Estórias de João Gomes é o mais recente documentário do realizador, após o muito entusiasmante Natália, a Diva Tragicómica, e que teve a sua ante-estreia ontem no cinema São Jorge em Lisboa, e que inicia uma viagem a partir de algumas imagens de arquivo de João Serra, falecido em Novembro de 2010, e que Lisboa conheceu como o Sr. do Adeus, que tinha como hábito acenas aos anónimos transeuntes que cruzavam as ruas da capital, numa estranha mas empática forma de comunicação que não deixava ninguém indiferente.
Partindo desta premissa, o documentário de João Gomes que tem sempre a figura de João Serra em mente não sendo, no entanto, um documentário sobre a sua pessoa, apresenta-nos assim três novas figuras. Frederico Carvalho, Helena Estevens e Joana dos Santos Cavalheiro que partilham, à sua própria maneira, diferentes formas de comunicar e de integração que afastam a sua própria solidão. Se por um lado Frederico encontra em jantares convívio a sua forma de se ligar ao mundo, sem que no entanto pareça estabelecer reais ligações com nenhuma das pessoas que conhece, Helena frequenta um ginásio no qual encontra o seu próprio mundo e com os demais utilizadores do mesmo forma a sua própria comunidade, Joana Cavalheiro é já uma mítica figura do público dos diversos programas televisivos que inundam as nossas casas diariamente.
Cada um com as suas próprias histórias de vida que passam pelo divórcio, viuvez ou vida independente por opção, estas três pessoas encontram-se numa etapa pessoal onde o contacto com os outros e a criação ou formação de um grupo no qual se possam inserir, representa a única forma de comunicação que encontram e, dessa forma, um caminho para se expressarem.
Sempre com uma Lisboa como pano de fundo, e que de certa forma é assumidamente a quinta personagem deste documentário, percebemos que a comunicação (ou falta dela) acaba por encontrar um rumo de ser aqui representado. Através da história, mais ou menos conhecida de João Serra, partimos à descoberta destas três pessoas que solitariamente vivem as suas vivas e que aos poucos foram encontrando uma forma de se voltarem a expressar e inserir. Inicialmente num grupo de outros que, talvez como eles, se encontrem também sós e distantes da comunidade, mas que através das diversas actividades com que se identificam encontram novamente o seu grupo, o seu clã e o seu local na sociedade.
Aos poucos percebemos que, à semelhança do que acontecia com João Serra onde acenar para os transeuntes já não era um ritual que exercia como forma de passar alguns instantes mas sim a única forma que encontrava de se ligar aos demais e, dessa forma, encontrar a solução para ir ultrapassando os dias encontrando assim uma forma de se ligar ao "outro", também Frederico, Helena e Joana têm nestas suas actividades a forma como eles próprios encontram energias para chegar ao "amanhã". Não estamos aqui perante hobbies mas sim perante formas de comunicar e criar elos que os ligam ao mundo real e onde se abstraem das suas próprias realidades vistas tão frequentemente como existências solitárias.
É esta mesma solidão a que assistimos tantas e tantas vezes em relatos nos noticiários onde a existência de alguns passa frequentemente pelo percorrer solitário dos dias, assistindo ao seu passar que não abranda e que de certa forma em muitas ocasiões caracterizam a própria sociedade que vivemos desligada e indiferente entre si, funcionando de forma inversa com o evoluir das formas de comunicação. Temos telefones, internet com o seu e-mail ou skype, telemóveis que nos acompanham para todo o lado, as redes sociais que nos colocam mais próximos e directos com as demais pessoas mas, na prática, estamos também cada vez mais afastados delas quando as preterimos a favor de uma qualquer mensagem que chega ao "outro" rapidamente.
Tal como dizia o realizador João Gomes na apresentação do seu documentário, esperava que o público levasse algo dele no final... foi conseguido ao transmitir que a comunicação, apareça ela de que forma fôr, é sempre o mais importante factor demonstrativo da própria existência e da individualidade de cada um, seja ela expressada através de um singelo adeus, de um jantar, de uma conversa enquanto se toma um café, ao assistir a um filme ou mesmo a praticar desporto e, como tal, da própria vida.
Para João Gomes enquanto realizador, ele tem aqui um importante e decisivo marco no seu trabalho que, fugindo à ficção para representar a realidade, recorre à própria e deixa que ela fale por si.
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"João Serra: Acenar já não é um hobby, é um remédio."
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8 / 10
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