Palácio das Necessidades de Bertrand Tavernier (França) filme que conferiu a Niels Arestrup o César de Actor Secundário entregue pela Academia Francesa de Cinema, conta a história de Alexandre Taillard de Vorms (Thierry Lhermitte), o excêntrico Ministro dos Negócios Estrangeiros de França que procura todas as oportunidades para brilhar... desde as conferências nas Nações Unidas em Nova York às crises de poder num qualquer país africano alicerçado num conjunto de valores que defende... legitimidade, lucidez e eficácia.
É quando chega o jovem Arthur Vlaminck (Raphaël Personnaz) para ser o seu assistente e perito em "linguagem" que a verdadeira máquina diplomática francesa começa a funcionar... para o bem e para o mal deixando para trás todo um rasto de incoerências e indecisões.
Baseado em Quai d'Orsay - Chroniques Diplomatiques da autoria de Abel Lanzac e Christophe Blain, a dupla em parceria com o realizador Bertrand Tavernier escreve o argumento desta obra cinematográfica que oscila entre o cómico e o alucinado num retrato que pensamos fiel de todo o enredo diplomático... francês ou não! E é neste constante registo que o espectador encontra Quai d'Orsay.
A obra de Tavernier, nomeada a três César da Academia - para lá do já mencionado troféu na categoria de Actor Secundário foi ainda nomeada para Actriz Secundária e Argumento Adaptado - centra-se essencialmente num registo de comédia sarcástica que equipara - de forma inteligente até - os meandros dos corredores diplomáticos a um certo frenesim onde tudo acontece... sem que nada aconteça de facto. Perdidos num registo linguístico que tenta respeitar o "politicamente correcto" e valores auto-impostos nos bastidores de um mundo diplomático impedindo, dessa forma, de que verdadeiras medidas, resoluções ou vontades sejam tomadas para a harmonização da relação entre os Estados. Aqui, pelo contrário, Quai d'Orsay é, tal como o nome indica em português, não o Palácio das Necessidades onde se tentou (de forma mais ou menos tácita) expôr o centro diplomático português mas sim um verdadeiro palácio de necessidades políticas onde tudo se respeita mesmo que se compreenda o absurdo deste "bem-estar" político não entre famílias partidárias mas sim entre Estados soberanos esquecendo (polidamente) que todos o são... e não uns mais que outros à la Orwell.
Quai d'Orsay é, portanto, o centro de toda uma necessidade de convivência pacífica e ultra-respeitadora (quase como um fanatismo), desprovido de valores ou, por outro lado, recheado daqueles que resultam do imediatismo desses mesmos corredores diplomáticos, deixando não só o espectador num estado esgotante e esgotado de corredores e caminhos que se percorrem vezes sem conta ao longo do dia para que, no final, nada seja resolvido, nada seja decidido e todos permaneçam num constante estado de impasse limite do qual ninguém parece querer, poder ou conseguir sair.
Inteligente pela forma como estabelece a relação entre Ministro dos Negócios Estrangeiros e Director de Linguagem e Comunicação - imprescindível nestes dias que correm -, e pela erudita e não menos cómica disposição do frenesim que todos parecem assumir no Ministério onde nada se decide para lá do impasse (e até mesmo este parece ser decidido a muito custo), Quai d'Orsay é, no final, um filme que reside essencialmente na dinâmica da personagem semi-silenciosa de toda esta história... "Claude Maupas" (Niels Arestrup) com todos os seus colaboradores revelando que ele sim é o homem na sombra que faz todos os gabinetes movimentarem-se (ainda que num passo muito discreto) e assumindo que com esforço, subtileza e com a noção de que não existe vida privada e particular se cria a fórmula para um verdadeiro membro do corpo diplomático existir... ainda que em última análise o trabalho de toda uma vida possa ser... quase nulo.
Simpático pela sua recriação da dinâmica diplomática onde tudo gira em torno de nada e na qual todas as incertezas são a única certeza destes homens e mulheres que se dedicam às relações entre Estados - e seus chefes -, Quai d'Orsay transforma-se nos últimos instantes numa experiência tão desgastante para o espectador como o é para as personagens que os seus actores pretendem retratar. Não deixando de ser inteligente e mesmo como os seus apontamentos de humor semi-refinado, a longa-metragem de Tavernier circula livremente - ou mais freneticamente - em torno da "não-história", ou seja, sobre aqueles factos que nunca chegam a existir pela força da própria política diplomática levando o espectador a crer que assiste sim a uma obra em que todos circulam, todos giram e caminham sem que, no final, alguma coisa tenha sido, de facto, alcançada.
Excessivamente - ou voluntariamente - longo (quase duas horas de duração), Quai d'Orsay é a prova de que pode existir um filme sobre tudo... onde reina o nada e onde as suas personagens podem ter um longo e rico debate sobre a melhor forma de como abordar o outro implementando um discurso onde absolutamente nada seja dito... ou revelado. Ou, talvez tenha realmente tudo sido dito revelando assim a ineficácia ou incapacidade de tomar medidas quando as mesmas são necessárias e urgentes...
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