sábado, 11 de abril de 2015

Lura (2014)

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Lura de Luís Brás é uma longa-metragem portuguesa - e a primeira de duas nacionais - a ser exibida na competição de longas-metragens da sexta edição do FESTin - Festival Itinerante de Cinema da Língua Portuguesa que decorre até ao próximo dia 15 no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Manuel (Filipe Vargas) regressa à casa de campo da família que se encontra abandonada há largos anos. Os sinais de deterioração são evidentes e aos poucos percebemos que ele veio para ficar. O isolamento da casa é o elemento mais sentido e, há excepção dos automóveis que circulam na estrada lá longe, ele encontra-se ali sem qualquer sinal aparente de vida.
Longe dos olhares do mundo dito civilizado, Manuel sente-se como uma pertença daquele espaço que já não visitava desde a sua infância. Mas, de repente, sente-se observado pelas memórias do seu próprio passado que agora parecem atormentá-lo.
Lura, cujo argumento é também da autoria de Luís Brás, é um filme essencialmente contemplativo onde acompanhamos a personagem "Manuel", um homem que se percebe ter abandonado tudo há excepção de uns parcos pertences que transporta consigo para o interior daquela propriedade, e a sua aparente nova vida onde se dedica essencialmente à sua própria subsistência. Os seus propósitos para esta nova abordagem são, essencialmente, desconhecidos. Podemos imaginar e teorizar que se deslocou para a sua antiga casa de modo a poder produzir alguma arte mas, ao mesmo tempo, esta só se torna uma presença quando o seu próprio estado de espírito se começa a sentir atormentado pelo seu regresso àquele espaço. Será essa "arte" um mero efeito da sua mente que se anuncia perturbada ou será ela a sua única forma de comunicar com um mundo onde, por sua vez, "Manuel" se encontra solitário?
Esta solidão é o elemento ou característica mais forte de toda a "presença de "Manuel"... afasta-se daquela movimentada estrada para lá do portão da propriedade refugiando-se no interior da mesma como se a sua vida e sanidade - haverá ainda alguma? - dependessem disso. Como se para lá daquele portão existisse uma qualquer (des)ordem que desafiasse a sua integridade e que o faz assim recorrer à tranquilidade de um aparente mundo perfeito que se distancia da loucura "lá de fora" mas, não estará essa loucura já associada à sua própria existência? Vários são os sinais de que a integridade psicológica de "Manuel" cedeu evidenciando assim os primeiros sintomas de uma qualquer desordem à medida que alguns objectos e espaços começam a ganhar uma estranha vida despertando o passado - elemento sempre presente que sem se esconder ou tão pouco revelar se torna perceptível de existir e prestes a explodir - que se apresenta como a precisar de ser resolvido. A tensão interior aumenta com a re-descoberta dos espaços que em tanto devem ter contribuído para o seu afastamento daquela casa e daquela propriedade, principalmente quando surgem gravações antigas onde "Manuel" pode recordar a sua desaparecida mãe. É então que os fantasmas adormecidos parecem querer comunicar - desta vez com o próprio espectador - e revelar o trágico passado que atormenta aquela alma perdida. O ranger das madeiras, a porta de um armário que se abre sózinha ou até mesmo sons do passado que agora parecem continuar a ecoar entre aquelas paredes ganham forma com a corporização de duas mulheres - o passado mais e menos longínquo de uma mesma figura - que visitam "Manuel" como que lhe dando as boas vindas a um espaço ao qual regressou mas que, na prática, talvez de lá nunca tenha saído.
Filipe Vargas consegue dar ao seu "Manuel" uma estranha estabilidade. Se inicialmente se apresenta como uma homem que se refugia numa propriedade rural, lentamente embarca num conjunto de rituais que parecem revelar que de estável pouco tem. Para além de recordar alguns dos detalhes e recantos escondidos daquela casa, ele denota pequenos comportamentos que aos poucos mostram a ambivalência da sua mente, nomeadamente com a representação de uma árvore - com raízes mas seca - que o atormenta... Branca no exterior - talvez o seu - e negra em todas as representações no interior da casa - talvez como a sua própria essência afectada por esse tal passado que o persegue e que o fez regressar à sua casa. Se a degradação psicológica de "Manuel" é sentida, em tudo o deve a uma inspirada interpretação de um actor que lhe entregou alma fazendo da sua personagem uma parte integrante de uma casa que o consome lentamente com as suas próprias recordações.
Outro dos pontos fortes de Lura é a direcção de fotografia de Leandro Ferrão que não só consegue capturar todas as exactas sombras dos recantos daquela casa - que rapidamente se assume como a segunda personagem principal deste filme - de forma a que as próprias pareçam comunicar com o espectador revelando assim que algo está presente como, ao mesmo tempo, transforma todos os espaços aparentemente abertos em pequenos claustros que em tudo se assemelham a pequenas prisões - da (sua) memória.
Como único elemento que gostaria de ter visto mais explorado em Lura foi a escassa presença de Ana Padrão e Rita Martins no filme. Se por um lado se torna compreensível a sua mínima participação, afinal mais não são do que dois fantasmas que visitam "Manuel", não é menos verdade que a presença de duas grandes actrizes como estas pediam um pouco mais de espaço.
Num misto entre o fantasmagórico e a presença do imaterial, Lura assume-se como um digno sucessor do já distante Coisa Ruim - 2006 -, de Tiago Guedes e Frederico Serra e que mereceria a sua estreia em sala pois aqui, e ainda que sem um conjunto de diálogos por vezes tidos como muito apelativos, tudo estabelece uma comunicação com o espectador... as sombras, as expressões e até mesmo os silêncios que conseguem ser quase sempre bem ruidosos.
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8 / 10
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