Le Boudin de Salomé Lamas é um documentário luso-alemão em formato de curta-metragem que foi nomeado ao Sophia da Academia Portuguesa de Cinema na categoria respectiva que nos relata através de uma entrevista em voz-off, as experiências de Nuno Fialho, antigo combatente na Legião Francesa e nas quais percebemos a forma como este ficou psicologicamente - e talvez fisicamente - afectado.
A dar corpo a esta narração temos Elias Geißler, um actor alemão de dezasseis anos de idade - a mesma que Nuno tinha quando fora alistado na Legião - que representa toda a narrativa do português como se na primeira pessoa falasse. Através de uma voz que revela o desgaste de um tempo e experiências passadas visualizamos, ao mesmo tempo, um indivíduo de aparência polida pela qual esse mesmo tempo claramente não passou. O espectador questiona-se não só sobre o que está por detrás da voz que escuta ocasionalmente mas também sobre os comportamentos daquele que lhe dá uma imagem. Até que ponto este jovem actor "representa" uma dura história real da qual apenas obtemos um conjunto limitado de detalhes.
Le Boudin - marcha oficial da Legião Francesa - recria assim a identidade de um homem que nunca chegamos a ver através da representação de outro tendo como ponto de encontro a idade que para um representa o momento em que foi alistado - devido a um crime que cometeu e que nunca é revelado ao espectador - e que para o outro se revela como o momento em que representa a experiência do primeiro.
A memória. Dois jovens adultos, duas experiências de vida, duas épocas. Essa mesma memória que se apresenta divisória aqui aproxima dois seres com experiências e vivências completamente distantes mas que se tocam primeiro pelo conhecimento que um faz da vida do outro e depois pela sua transmissão ao espectador que o observa e escuta. Dois momentos distintos... a narração que nos insere no contexto e a representação que lhe dá corpo. A memória que faz perdurar essas duras vivências num acto de revisitação da dor.
No final a revelação da experiência... uma missão em África onde uma aldeia fora dizimada para a construção de uma reserva natural que - sabe depois o espectador - fora "limpa" e é agora retratada na National Geographic. De forma igualmente anónima "sabemos" quem esteve por detrás dessa higienização.
Potente pela forma crua como se apresenta, Le Boudin é possivelmente a melhor obra cinematográfica de Salomé Lamas e, há data, aquele que será a sua referência enquanto cineasta.
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8 / 10
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