A Despedida de Marcelo Galvão é uma longa-metragem brasileira presente na secção Competitiva de Longas-Metragens da sexta edição do FESTIn - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa que decorre até amanhã, dia 15, no Cinema São Jorge, em Lisboa.
O Almirante (Nelson Xavier), é um homem de noventa e dois anos que decide ter chegado o momento de se despedir de tudo aquilo que considera importante na sua vida. Tudo, incluindo a sua amante cinquenta e cinco anos mais nova...
Depois de Colegas (2012), Marcelo Galvão regressa com uma intensa história baseada em factos reais onde a compreensão da vida humana, a percepção das suas limitações e, principalmente, a noção de que um dia também ela irá chegar a um fim são pontos centrais e fundamentais. O futuro aqui tido como um marco quase inexistente pelo avançar da idade do "Almirante" ganha apenas importância na medida em que serve de contraponto com o passado, aquele que se viveu e do qual se guardam inúmeras memórias e que marcaram a vida da qual se ganhou agora consciência que pode terminar a qualquer instante. O "Almirante" aceita o seu passado. Aquele em que viveu, experimentou, amou, conquistou e que deixou. Deixou as suas devidas marcas. Uma família por um lado e um romance que manteve boa parte da sua vida. É esta duplicidade que nunca é julgada - nem tão pouco o deve ser ou necessário que o seja para a dinâmica de A Despedida - que aqui está em evidência.
Aliás, para ser correcto, em A Despedida é uma constante a sensação de que o espectador presencia os dois lados de uma vida tendo em consciência, no entanto, que para o bem e para o mal, o "Almirante" a viveu no seu pleno e sem qualquer aparente arrependimento. É este duplo lado de uma vida que o espectador acompanha assistindo a um lado mais familiar e onde a personagem interpretada por Nelson Xavier se assume como um elemento comandado e, por outro, a tal vida "escondida" onde se assume como um homem controlador e que é servido numa dose mista de afectos e sexo. Se na primeira faceta presenciamos uma dinâmica mais calma e até mortiça que poderemos equiparar a esta fase tida como "perto do final", a segunda facilmente identificamos como a de um homem cheio de vigor e energia que está mais vivo do que nunca. É também nesta vida com a "Amante" Juliana Paes que o "Almirante" expõe um aspecto bastante curioso e tido para alguns como um tabu, ou seja, a sexualidade na terceira idade.
Se qualquer espectador está - digamos - preparado para a vida tranquila de um homem que pouco mais tem pelo que viver, Nelson Xavier entrega uma enérgica interpretação sobre um homem que não se rende à evidência de uma morte mais ou menos anunciada, cedendo apenas aos prazeres da carne na relação que mantém com uma mulher cinquenta e cinco anos mais nova que ele. A sua amante é, de certa forma, o aconchego e o conforto a que se permite depois de uma vida vivida dentro de uma "linha" socialmente expectada, e pela qual mantém uma constante cumplicidade e devoção. Para lá de sexo esta amante é a sua confidente, aquela que lhe dá um conforto extra e claro, que responde aos seus prazeres sexuais que nem a idade avançada fazem cessar. Com um extremo primor, Marcelo Galvão e a dupla de actores Nelson Xavier e Juliana Paes expõe esta cumplicidade entre dois seres de forma sóbria mas intensa permitindo ao espectador perceber que existe ainda um desejo lúcido dentro de um homem que, noutras circunstâncias, poderia estar apenas e só a preparar-se para o tal "dia final". Numa certa analogia, o espectador poderá ser levado a pensar que é apenas agora que tem a morte à porta que este homem decide, finalmente, viver mas, no entanto, aquilo que percebe é que nunca deixou de o fazer... nem mesmo neste momento "final" onde comprova que pode estar para breve mas que ao chegar que o faça segundo aquilo que ainda controla... a sua vitalidade.
Um pensamento curioso que a certa altura assola o espectador é verbalizado pelo "Almirante" que diz que o problema não é ter ficado velho - afinal isso mais não é do que uma consequência da vida - mas sim o ter sido jovem. É pela compreensão de que em tempos se foi jovem que se percebe tudo o que já passou sem poder voltar, tudo o que aconteceu sem se poder repetir e, no fundo, tudo aquilo que foi e já não é. Não existe qualquer tipo de contas para saldar, pelo contrário, tudo aquilo que tinha de ser feito assim foi sem arrependimentos ou dúvidas mas, aquilo que complica todo um percurso que poderá a determinada altura terminar é a tal percepção de que já não se é um ser jovem e que o tempo que foi "emprestado" pela morte pode estar a cessar a qualquer instante sabendo, no entanto, que poderia - e quereria - ainda fazer tanto... Longa é a vida de uma tartaruga e nem essa - possivelmente - chega...
Nelson Xavier, que qualquer espectador português reconhece de imediato, tem aqui aquele que poderá ser considerado o corolário da sua carreira - por muito frágil ou até mesmo redutora que possa ser esta afirmação - devido à extrema dedicação que entrega a uma personagem que faz "sua". Sentimos-lhe o peso da idade, as intermináveis memórias bem como as certezas e as dúvidas que se esperam de um homem de noventa e dois anos de idade. Sentimos as suas reflexões e os pensamentos sobre a vida, a morte e principalmente o sexo - aquilo que dele espera e aquilo que dele teve - e como os sente presentes independentemente dos anos que passaram desde cada momento que recorda. Xavier vive tudo do seu "Almirante" e, tal como ele, sabe que bem ou mal tudo foi vivido no seu pleno deixando sentir que arrependimentos a haver só estão presentes no facto de não ter mais noventa anos para tudo viver mais uma vez.
A completar a dupla temos uma intensa e sensual Juliana Paes que se entrega à interpretação de uma mulher que partilhou uma boa parte da sua vida com um homem mais velho tendo com ele aprendido e vivido muitas das suas experiências. Um homem a quem se dedica com uma extrema atenção satisfazendo todos os seus pequenos desejos e caprichos estando, ao mesmo tempo, num patamar de igualmente para com ele. Não existe qualquer tipo de subserviência ou favor. Ambos sabem o que querem, o que partilham, o que já viveram. Ela sabe que nunca será o rosto visível de um lar dito "oficial" mas é, no entanto, aquele onde aparenta existir mais cumplicidade e dedicação sem que se pense nele como um homem décadas mais velho ou nela como uma mulher que se aproveita das suas carências afectivas.
Marcelo Galvão brinda, uma vez mais, o espectador com um intenso, sentido e emotivo relato sobre a condição humana. Sobre aquilo que todos "seremos" um dia mais tarde esperando que se consiga dizer que "vivi uma vida". Preenchida - esperemos - ou não, mas uma vida que se compreenda ter sido feita excedendo certos - os nossos - limites e que se compreenda que gostaríamos de ter outros tantos anos para experimentar viver sem que, no entanto, se tenha disso qualquer mágoa mas sim uma estranha saudade de algo que não poderemos ter. A Despedida é ainda uma saudável homenagem àqueles que compreendendo a sua idade, não desistiram de a viver e celebrar. Onde o afecto, ou até mesmo o sexo não é, ou deve ser, tabu. Onde o desejo reside e se faz sentir a cada momento mas sobretudo um filme que se dedica ao poder da memória, das recordações, dos actos e dos feitos de uma vida vivida no seu pleno.
O Almirante (Nelson Xavier), é um homem de noventa e dois anos que decide ter chegado o momento de se despedir de tudo aquilo que considera importante na sua vida. Tudo, incluindo a sua amante cinquenta e cinco anos mais nova...
Depois de Colegas (2012), Marcelo Galvão regressa com uma intensa história baseada em factos reais onde a compreensão da vida humana, a percepção das suas limitações e, principalmente, a noção de que um dia também ela irá chegar a um fim são pontos centrais e fundamentais. O futuro aqui tido como um marco quase inexistente pelo avançar da idade do "Almirante" ganha apenas importância na medida em que serve de contraponto com o passado, aquele que se viveu e do qual se guardam inúmeras memórias e que marcaram a vida da qual se ganhou agora consciência que pode terminar a qualquer instante. O "Almirante" aceita o seu passado. Aquele em que viveu, experimentou, amou, conquistou e que deixou. Deixou as suas devidas marcas. Uma família por um lado e um romance que manteve boa parte da sua vida. É esta duplicidade que nunca é julgada - nem tão pouco o deve ser ou necessário que o seja para a dinâmica de A Despedida - que aqui está em evidência.
Aliás, para ser correcto, em A Despedida é uma constante a sensação de que o espectador presencia os dois lados de uma vida tendo em consciência, no entanto, que para o bem e para o mal, o "Almirante" a viveu no seu pleno e sem qualquer aparente arrependimento. É este duplo lado de uma vida que o espectador acompanha assistindo a um lado mais familiar e onde a personagem interpretada por Nelson Xavier se assume como um elemento comandado e, por outro, a tal vida "escondida" onde se assume como um homem controlador e que é servido numa dose mista de afectos e sexo. Se na primeira faceta presenciamos uma dinâmica mais calma e até mortiça que poderemos equiparar a esta fase tida como "perto do final", a segunda facilmente identificamos como a de um homem cheio de vigor e energia que está mais vivo do que nunca. É também nesta vida com a "Amante" Juliana Paes que o "Almirante" expõe um aspecto bastante curioso e tido para alguns como um tabu, ou seja, a sexualidade na terceira idade.
Se qualquer espectador está - digamos - preparado para a vida tranquila de um homem que pouco mais tem pelo que viver, Nelson Xavier entrega uma enérgica interpretação sobre um homem que não se rende à evidência de uma morte mais ou menos anunciada, cedendo apenas aos prazeres da carne na relação que mantém com uma mulher cinquenta e cinco anos mais nova que ele. A sua amante é, de certa forma, o aconchego e o conforto a que se permite depois de uma vida vivida dentro de uma "linha" socialmente expectada, e pela qual mantém uma constante cumplicidade e devoção. Para lá de sexo esta amante é a sua confidente, aquela que lhe dá um conforto extra e claro, que responde aos seus prazeres sexuais que nem a idade avançada fazem cessar. Com um extremo primor, Marcelo Galvão e a dupla de actores Nelson Xavier e Juliana Paes expõe esta cumplicidade entre dois seres de forma sóbria mas intensa permitindo ao espectador perceber que existe ainda um desejo lúcido dentro de um homem que, noutras circunstâncias, poderia estar apenas e só a preparar-se para o tal "dia final". Numa certa analogia, o espectador poderá ser levado a pensar que é apenas agora que tem a morte à porta que este homem decide, finalmente, viver mas, no entanto, aquilo que percebe é que nunca deixou de o fazer... nem mesmo neste momento "final" onde comprova que pode estar para breve mas que ao chegar que o faça segundo aquilo que ainda controla... a sua vitalidade.
Um pensamento curioso que a certa altura assola o espectador é verbalizado pelo "Almirante" que diz que o problema não é ter ficado velho - afinal isso mais não é do que uma consequência da vida - mas sim o ter sido jovem. É pela compreensão de que em tempos se foi jovem que se percebe tudo o que já passou sem poder voltar, tudo o que aconteceu sem se poder repetir e, no fundo, tudo aquilo que foi e já não é. Não existe qualquer tipo de contas para saldar, pelo contrário, tudo aquilo que tinha de ser feito assim foi sem arrependimentos ou dúvidas mas, aquilo que complica todo um percurso que poderá a determinada altura terminar é a tal percepção de que já não se é um ser jovem e que o tempo que foi "emprestado" pela morte pode estar a cessar a qualquer instante sabendo, no entanto, que poderia - e quereria - ainda fazer tanto... Longa é a vida de uma tartaruga e nem essa - possivelmente - chega...
Nelson Xavier, que qualquer espectador português reconhece de imediato, tem aqui aquele que poderá ser considerado o corolário da sua carreira - por muito frágil ou até mesmo redutora que possa ser esta afirmação - devido à extrema dedicação que entrega a uma personagem que faz "sua". Sentimos-lhe o peso da idade, as intermináveis memórias bem como as certezas e as dúvidas que se esperam de um homem de noventa e dois anos de idade. Sentimos as suas reflexões e os pensamentos sobre a vida, a morte e principalmente o sexo - aquilo que dele espera e aquilo que dele teve - e como os sente presentes independentemente dos anos que passaram desde cada momento que recorda. Xavier vive tudo do seu "Almirante" e, tal como ele, sabe que bem ou mal tudo foi vivido no seu pleno deixando sentir que arrependimentos a haver só estão presentes no facto de não ter mais noventa anos para tudo viver mais uma vez.
A completar a dupla temos uma intensa e sensual Juliana Paes que se entrega à interpretação de uma mulher que partilhou uma boa parte da sua vida com um homem mais velho tendo com ele aprendido e vivido muitas das suas experiências. Um homem a quem se dedica com uma extrema atenção satisfazendo todos os seus pequenos desejos e caprichos estando, ao mesmo tempo, num patamar de igualmente para com ele. Não existe qualquer tipo de subserviência ou favor. Ambos sabem o que querem, o que partilham, o que já viveram. Ela sabe que nunca será o rosto visível de um lar dito "oficial" mas é, no entanto, aquele onde aparenta existir mais cumplicidade e dedicação sem que se pense nele como um homem décadas mais velho ou nela como uma mulher que se aproveita das suas carências afectivas.
Marcelo Galvão brinda, uma vez mais, o espectador com um intenso, sentido e emotivo relato sobre a condição humana. Sobre aquilo que todos "seremos" um dia mais tarde esperando que se consiga dizer que "vivi uma vida". Preenchida - esperemos - ou não, mas uma vida que se compreenda ter sido feita excedendo certos - os nossos - limites e que se compreenda que gostaríamos de ter outros tantos anos para experimentar viver sem que, no entanto, se tenha disso qualquer mágoa mas sim uma estranha saudade de algo que não poderemos ter. A Despedida é ainda uma saudável homenagem àqueles que compreendendo a sua idade, não desistiram de a viver e celebrar. Onde o afecto, ou até mesmo o sexo não é, ou deve ser, tabu. Onde o desejo reside e se faz sentir a cada momento mas sobretudo um filme que se dedica ao poder da memória, das recordações, dos actos e dos feitos de uma vida vivida no seu pleno.
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