I Primi della Lista de Roan Johnson, que também escreveu o argumento em parceria com Davide Lantieri e Renzo Lulli (um dos intervenientes dos quais esta história fala), conta-nos os acontecimentos ocorridos em 1970 quando três jovens italianos convencidos que Itália estava prestes a sofrer um golpe de Estado decidiram pôr-se a caminho de uma nova vida, e é mais um dos filmes presentes na secção competitiva da 6ª edição da Festa do Cinema Italiano de Lisboa a decorrer no Cinema São Jorge.
Depois das manifestações estudantis em Itália em 1970, que representavam um claro desejo de mudança na sociedade, o país encontrava-se dividido entre os sonhos daqueles que ainda acreditavam nessa mesma mudança e outros que pensavam que no país poderia rebentar um conflito interno que o lançasse no caos.
É a Pisa que chega a notícia de que esse golpe de Estado, semelhante ao que ocorrera na Grécia em 1967, está iminente e que faz Pino Masi (Claudio Santamaria), um cantor resistente alvo de uma difícil e conturbada juventude, temer o pior, e decide partilhar os seus conhecimentos com Renzo Lulli (Francesco Turbanti) e com Fabio Gismondi (Paolo Cioni), dois jovens estudantes que o encaram como uma lenda viva com quem têm o privilégio de conviver, e que os convence a fugir no carro de um deles para, no estrangeiro, poderem cantar sobre as injustiças sentidas em Itália.
Quando se metem a caminho rumo à sua suposta liberdade, páram num bar de estrada onde encontram um elevado número de militares que afirmam estar a caminho de Roma. Receosos de que este fosse realmente o início do tão falado golpe, esquecem que no dia seguinte será o 2 de Junho, festa da República, para o qual os militares se dirigem. Entram em pânico e rumam à fronteira que pretendem desesperadamente atravessar para a Jugoslávia acabando, no entanto, a atravessá-la de forma abusiva e sem autorização mas... para a Áustria, e é aí que deparados com um interrogatório da polícia percebem que não existiu nenhum golpe e que estão numa complicada situação judicial e diplomática que coloca a sua própria amizade à prova.
Este filme foi anunciado como uma história quase irreal, e foi interessante verificar como os problemas que nunca chegaram a ser saldados numa sociedade podem, mais tarde, assumir-se como aqueles que a podem fragmentar separando toda uma população ou até mesmo criar velhos demónios que teimam em ressurgir, sejam ou não, também eles, reais. O fantasma da ditadura que iria novamente reprimir toda a população italiana, aliada ao facto da mesma viver há largos anos com um conjunto de factores que provocavam uma incessante instabilidade política, criaram naquele conjunto de jovens um sentimento de que o seu país estaria, uma vez mais, prestes a cair num jogo político pouco claro que ameaçaria não só as suas tímidas liberdades como também os medos de uma violência sobre aqueles que ousassem desafiá-lo.
No fundo, tanto na altura como até hoje, muitas são as semelhanças e as comparações que podem aqui ser estabelecidas e que mostram, uma vez mais, que a sociedade não saldou os seus conflitos com o passado tendo ultrapassado sem os resolver, e para isto basta considerarmos o impasse que o país tem vivido nos últimos anos e muito concretamente agora onde o próprio governo (ou a sua inexistência) ameaçam a tranquilidade do mesmo e onde esses mesmos fantasmas em tempos sentidos, voltam a dar um ar de sua graça.
Curiosa está também a relação entre as três personagens principais, "Pino", "Renzo" e "Fabio", onde o primeiro assume desde o início uma postura forte e determinada típica de um líder que motiva os seus seguidores a enveredarem pelo seu caminho, mas que devido a uma confusão e medo de um futuro incerto se mostra como uma pessoa frágil, também ele incerto e inseguro que apenas pretendia ocupar um seu próprio e seguro lugar num mundo que aos poucos sente como ameaçado. Uma brilhante interpretação de Claudio Santamaria como "Pino Masi" que o transforma na força motora de toda a acção, num filme que não sendo grande em domínios históricos consegue, ainda assim, ser uma interessante obra que deve ser colocada em perspectiva do tempo que representa.
Simbólico está ainda o segmento final no qual os três amigos tocam frente à instituição que os manteve detidos até ao esclarecimento definitivo da sua situação, numa reflexão que pode ser interpretada sobre a Itália da época, da sua sociedade e principalmente de uma ideia sobre o futuro que estava então bloqueado face às incertezas que se faziam sentir, bem como a inserção dos verdadeiros homens que aqueles três actores interpretam que, sem desempenhos ou palavras, consegue ser um momento emocionante.
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"Pino: Noi siamo i primi della lista... musicisti, scrittori, intellettuali."
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7 / 10
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