Terra Prometida de Gus Van Sant é a mais recente obra do realizador de Disposta a Tudo, Milk e O Bom Rebelde e a segunda colaboração com Matt Damon desde este último título.
Steve Butler (Damon) trabalha para uma multinacional de gás natural e é enviado com a sua colega Sue (Frances McDormand) para uma pequena cidade do interior pela empresa para aí comprarem propriedades e desenvolver o negócio explorando ao mesmo tempo os recursos existentes.
Numa localidade gravemente afectada pela crise e recessão económica, Steve espera que a conquista da população seja fácil e que poucos milhares de dólares cheguem para atingir os seus objectivos. No entanto, Frank Yates (Hal Holbrook), um respeitado professor da comunidade questiona a facilidade e o súbito interesse da multinacional colocando assim algumas reservas às suas ideias expansionistas, ao mesmo tempo que Dustin Noble (John Krasinski) um activista ambiental surge no terreno para também ele mostrar que os ideais da multinacional serão mais prejudiciais do que benéficos para a cidade.
Numa época em que os valores económicos e financeiros parecem sobrepôr-se violentamente sobre a moral e os valores afectivos e sentimentais, Steve encontra-se numa encruzilhada que o leva a questionar-se sobre o que será mais importante para si e de que forma irá ele um dia mais tarde enfrentar o seu passado.
O argumento escrito por John Krasinski e Matt Damon a partir de uma história de Dave Eggers, ganha às mãos de Van Sant uma interessante sensibilidade comum à maioria dos seus anteriores filmes e, pela força das circunstâncias do mundo em que vivemos presentemente, uma irónica e estranha realidade. Dotado de uma cruel realidade que se prende na sua maioria entre valores versus interesses, este filme consegue estabelecer esta dualidade através dos elementos que compõem esta pequena "comunidade". Numa altura em que os postos de trabalho desaparecem e a crise se faz sentir no seio desse meio que sempre conhecemos, até que ponto conseguiremos nós viver uma vida livre de bens monetários que irão de uma ou outra forma auxiliar-nos a viver um dia mais?
No entanto esta questão tem também o seu reverso, por vezes bem mais doloroso. Se por um lado esse refrescante vento económico nos permite ultrapassar as dificuldades financeiras que nos são colocadas, não deixa de ser verdade que, para as alcançarmos, teremos de abdicar de uma dita zona de confiança ou de conforto com a qual estabelecemos laços, raízes e acima disso uma identidade. Pertencemos a um meio, a um espaço, a um lugar e a uma comunidade que nos transmitiu regras de conduta, valores e costumes que muito nos caracterizam e identificam para o exterior.
Assim, longe de ser um filme sobre a crise económica que se faz sentir um pouco por todo o mundo mas com especial impacto em pequenas comunidades locais que vivem quase exclusivamente de uma área ou indiústria característica e que, com as privações que estão inerentes à situação actual encontram-se de um momento para o outro privadas da sua própria subsistência e, como tal da sua sobrevivência, este filme é um retrato de um mundo em súbita transformação onde o principal é sobreviver com um mínimo de dignidade e principalmente sem esquecer os pequenos traços característicos que definem uma identidade, um meio e um local que defina um sentimento de pertença.
Matt Damon às mãos de Van Sant volta a entregar uma sentida e genuína interpretação à semelhança do que há largos anos fez em O Bom Rebelde, e com isso afastar-se da imagem do menino bonito e rebelde que em tempos foi através de um desempenho forte, sentimental e em conflito interior pela descoberta do seu "eu", num dos melhores trabalhos que apresenta em anos. E enquanto Frances McDormand se apresenta aqui como o elemento mais cómico e desbloqueador de alguma tensão, John Krasinski é o elemento surpresa de todo este filme ao interpretar um homem preocupado com os conflitos ambientais e de saúde quea exploração da multinacional poderá provocar naquele meio mas que afinal... não é assim tão preocupado. Sexo, cru e irónico esta é desde Um Lugar para Viver, a sua melhor interpretação à data.
De destacar a presença marcante de um sempre vigoroso Hal Holbrook e de uma Rosemarie DeWitt que se assume como o último elo de uma ligação possível à verdadeira essência que cada um pode ter para com a sua própria Humanidade e ao espaço que o caracteriza.
Um filme de Gus Van Sant diferente do habitual mas que através da sua extraordinária, intimista e minimalista banda-sonora da autoria de Danny Elfman e de uma magnífica e sóbria fotografia de Linus Sandgren que tanto nos transforma o espaço em algo frio e distante como, em segundos, nos transporta para as recordações daquele lugar onde passámos a nossa infância e que ficou para sempre gravado nas nossas memórias tendo assim criado no nosso subconsciente um lugar de pertença e marcado a nossa própria identidade que é, afinal, aquilo de que esta Terra Prometida pretende recordar.
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8 / 10
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