Caravaggio de Derek Jarman é um excêntrico conto sobre a vida do pintor do século XVII, Michelangelo de Caravaggio aqui interpretado desde a sua infância até à sua precoce morte com 36 anos de idade.
O retrato que nos é apresentado de Caravaggio preza não só pela abordagem dada à sua vida enquanto excêntrico pintor que utilizava métodos pouco convencionais de criar as suas obras que eram, elas próprias, claros sinais de blasfémia para a época, graças à modernidade com que apresentavam os mais variados temas e personagens religiosas.
Ao mesmo tempo, este filme de Derek Jarman apresenta-nos também um retrato da sua igualmente excêntrica vida através de um submundo de criminalidade, devassidão e amizades pouco convencionais que o marcaram irremediavelmente através dos seus ódios e paixões proibidas.
Mais do que uma abordagem à sua vida enquanto pintor, este filme cujo argumento fora assinado pelo próprio Derek Jarman em colaboração com Suso Cecchi D'Amico e Nicholas Ward Jackson mostra o lado do pintor enquanto homem bem como as suas relações pessoais mais próximas e a forma como muitas vezes as utilizava como fonte da sua inspiração.
Caravaggio enquanto jovem criança (Noam Almaz) era pobre e de um meio cuja sobrevivência era precária. Enquanto adolescente (Dexter Fletcher) vivia de expedientes e pequenos casos sexuais com homens que lhe pagavam pela sua companhia, e enquanto adulto (Nigel Terry) é um assíduo frequentador de bares e bordéis onde encontravam todos aqueles que necessitava para modelos dos seus quadros, sempre com um ideal de beleza muito particular e homens que tinham eles próprios passados conturbados e de violência que o atraiam irremediavelmente.
Das interpretações de Caravaggio obviamente há que destacar aquela que durante boa parte do filme é predominante, ou seja, enquanto adulto. Nigel Terry mostra um "Caravaggio" não só doente como impulsivo e sempre com um louco desejo com que atraía aqueles por quem nutria uma igualmente sentida obsessão, que normalmente eram também elas indivíduos no limite da sociedade que os excluia quer pela sua pobreza quer pela sua violência ou até mesmo pelo seu comportamento desviante que funcionava para ele como uma atracção.
Nas interpretações secundárias vamos encontrar uma muito jovem Tilda Swinton enquanto "Lena", uma mulher vinda do nada que graças à proximidade com "Caravaggio" encontra a sua hipótese de ascender na pirâmide de classes mas que graças ao seu passado de mulher da rua nunca é encarada como uma mulher com potencial para a essas classes superiores pertencer. E vamos também encontrar Sean Bean como "Ranuccio", o único homem que "Caravaggio" realmente amou e que com igual força odiou ao ponto de o assassinar e ser esse o momento que aos poucos foi consumindo a sua já debilitada saúde.
Com uma obra quase sempre interligada com os comportamentos ditos desviantes da sociedade, quer pela sexualidade quer pela natureza social das condições em que as suas personagens se encontram, a obra de Derek Jarman é ao mesmo tempo entusiasmante do ponto de vista cénico onde é recriado quase na perfeição o ambiente em que nos pretende inserir seja na Roma antiga, num qualquer bordel de terceira categoria ou num Palácio Renascentista como aqui acontece. Com o suficiente e simplista (mas não simples) décor para nos sentirmos presentes no local que deseja, Jarman recorre à excelência de Christopher Hobbs e Michael Buchanan que nos colocam nestes locais como se de facto lá nos encontrassemos e por momentos sentimos todo um ambiente diferente e muito característico, naquele que constitui um dos elementos mais fortes de todo o seu filme. Ao mesmo tempo, e apesar de nos sentirmos nos inícios do século XVII, é também possível ver um toque de modernidade e de arrojo em pequenos detalhes que vamos constatando ao longo do filme, sendo o mais caricato o momento em que os dois grandes senhores patronos das artes fazem contas aos seus lucros... para quem ainda não viu este filme terá o seu encanto ver o que por lá encontram de "moderno".
No entanto, e apesar do interesse com que esta obra está filmada e na perfeição simplista das suas imagens e interpretações, não deixa também de ser verdade que a mesma está interligada com uma mesma corrente com que Jarman filmou todas as suas obras e que aos poucos parece não se descolar da mesma, mostrando as suas personagens, neste caso Caravaggio como um homem que vivia constantemente num limite social e sexual destinado a provocar e conturbar as mentalidades do seu tempo esquecendo, ao mesmo tempo que a aborda, toda a sua magnitude artística e a excelência das suas obras ou mesmo o conjunto de intrigas palacianas que eram elaboradas para destruir o génio que se encontrava por detrás do homem, e assim este filme tem tanto de interessante como tem de uma obra que não atingiu todo o seu potencial também ele artístico.
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"The stars are the diamonds of the poor."
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6 / 10
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