Estrada de Palha de Rodrigo Areias foi o filme que me fez deslocar a uma sala de cinema mais afastada tal era a antecipação com que o aguardava. E não era para menos... Entre a presença de Nuno Melo, um dos meus actores preferidos, e um promoção bastante bem conseguida através de um trailer riquíssimo em imagem com uma fotografia aliciante e uma banda-sonora que fazia chorar por mais, tinha ainda a novidade de prometer um western "à portuguesa".
Era mais do que óbvio que assim que o filme estreasse eu tinha simplesmente de o ver mesmo com os sucessivos "avisos" de que era um filme diferente e talvez não o conseguisse "digerir" logo à partida. Bom, gostante eu normalmente de filmes que mais ninguém gosta, isto acabou por funcionar ainda mais como um incentivo à visualização daquele que, acabado de estrear, já reunia tantas opiniões e tão diversas.
Estrada de Palha baseia-se na obra Desobediência Civil de Henry David Thoreau, um livro com uma forte e intemporal mensagem política. Para dar uma ideia, Thoreu defendia que a resistência civil é uma oposição moral a um Estado injusto e que os indivíduos não devem permitir que os governos (segundo ele mais prejudiciais do que benéficos) comandem ou atrofiem as suas consciências e que têm assim de evitar a sua intromissão e que se tornem agentes de injustiças. No fundo Thoreau defende que a Democracia não é uma cura pois apesar de serem representativas das maiorias não a torna correcta pois até as decisões de um Homem justo podem ser injustas, e a decisão de um indivíduo não é necessariamente inferior à do corpo político e da maioria.
Dito isto, e depois desta longa introdução, passamos à acção do filme propriamente dito. Estrada de Palha inicia-se nas terras gélidas da Lapónia onde um homem vive afastado do seu país. Ao receber notícias da morte do seu irmão regressa a um Portugal monárquico pós-regicídio com o desejo de vingança. É aqui que (re)enconta um país profundo mergulhado na lei da bala, na corrupção, nas perseguições e no despotismo dos agentes do Estado.
Este filme que se pretende "ver" como uma análise social fá-lo não tendo um tempo ou espaço concretos. Sabemos em que época nos enquadramos por algumas leves referências durante o filme e pelas claras evidências de vestuário, mas a sua mensagem poderia ser tida em qualquer parte do mundo e em qualquer época temporal seja ela 1909 ou 2012. A sua forte mensagem percorre(u) e percorrerá todos os tempos e lugares pois a corrupção e a sua quase constante impunidade estão presentes em todas as etapas da História passada ou presente, e podemos assistir ao nosso actual e conturbado período político.
Se até aqui tenho o tipo de filme ao qual facilmente me rendo pois as temáticas sociais, históricas e políticas num filme fazem-me ganhar o dia, o que é certo é que este Estrada de Palha promete mas não consegue cumprir na totalidade aquilo que dele esperamos. Não pela sua mensagem que já explicitei ser, de longe, bastante motivadora e apelativa mas sim por alguma falha de concretização de pequenos mas importantes detalhes. A principal destas falhas é a lenta narrativa do filme que, ao contrário de um western à boa e velha maneira, impede que consigamos atingir algum clímax. Sentimos que a tensão está lá e prestes a explodir mas... nunca chega a acontecer. Exemplo perfeito disto é a fuga da prisão que sucede sem que nenhum de nós consiga sentir o mínimo de tensão durante a sua ocorrência... "Now you see them... and now you don't.". E este aspecto percorre todo o filme de início até ao final. Queremos ver uma vingança a ser de facto consumada. Queremos ver alguém que pague. Queremos perceber que a morte dos inocentes não foi feita em vão. Queremos... mas não chegamos a ter. É este o principal aspecto que nos deixa no final ficar "desconfortáveis". Pensamos "então mas afinal... nada se passou?" (ideia que vou retomar mais tarde, no final deste comentário...).
Mas não só de momentos menos bem conseguidos vive o filme. Pelo contrário... Muitos são os elementos positivos do mesmo. Começando pelas duas fortes interpretações de Nuno Melo que enriquece o ecrã com mais uma personagem assumidamente marcante como o homem do regime que numa época de transição faz a lei à sua medida, e uma enorme surpresa vinda de um estrondoso Vítor Correia, um cowboy solitário que se converte na encarnação perfeita do justiceiro que todos secretamente procuram
Outros aspectos bem positivos, e que funcionaram como impulsionador para que se tornasse um filme que eu senti querer ver através do trailer que vi vezes sem conta, foi a sua extraordinária banda-sonora premiada na última edição dos Caminhos do Cinema Português em Coimbra, da autoria de Paulo Furtado (The Legendary Tigerman) e Rita Redshoes. Se temos melodia emblemática e que ficará na história do cinema português... esta será a "tal". Sonoridades típicas de um país deserto e apático, qual Texas temos o nosso próprio Alentejo onde as vacas dão lugar às ovelhas e o típico bourbon é substituído pelo tão característico vinho a martelo, que nos transportam de facto para um universo western"iano", esta banda-sonora tem uma vida própria no filme... é, sem qualquer margem para dúvida, uma das suas personagens e que fala muito mais do que qualquer uma daquelas de carne e osso.
E o mesmo se poderá dizer pela brilhante edição de fotografia de Jorge Quintela que nos transporta, como disse, de um longinquo Texas para o nosso Alentejo mantendo um certo ambiente de estranhos num local que, é ele, igualmente longínquo e estranho onde nada se passa "às claras".
A quebra de sequências do filme tem o seu lado positivo ao enquadrar a obra de Thoreau com a acção decorrente mas, por sua vez, também funciona contra o mesmo ao cortar a fluência do mesmo. Precisaríamos assim de tantos enquadramentos e interrupções? Se por um lado elas nos situam no contexto por outro desconcentram-nos da acção.
Não direi que é o melhor filme português do ano... mas tinha todo o potencial para se tornar num dos melhores filmes (português ou não) de sempre mas que por falta de alguma concretização prática não conseguiu ser. No entanto, e retomando o que mais cedo disse... "Então mas afinal... nada se passou?". Passou e muito... Se no início deste filme o nosso justiceiro tinha desenterrado a arma para vingar a morte do seu inocente irmão, independentemente de recuperar as ovelhas ou não e de se fazer justiça, no final procede ao seu enterro numa clara mensagem de que num país onde nada muda... ou vives nele ou partes para sempre.
.Estrada de Palha baseia-se na obra Desobediência Civil de Henry David Thoreau, um livro com uma forte e intemporal mensagem política. Para dar uma ideia, Thoreu defendia que a resistência civil é uma oposição moral a um Estado injusto e que os indivíduos não devem permitir que os governos (segundo ele mais prejudiciais do que benéficos) comandem ou atrofiem as suas consciências e que têm assim de evitar a sua intromissão e que se tornem agentes de injustiças. No fundo Thoreau defende que a Democracia não é uma cura pois apesar de serem representativas das maiorias não a torna correcta pois até as decisões de um Homem justo podem ser injustas, e a decisão de um indivíduo não é necessariamente inferior à do corpo político e da maioria.
Dito isto, e depois desta longa introdução, passamos à acção do filme propriamente dito. Estrada de Palha inicia-se nas terras gélidas da Lapónia onde um homem vive afastado do seu país. Ao receber notícias da morte do seu irmão regressa a um Portugal monárquico pós-regicídio com o desejo de vingança. É aqui que (re)enconta um país profundo mergulhado na lei da bala, na corrupção, nas perseguições e no despotismo dos agentes do Estado.
Este filme que se pretende "ver" como uma análise social fá-lo não tendo um tempo ou espaço concretos. Sabemos em que época nos enquadramos por algumas leves referências durante o filme e pelas claras evidências de vestuário, mas a sua mensagem poderia ser tida em qualquer parte do mundo e em qualquer época temporal seja ela 1909 ou 2012. A sua forte mensagem percorre(u) e percorrerá todos os tempos e lugares pois a corrupção e a sua quase constante impunidade estão presentes em todas as etapas da História passada ou presente, e podemos assistir ao nosso actual e conturbado período político.
Se até aqui tenho o tipo de filme ao qual facilmente me rendo pois as temáticas sociais, históricas e políticas num filme fazem-me ganhar o dia, o que é certo é que este Estrada de Palha promete mas não consegue cumprir na totalidade aquilo que dele esperamos. Não pela sua mensagem que já explicitei ser, de longe, bastante motivadora e apelativa mas sim por alguma falha de concretização de pequenos mas importantes detalhes. A principal destas falhas é a lenta narrativa do filme que, ao contrário de um western à boa e velha maneira, impede que consigamos atingir algum clímax. Sentimos que a tensão está lá e prestes a explodir mas... nunca chega a acontecer. Exemplo perfeito disto é a fuga da prisão que sucede sem que nenhum de nós consiga sentir o mínimo de tensão durante a sua ocorrência... "Now you see them... and now you don't.". E este aspecto percorre todo o filme de início até ao final. Queremos ver uma vingança a ser de facto consumada. Queremos ver alguém que pague. Queremos perceber que a morte dos inocentes não foi feita em vão. Queremos... mas não chegamos a ter. É este o principal aspecto que nos deixa no final ficar "desconfortáveis". Pensamos "então mas afinal... nada se passou?" (ideia que vou retomar mais tarde, no final deste comentário...).
Mas não só de momentos menos bem conseguidos vive o filme. Pelo contrário... Muitos são os elementos positivos do mesmo. Começando pelas duas fortes interpretações de Nuno Melo que enriquece o ecrã com mais uma personagem assumidamente marcante como o homem do regime que numa época de transição faz a lei à sua medida, e uma enorme surpresa vinda de um estrondoso Vítor Correia, um cowboy solitário que se converte na encarnação perfeita do justiceiro que todos secretamente procuram
Outros aspectos bem positivos, e que funcionaram como impulsionador para que se tornasse um filme que eu senti querer ver através do trailer que vi vezes sem conta, foi a sua extraordinária banda-sonora premiada na última edição dos Caminhos do Cinema Português em Coimbra, da autoria de Paulo Furtado (The Legendary Tigerman) e Rita Redshoes. Se temos melodia emblemática e que ficará na história do cinema português... esta será a "tal". Sonoridades típicas de um país deserto e apático, qual Texas temos o nosso próprio Alentejo onde as vacas dão lugar às ovelhas e o típico bourbon é substituído pelo tão característico vinho a martelo, que nos transportam de facto para um universo western"iano", esta banda-sonora tem uma vida própria no filme... é, sem qualquer margem para dúvida, uma das suas personagens e que fala muito mais do que qualquer uma daquelas de carne e osso.
E o mesmo se poderá dizer pela brilhante edição de fotografia de Jorge Quintela que nos transporta, como disse, de um longinquo Texas para o nosso Alentejo mantendo um certo ambiente de estranhos num local que, é ele, igualmente longínquo e estranho onde nada se passa "às claras".
A quebra de sequências do filme tem o seu lado positivo ao enquadrar a obra de Thoreau com a acção decorrente mas, por sua vez, também funciona contra o mesmo ao cortar a fluência do mesmo. Precisaríamos assim de tantos enquadramentos e interrupções? Se por um lado elas nos situam no contexto por outro desconcentram-nos da acção.
Não direi que é o melhor filme português do ano... mas tinha todo o potencial para se tornar num dos melhores filmes (português ou não) de sempre mas que por falta de alguma concretização prática não conseguiu ser. No entanto, e retomando o que mais cedo disse... "Então mas afinal... nada se passou?". Passou e muito... Se no início deste filme o nosso justiceiro tinha desenterrado a arma para vingar a morte do seu inocente irmão, independentemente de recuperar as ovelhas ou não e de se fazer justiça, no final procede ao seu enterro numa clara mensagem de que num país onde nada muda... ou vives nele ou partes para sempre.
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8 / 10
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