que existe um antes e um depois que precisam - e talvez um dia sejam - explorados.
Sem qualquer tipo de diálogos as personagens de Yulya comunicam através de olhares, de expressões, de comportamentos e de alguns ruídos que se tornam imperceptíveis no seio de todo um ambiente (pouco) natural e perdido.
"Yulya" - percebemos - ser uma mulher cujo passado - que desconhecemos na sua totalidade - a levou a uma condição de ser, ela própria, usada para tráfico e exploração sexual. Perdida num ambiente e num país que não são os seus, "Yulya" é o rosto mais ou menos anónimo de um conjunto de pessoas que são (in)voluntariamente desviadas para caminhos turvos e cujo futuro fica condicionado a uma aceitação de tudo o que lhe é imposto correndo o risco, se contrariar, de pagar com a própria vida.
É quando assumido este risco que o espectador é, também ele, direccionado para um percurso que oscila entre o isolamento e a rendição ao tal futuro desconhecido - também ela não na sua totalidade pois a certo momento deixamos de saber o que sucede a esta mulher - levando "Yulya" a, por um lado, experimentar momentos perdida na mata por onde foge e que cruzam a realidade e o sonho e, por outro lado, aceitar a ajuda de uma inesperada alma que, tal como ela, se encontra perdida mas com assumidos superiores recursos.
O tal antes e depois já aqui mencionados são assim todos aqueles momentos e elementos que levaram esta jovem a embarcar numa viagem sem regresso - serão eles de motivo económico ou social, de origem criminosa ou voluntária - que poderiam estabelecer um ponto de partida que esclarecesse o espectador sobre as dúvidas que mantém e, por outro lado, no após a fuga que a "Yulya" de Joana de Verona encarna.
A única certeza - se assim se puder chamar - que o espectador assume é que a sua condição física e psicológica seriam severamente afectadas caso ela não optasse pela fuga. Percebemos que seria obrigado a fazer o que não quer e que a recusa iria certamente pôr um termo à sua vida então pouco segura. Na incerteza do desconhecido ou com a certeza do perigo, é a fuga por um espaço amplo e sem qualquer sombra de destino que a redimem com a sua própria libertação e, até certo ponto, segurança. É também neste processo que "Yulya", perdida numa extensa planície, parece encontrar um qualquer paraíso momentâneo... o segmento com o cavalo que ela parece treinar - teria experiência graças à sua vida passada? - ou mesmo a fuga captada por um plano contínuo que força o espectador a reter o momento graças à sua memória visual - a a uma direcção de fotografia de Paulo Castilho e do próprio André Marques que funcionam como uma terceiro elemento e personagem desta curta-metragem -, parecem inseri-lo numa dinâmica de terreno versus etéreo como que se o primeiro fosse o seu cativeiro e o último o local da sua liberdade e redenção... aquele que lhe confere a oportunidade que o espectador não chega a confirmar.
Como uma total ausência de diálogos ou monólogos, Yulya comunica pela expressividade dos demais sentidos que conseguem de forma muito eficaz e coordenada transmitir ao espectador todos os receios e medos, incertezas e inseguranças de uma jovem mulher que se encontra consciente de que a sua vida se encontra num risco iminente. Os olhares que parecem querer falar, como tão explícito podemos denotar no segmento entre "Yulya" e a "Prostituta" junto à estrada revelam não a limitação da linguagem mas sim a sua universalidade. Poderá apenas uma língua comum estabelecer uma ligação entre os indivíduos ou, por sua vez, poderá a comunicação transcender todas as barreiras e eventuais limitações? "Yulya" comprova que este cruzar de fronteiras é possível e que o cinema tem sim uma dinâmica muito intensa nessa missão ao fazer chega toda uma mensagem sem que uma única palavra seja proferida durante a duração de um filme.
Joana de Verona - dúvidas existissem - comprova uma vez mais toda a dimensão de um talento natural e ligeiro - ligeiro não pela falta de um intenso trabalho mas sim pela forma como o consegue transmitir aos espectadores - humanizando um rosto anónimo e perdido, e agarrando toda a dramatização de uma interessante e enigmática obra - como nota pessoa gostaria realmente de saber mais sobre os antes e os depois - que consegue, ao mesmo tempo, fazer chegar uma importante e sempre actual mensagem social sobre os dramas que "vivem ao lado".
Será Yulya um projecto ou um work in progress para algo mais intenso e desenvolvido? De momento não se poderá responder a esta questão mantendo apenas a certeza de que estamos perante uma significativa obra de cinema curto deste ano e uma - mais uma - que confirma André Marques como um dos mais seguros e confirmados nomes da nova geração de realizadores portugueses.
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