Abuelo de Caque Trueba e Juan Trueba (Espanha) é uma das curtas-metragens presentes na secção Cantábria da nona edição do Festival Internacional de Cine de Piélagos que termina amanhã, na referida região espanhola.
Uma estação de serviço. É noite. Um carro que se aproxima e deixa um homem idoso (Txema Blasco) sem qualquer noção de onde se encontra.
A curta-metragem da dupla Trueba&Trueba é um verdadeiro e positivamente intenso desafio ao espectador que se deixa prender pelas imagens ternas que presencia da soberba interpretação de Txema Blasco para, já bem perto do final, se deixar levar por aquele sentimento de perda e de espanto que o desfecho desta história apresenta.
Inicialmente, esta história assinada por Caque e Juan Trueba apresenta-nos um espaço perfeitamente banal onde, na calada da noite, nada aparenta poder suceder. É calma e lentamente que compreendemos que esta estação de serviço - 24 sobre 24 horas - tem, eventualmente, uma vida mais assustadora de noite do que aquela que presenciará durante as horas em que o sol a banha. Aqui, e sem se fazer anunciar, esta história apresenta as tais "horas mortas" de uma profissão que tem tudo para ser banal, desinteressante e incapaz de proporcionar qualquer tipo de motivação para aqueles pobres perdidos que se deixam tomar conta da mesma... Até que o espectador depara com a presença, inicialmente misteriosa, desde homem mais idoso que nos cativa pela presença dinâmica de um sorriso que é semi-cúmplice para com a sua co-protagonista.
Os momentos em que ambos partilham o ecrã são, declaradamente, mágicos. A cumplicidade e a faísca que partilham no ecrã deixam o espectador primeiramente curioso, depois rendido e finalmente cativado pela potencial relação que ambos - de diferentes gerações - partilham e pela comunicação que estabelecem confirmando que aquilo que os une - neste caso a música - está para lá de qualquer outra forma manifesta de comunicação... verbal incluída. É, no entanto, quando o turno da jovem muda que ela profere a primeira palavra (para o colega que a substitui) que deixa o espectador num inesperado sobressalto que o deixa a questionar(-se) sobre aquilo que verdadeiramente observa naquela suposta química... "outro!" - profere a jovem.
Aquilo que a subsequente história nos apresenta, é uma inesperada e brilhante analogia que caracteriza, acima de tudo o demais, uma pertinente e presente questão social que compara aqueles cidadãos que, na terceira idade e privados de família - voluntariamente ou não -, são considerados meros animais enjaulados e passíveis de ser escolhidos por famílias que, tal como num canil, decidem escolher qual a sua companhia para o próximo Verão.
Independentemente de qualquer indesejada revelação que o espectador mais atento a estas palavras possa sentir, Abuelo é um daqueles filmes maiores que sai vencedor da sua curta duração pela pertinência com que conta - de forma magistral - uma história actual, sentida, sofrida e que é um claro e brutal piscar de olhos a uma sociedade indiferenciada, desinteressada e claramente ocupada com problemas mundanos que opta por esquecer aqueles que, também por ela, já cumpriram a sua penitência e os seus dias para garantir um futuro melhor para os que estão porvir... Intensa e crua, a história que a dupla de realizadores aqui se propôs (e bem) a contar, confere ao espectador uma empatia inicial, uma desconfiança intermédia e uma repulsa final que faz desta história um conto social mas também uma bruta história de terror onde este se esconde não pela criação ou existência de um qualquer monstro mas sim pela compreensão de que esse se esconde por detrás de rostos normais e com os quais todos nós habitualmente nos cruzamos na rua (e por vezes até ao espelho), assumindo não só o seu talento enquanto jovens criadores e contadores de histórias capazes de (nos) deixar pensar o que seria desta história se, em vez de uma curta-metragem, fosse uma longa onde ao fim de noventa minutos de intensa empatia com o magistral Txema Blasco... o desfecho fosse o mesmo?! Se em tão breves minutos o murro no estômago dado ao espectador é assim tão forte... o que aconteceria se esta convivência com tão dócil personagem fosse estendida? Que mais dele conheceríamos? Seria possível criar uma ainda maior empatia?
Intenso, bruto, cru, social, assustador, medonho e até mesmo terno à sua vez, Abuelo é aquela história que certamente irá marcar o percurso cinematográfico desta dupla de realizadores bem como toda uma competição oficial Cantábrica repleta de bons e diversos filmes curtos.
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9 / 10
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