Romanzo di una Strage de Marco Tullio Giordana foi o filme escolhido para a abertura da 6ª edição da Festa do Cinema Italiano de Lisboa e que contou com a participação do realizador no cinema São Jorge.
Este filme retrata os dias pós 12 de Dezembro de 1969 quando na Piazza Fontana, em Milão, explodiu uma bomba dentro da Banca Nazionale dell'Agricoltura que vitimou 17 pessoas tendo ferido mais de 80.
Inicialmente convencidos que teria sido obra dos grupos anarcas italianos, o comissário Luigi Calabresi (Valerio Mastandrea) e os seus superiores Marcello Guida (Sergio Solli) e Antonio Allegra (Giacinto Ferro) interrogam todos os membros conhecidos dos grupos pela cidade, ligando-os ainda a vários outros atentados bombistas que haviam ocorrido em diversas cidades do país. Um desses detidos é Giuseppe Pinelli (Pierfrancesco Favino), um conhecido anarca não violento de quem pretendem retirar informações sobre os trágicos acontecimentos mas após três dias de incessantes questionários onde já se denota o desgaste físico de todos os envolvidos, Pinelli aparece morto na rua e a polícia defende que ele saltou da janela do gabinete de Calabresi que, apesar de não se encontrar no gabinete, não só é responsabilizado tanto por uma população indignada como nenhum dos seus superiores permanece oficialmente a seu lado.
Em 1972, quando a investigação aponta para grupos neo-nazis que pretendem instaurar uma ditadura em Itália mas que nunca foram devidamente investigados, Calabresi que parece ser o único interessado num correcto desfecho do acontecimento é morto a 17 de Maio perto da sua casa.
Um sempre atento e preocupado com a História recente italiana tal como podemos verificar pela sua filmografia que envolve títulos como A Melhor Juventude (La Meglio Gioventù) ou Sangue de Guerra (Sanguepazzo), Marco Tullio Giordana escreveu o argumento deste filme em parceria com Sandro Petraglia e Stefano Rulli tendo como base o livro de Paolo Cucchiarelli. Com um registo quase documental dos acontecimentos que nos permite não só conhecer como desenvolver os seus conhecimentos sobre o caso, Giordana entrega-nos também uma cuidada e pensado realização que nos deixa margem para perceber uma completa sequência do caso não deixando de lado o mais importante... o factor humano.
É certo que este tipo de filme em muitas ocasiões se perde para um aspecto que o compõem; ou se dedica muita atenção ao lado documental onde se espera um registo quase exaustivo dos factos conhecidos ou, por sua vez, é dedicada toda a atenção aos principais intervenientes e à forma como todo o acontecimento os influenciou de uma ou outra forma. Aqui, no entanto, Giordana tem a brilhante habilidade de fazer uma harmoniosa divisão dos mesmos, isto é, por um lado temos um registo fiel dos factos mas não são esquecidos aqueles que foram mais directamente implicados sem criar nenhum nível de condescendência para nenhum deles mas indicando-nos quem esteve, realmente, por detrás de tudo numa orquestração que a certo ponto nos começa a preocupar, principalmente pelo extremo em que uma brutal ocorrência dita "nacional" pode ultrapassar fronteiras sem que alguma vez se tenha pensado nisso. É esta habilidade que o seu argumento tem ao inserir-nos primeiramente no contexto social e político do país naqueles conturbados anos, e depois sem grandes juízos de valor sobre os mesmos, consegue relatar-nos os factos e a forma como eles foram à altura apresentados a todo um país que repudiou veemente a violência que se fazia sentir um pouco por todo o país, ansiosos que estavam de recuperar uma tranquilidade que se encontrava, há largos anos, desaparecida.
A dominar todo este filme temos duas interpretações de dois actores cujo ome já deveria falar por si só e que representam o melhor que Itália (e o mundo) podem ter. Valerio Mastandrea e Pierfrancesco Favino controlam este filme com as suas sentidas, francas e fortes interpretações. Por um lado temos um Mastandrea que, como comissário Calabresi, encarna o homem preocupado com a falta de pacificação que se faz sentir no país, principalmente se considerarmos que há altura já decorriam mais de vinte anos que a guerra tinha terminado, mas onde se continuavam a fazer sentir fortes divisões políticas e sociais que, em última análise, faziam sentir uma igualmente forte divisão em dois grandes blocos... uma direita saudosista da ditadura e uma extrema-esquerda que sentia os ecos das grandes manifestações sociais que se faziam sentir por França ou Inglaterra. No entanto, Mastandrea dá através da sua interpretação, uma ideia clara de como era a vida conturbada deste homem que vivia dividido com o decorrer dos acontecimentos e especialmente pela forma como pretendia que a sua família não fosse afectada o que, inevitavelmente, viria a acontecer.
Por outro lado temos um Pierfrancesco Favino, naquela que foi a sua quarta nomeação e segunda vitória ao Donatello de Melhor Actor Secundário da Academia Italiana de Cinema, numa interpretação que sendo em duração bastante reduzida é, no entanto, forte, determinante e, basicamente, aquela em torno da qual uma boa parte deste filme se desenrola, constituindo assim os dois actores uma dupla forte, dinâmica e por vezes com uma emotividade contida que, no entanto, transparece pela determinação dos seus olhares.
De destacar ainda o trabalho de fotografia de Roberto Forza também nomeado ao Donatello que incide todos os focos de luz e cor nos exactos momentos aos quais devemos dedicar a nossa atenção e a caracterização de Ferdinando Merolla e Enrico Iacoponi que nos integram imediatamente na nos anos 60 / 70 do século passado, bem como a reconstituição de toda uma conturbada época política e social em Itália e que transformaram este num dos maiores e mais polémicos filmes italianos do último ano assim como numa antecipada e cheia cerimónia de abertura a noite passada em Lisboa que teve ainda os esclarecimentos de um realizador que é ele próprio uma aula viva da História de Itália, transmitindo os seus conhecimentos de forma a que o próprio espectador não só se insira no momento como questione muitos dos factos que, não tendo ficado abertos à livre interpretação de cada um ficaram, no entanto, por esclarecer quanto aos respectivos autores.
Romanzo di una Strage é assim um filme desafiante, bruto pela irracionalidade de uma época que pretendia desesperadamente encontrar um culpado sem querer saber se era o certo, e principalmente pelas injustiças e atropelos que a lei comete contra si própria pois, tal como disse Giordana, "o problema não é necessariamente a lei mas sim aqueles que por vezes a operam". Existe assim a urgência de perceber que são duas questões bem distintas, tanto na altura como obviamente nos nossos dias..
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9 / 10
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