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È Stato il Figlio de Daniele Ciprì foi o filme que fechou o meu segundo dia da 6ª edição da Festa do Cinema Italiano naquela que é uma ora cómica ora trágica e emotiva história sobre uma peculiar família siciliana, num argumento escrito a três mãos pelo próprio Ciprì, Massimo Gaudioso e com a colaboração de Miriam Rizzo.
Contada num dia igual a tantos outros num tempo futuro a partir do interior de um departamento postal onde Busu (Alfredo Castro), um homem aparentemente desgastado pelos anos e pela vida, tenta colmatar os seus dias de isolamento e solidão a contar a história da família Ciraulo àqueles que a querem conhecer, como se dela tivesse feito parte. A família Ciraulo é composta por seis pessoas. Nicola (Toni Servillo) o chefe de família, Loredana (Giselda Volodi) a mãe, Tancredi (Fabrizio Falco) o filho mais velho, Serenella (Alessia Zammitti), Fonzio (Benedetto Raneli) o avô e Rosa (Aurora Quattrocchi) a avó, estes últimos pais de Nicola e todos a viver na periferia de Palermo, na Sicília.
Nicola é o único grande sustento da família e para todos trabalha vendendo ferro velho de um navio abandonado no porto, numa vida dura e sem grandes objectivos ou ideais de sonhos, mas que de forma geral é pacífica e sem grandes problemas. Depois de um dia de praia com os vizinhos, o único entretenimento que ainda podem pagar, Serenella é baleada ao encontrar-se no meio de uma luta de bandos rivais e acaba por falecer. Após um duro e inesperado luto, um dos seus vizinhos sugere a Nicola que se faça valer do subsidio estatel para as vítimas da mafia, e conseguir dessa forma um maior sustento para a sua família, não deixando desta forma que a morte de Serenella passe completamente despercebida, e garantindo assim que a família possa viver com algum maior conforto e segurança, facto que os leva a contrair um elevado número de despesas e endividamento prematuros, acabando por cair nas mãos de um usuário.
Quando o dinheiro finalmente chega e as dívidas são colmatadas, apenas permanece o impasse sobre o que fazer com o restante, facto que Nicola resolve com a compra de um Mercedes que irá impressionar a vizinhança mas que, ao mesmo tempo, será o último teste a esta peculiar família e que irá definitivamente marcar os seus destinos.
Sem revelar muito mais desta história, pois a verdadeira surpresa encontra-se perto do final quando percebemos o que realmente sucedeu no seu todo, a única coisa que posso adiantar é que se este filme conservou um registo próximo da comédia a maior parte da sua duração, é nos últimos quinze minutos que percebemos o quão longe vai todo o seu potencial dramático e esquecemos de imediato todas as gargalhadas que esta tão característica família siciliana nos conseguiu provocar. Se por um lado assistimos a uma família numerosa que apenas tenta (sobre)viver num bairro que além de problemático pela sua pobreza generalizada, é também ele vítima de alguns ajustes de contas que ali são efectuados longe dos olhares mais "citadinos", é também verdade que quando a oportunidade aparece, estas mesmas pessoas tudo farão para manter um certo estatuto (ou o se ideal) que agora parece poder abrir um conjunto de portas e de momentos que, até então, seriam apenas o fruto de uma imaginação ou sonho distante.
Todo o pouco cenário que nos é dado a conhecer do ambiente em que se encontram. assemelha-se muito de perto a um mundo que terminou ou que está prestes a terminar. Praias desertas, um bairro onde reside apenas uma população pobre e a constante presença de duas enigmáticas figuras encarnadas por um homem idoso que assiste ao desenrolar dos acontecimentos sem que alguém dê pela sua presença, bem como uma criança que pretende brincar com as demais mas que é sistematicamente, também ela, ignorada e deixada sózinha dia após dia. Não nos encontramos junto de um cenário fim de mundo na essência de ter existido um qualquer apocalipse que tenha exterminada a população e a vida tal como a conhecemos. Aqui o apocalipse é aquele proveniente da misérias, da falta de sonhos e de objectivos, de recursos para poder evoluir no estilo de vida e na forma como encaramos o exterior e aquilo que existe para além de uma qualquer concepção de vida que, desde nascença, foram obrigados a aceitar como sendo a única possível de vir a "ter". Este apocalipse que é a miséria, que não tem tempo, local ou acontecimento per si, vai aos poucos consumindo todos aqueles por onde passa sem que os próprios percebam que ele chegou mas, no entanto, os seus efeitos são notórios e uma vez lá todos o aceitam como sendo "normal", nunca o questionando ou tentando perceber como se encontraram no seu centro.
Depois de vermos este filme não poderíamos esperar outro que não Toni Servillo para dar vida a um maior que a própria, como é "Nicola". Bruto e rude uma boa parte do tempo, "Nicola" não é um homem com um fundo mau ou violento, ele é sim o fruto de uma condição que sempre conheceu. Sem grandes esperanças e desde cedo habituado a tratar da sua família de nascimento e daquela que ele próprio constituiu, não havia espaço para pensar em certas condições sentimentais ou de afecto que seriam, imediatamente, consideradas como excessivas. Excessos esses que ele próprio comete quando antevê para si um futuro melhor, ou pelo menos com algo com o qual ele nunca se atreveu a sonhar mas que agora possui, colocando assim em causa toda a sua continuidade.
Ainda com a participação de Giselda Volodi como a mãe encarregue de ser o único, mas tímido, suporte afectivo deste filme e uma Aurora Quattrocchi como a por vezes submissa por vezes autoritária avó "Rosa", o elenco completa-se com um "Tancredi" composto por Fabrizio Falco que através dos seus silêncios e olhares perturbadores como se revelassem que por dentro vive um desespero angustiante mas que tenta, através do seu apego a pequenas coisas e momentos, preservar a última réstia de Humanidade que consegue encontrar em si, demonstrando que por muita miséria que possa existir à sua volta ele não está a ela vinculado e, como tal, não precisa de a contemplar.
Tal como a belíssima e trágica mensagem que este argumento nos pretende transmitir, também este filme e as suas personagens igualmente trágicas serão intemporais pois representar nos vários momentos da História e das histórias, um pouco daquilo que a própria raça humana deixa... fragmentos, momentos e uma vontade quase sempre escondida de poder contemplar aquilo que está para além do horizonte que nos é "permitido" ver.
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8 / 10
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