I Am Not a Witch de Rungano Nyoni (Reino Unido/França/Alemanha) é uma das longas-metragens em competição no FEST - New Directors New Films Festival a decorrer em Espinho na próxima semana.
Numa pequena comunidade africana, a jovem Shula de oito anos é acusada de bruxaria após estar no local onde ocorre um acidente. Posteriormente a sua comunidade acusa-a de bruxaria e, como resultado de um muito breve julgamento, é exilada pelo Estado para uma nova comunidade... de mulheres acusadas de bruxaria. Aí, uma fita branca é-lhe atada às costas tornando-se este o imediato controle dos seus movimentos que serão postos ao dispôr de um tutor que a utiliza para identificar os culpados dos mais diversos crimes.
A realizadora e argumentista Rungano Nyoni cria uma interessante e curiosa história longe das artimanhas de uma cidade cosmopolita mas que, ao mesmo tempo, revela todo um conjunto de hábitos e, até arrisco dizer, manhas típicas das mesmas onde a vontade de enriquecer e o lucro fácil fazem parte de um mundo que não é, afinal, tão distante de nós quanto poderíamos imaginar. I Am Not a Witch cedo deixa o espectador intrigado quando este observa um conjunto de turistas a chegar a um qualquer local isolado - ainda pouco perceptível - ao som de uma música clássica que, percebe, estar descontextualizada do universo que se prepara para conhecer. São estes mesmos turistas que pagam um bilhete para uma qualquer atracção turística que inicialmente não se compreende por parecer quase como algo circense num cenário improvável. No entanto, são as pequenas e breves descrições e observações que nos levam a compreender que nos encontramos num espaço onde a atracção turística é um conjunto de mulheres consideradas bruxas que apenas não (os) atacam porque estão presas a uma igualmente misteriosa fita branca.
Daqui, o espectador é transportado para uma qualquer outra comunidade onde da atracção turística passa para a realidade de uma África rural onde o modo de vida é totalmente distante deste mundo de "turismo" anteriormente apresentado. Aqui, são os velhos costumes e tradições já distantes desse turista Europeu ou Norte-Americano e encontramos velhos rituais e superstições que assumem a forma de costume, de lei e de justiça nem sempre imparcial. É aqui que encontramos a jovem "Shula", uma menina de oito anos acusada de bruxaria quando um acidente na aldeia ocorre na sua presença. Rapidamente levada para um tribunal onde é julgada na presença da polícia, da comunidade e do representante do Estado, "Shula" ao não admitir culpabilidade ou assumir inocência é condenada por um crime no qual (aparentemente) não havia estado envolvida. Ao ser ostracizada para a já mencionada comunidade de mulheres bruxas, "Shula" encontra neste conjunto de mulheres aquelas que irão ser as suas avós, mães, irmãs, amigas e confidentes que serão, no fundo, as que a irão inserir nos novos costumes enquanto agentes da justiça. Mas, algo mais está por detrás de todo este ritual de passagem...
Enquanto o espectador observa esta rápida inserção num novo mundo, enquadra-se igualmente a noção de que o mesmo é apenas uma forma mais subtil e matreira de encontrar uma mão-de-obra mais barata quando compreende que estas "mulheres bruxas" mais não são do que uma forma barata que o Estado tem de ter as suas terras lavradas, cultivadas, colhidas quando a produção já está preparada e, finalmente, encontrar um custo baixo quando surge a necessidade de encontrar uma decisão judicial que, pela falta de provas ou de agentes legais de uma justiça que não existe, se torna difícil de julgar de facto.
No entanto, ao mesmo tempo que o espectador assiste a esta pouco inocente similitude entre o dito Ocidente e esta África rural onde tudo aparente ser mais simples quando não o é, repetindo todo o tipo de esquemas que encontramos em qualquer destas cidades do dito primeiro mundo, não é menos real que "Shula" revela uma certa compreensão de que o mundo não será assim tão distante e, como tal, assumidamente global enquanto manifesta alguns comportamentos de que os ditames sobre si poderão não ser tão erróneos como aquilo que o espectador inicialmente havia pensado. Se "Shula" se deixa levar pelos encantos de uma nova comunidade na qual se sente inserida mas com o preço de pagar pelo espaço que lhe é reservado e acede a ser o juíz carrasco de certos casos que o Estado decide julgar, não é menos real que o seu comportamento, ainda que aparentemente ocasional, acaba por definir e decidir de forma acertada quando através de acções ou de palavras e promessas compromete e previne o comportamento daqueles que recorrem aos seus serviços. É com o passar do tempo e de forma muito subtil - talvez como uma verdadeira bruxa que nunca se assume na realidade - que o espectador assiste aos verdadeiros resultados da acção de "Shula", uma menina frágil, inocente e curiosa do que a rodeia a transformar-se em alguém cujas palavras ditam uma lei, pouco credível na opinião dos demais, mas certeira nos resultados práticos daquilo que afirma. E da mesma forma que as suas palavras se tornam reais no julgamento para os demais, cedo também se concretizam nas expectativas daquilo que espera para si... com a formação de chuva ou a audição de um bode que bale ao fundo sem ser, no entanto, visível. Aí o espectador compreende a existência de uma "Shula" como a verdadeira entidade com poder num mundo que o quer usar mas que não está preparado para as suas reais consequências. Um mundo que, no fundo, está tão corrupto como aqueles que no seu seio quer julgar mas que afinal, se julga detentor de uma moral corrompida e podre. "Shula" é assim um rosto inocente de uma justiça não oficial e que, farta de o incorporar, prefere a certo momento deixar dele fazer parte.
Curioso pela sua dinâmica enquanto história que funde por momentos a ficção com a realidade na proximidade que revela entre o choque do tribal com o urbano - principalmente na forma como ambos equacionam a noção de lei -, I Am Not a Witch é um daqueles filmes que cresce para o espectador à medida que o tempo decorre não só pela forma como se assume como uma interessante ironia sobre mundos tão distantes que, afinal, não o são assim como pela dinamização de uma história onde os costumes tribais assumem um lugar cimeiro e revelam (ao espectador) uma forma tão distinta de fazer justiça ou de vencer num mundo onde o dinheiro é também, afinal, o elemento mais importante da sociedade, sem esquecer a ligeira dramatização da história de uma criança e personagem central que ora não é aquilo de que a acusam... ora afinal se revela como alguém com uma presença magnânima capaz de enfrentar o mundo com muito mais certezas do que aquelas que o seu rosto permite transparecer... Ou será o universo que afinal chora pela desgraça de uma criança farta do mundo em que se encontra?!
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7 / 10
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