sexta-feira, 4 de maio de 2018

Le Vivre Ensemble (2017)

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Le Vivre Ensemble de José Luis Santos (Espanha) é uma das curtas-metragens presentes na secção oficial Cantábria da nona edição do Festival Internacional de Cine de Piélagos que amanhã termina na referida região espanhola.
Julien dirige uma escola nos arredores de Paris. Depois do atentado ao Bataclan, recebe do Ministério as novas directrizes face às ameaças com que agora se deparam e, entre elas, a obrigatoriedade de efectuar simulacros com as crianças dos 3 aos 11 anos de idade. Num momento em que tudo está em risco, Julien tem de decidir entre preservar as duas vidas ou a sua inocência...
A brilhante curta-metragem Le Vivre Ensemble, cujo argumento é também da autoria do realizador José Luis Santos, é um daqueles filmes que apanha e prende o espectador num estado de perfeito suspenso. Num mundo em que as histórias de amor já não são o que eram e onde todos os riscos de uma sociedade moderna estão invariavelmente ao "lado" de todos nós, aquilo que seria inqualificável é, nestes dias, a mais triste e dura realidade... Assim, num mundo onde os conflitos eram coisa de "adultos", como equacionar que a até então inocência das crianças seja agora ameaçada pela extrema necessidade de lhes ensinar que o "lobo mau" existe de facto... e que pode atacar a qualquer momento?
Le Vivre Ensemble é portanto aquela curta-metragem que tem como ponto de partida os trágicos acontecimentos dos atentados terroristas de Paris e que os exporta para esse imaginário infantil da forma mais crua e dura imaginada. Quando todos nós imaginamos que o perigo está lá longe do outro lado do mundo, eis que ele espreita e revela que pode estar aqui na porta ao lado... assim, como fazer destas tão jovens crianças elementos fundamentais de uma história que pode ser trágica mas da qual se necessita que retirem lições de vida que, um dia podem de facto salvá-la?!
A dureza dos momentos a que o espectador assiste não estão necessariamente num qualquer massacre pois este está - para todos nós - como uma peça fundamental de um passado ao qual não se assiste. No entanto, quando no reboliço de uma Paris ferida de morte se tentam capturar criminosos que se aproveitam da vida comum e diária de todos nós para espalhar o terror, eis que surge a necessidade de resguardar e proteger aqueles que são mais frágeis, inocentes e incapazes de se defender... as crianças. Crianças que se encontram em espaços públicos como o são as escolas e que pela política de "porta aberta" são um alvo fácil para aqueles que pretendem espalhar esse (que lhes é) tão desejado terror. O terror com rosto humano, tão difícil de ser identificado, mas que pode entrar sem ser anunciado e ameaçar a existência dos mais inocentes como forma de afectar adultos. O terror pela eliminação das gerações futuras que perpetuarão aquilo que (para o terror) é considerado um modo de vida corrompido e indesejado mas que se estabelece nos princípios de uma igualdade inata entre todos. Esta inocência que poderá deixar de o ser (ou ter) quando confrontada com os malefícios de políticas fundamentalistas daqueles que não desejam a comunhão igualitária e que definem fronteiras e leis ditas "sagradas" como a única forma de vida que pode existir.
Neste Le Vivre Ensemble o espectador assiste portanto a um conjunto de momentos que, de forma súbtil e bem encenada, se apresentam como as novas normas de seguranças e principalmente de sobrevivência numa sociedade já ameaçada e ferida pelo terror daqueles que procuram a desordem e o caos. Mas estas novas regras de ensino são levadas às crianças não como um alerta sobre o medo que espreita mas sim de forma a que estas possam aprender, através de velhos fantasmas das histórias infantis, como sobreviver sem perderem aquilo que mais as caracteriza na sua jovem idade... a sua inocência. Num mundo dramaticamente alterado, a vontade de preservar uma inocência que se desvanece de dia para dia é, em certa medida, uma necessidade tão grande como aprender a ler, escrever e contar...
Assim, e por entre esta nova forma de viver, de ensinar, de aprender e até mesmo de sobreviver... o "lobo" do qual tantas histórias infantis falavam não é apenas uma figura mitológica representativa de um mal etéreo e simbólico mas sim uma figura real e possivelmente tão mais ameaçadora ao poder surgir sob a forma de alguém que é, na prática, tão igual a estas crianças às quais se tenta preservar a sua inocência não sem antes as fazer entender que esse perigo existe... e pode estar mais próximo do que aquilo que qualquer um de nós imagina. No final o espectador questiona-se... o que fazer se o tal "lobo" aparecer?! A resposta não poderia ser tão ou mais assustadora como a própria pergunta em si...
Drástica e compulsivamente emocionante, Le Vivre Ensemble é seguramente um dos mais intensos e fortes "guias" dramáticos para a triste realidade em que este nosso novo mundo se encontra, fazendo dos antigos contos infantis uma inesperada realidade e da sobrevivência uma constante necessidade... mesmo que para tal tenhamos de, finalmente, compreender que o tal "lobo mau" existe de facto.
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9 / 10
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