Juan de los Muertos de Alejandro Brugués é a longa-metragem cubana que saiu vencedora da última cerimónia dos Goya da Academia Espanhola de Cinema com o prémio para Melhor Filme Ibero-Americano, bem como triunfou o ano passado no Fantasporto ao arrecadar os prémios de Melhor Actor (Alexis Díaz de Villegas) e Melhor Argumento.
Encontramo-nos em Havana, em Cuba, nos dias em que uma misteriosa e suspeita revolução está prestes a eclodir no país quando uma estranha epidemia começa a alastrar pelos habitantes da cidade transformando-os em mortos-vivos sedentos da carne humana daqueles que ainda têm sangue quente a percorrer as suas veias.
É então que conhecemos Juan (Villegas), um simpático e pacato homem que se aproveita da situação para poder ganhar a sua vida, mesmo numa situação tão adversa onde, através do slogan "matamos os seus entes queridos", resolve eliminar todos aqueles que se converteram em infectados, formando não só uma curiosa equipa de exterminadores com alguns dos seus amigos como também fortuna num país que está à beira de um caos humanitário, ao mesmo tempo que se desconhece a sua origem e aquilo que resta do governo insiste em dizer que são "dissidentes pagos pelos Estados Unidos".
Contra todas as expectativas Juan torna-se não só um inesperado herói como tenta, ao mesmo tempo, manter a sua filha em segurança e livrar as ruas de tão perigosos "dissidentes" com um apetite muito particular.
O argumento deste filme, escrito também por Alejandro Brugués, apresenta os sintomas típicos do género onde um grupo de amigos tenta sobreviver o melhor que pode numa cidade (e talvez num mundo) que já não são nada daquilo que em tempos conhecemos. Deixam as suas vidas mais ou menos confortáveis onde inclusivé, podem ter de eliminar amigos, familiares ou vizinhos que sempre conheceram sem pensar duas vezes. Existe também uma clara homenagem à fonte de inspiração deste filme, ou seja, para com Shaun of the Dead, colocando a personagem principal em evidência, e destacando assim aquele que poderia ser o mais improvável dos heróis mas que, numa situação dita de crise se evidencia dos demais marcando invariavelmente a sua presença. Aqui Juan, um tipo melancólico e introspectivo, relativamente novo mas desgastado pela sua vida desinteressante e marcadamente pobre que de pescador de ocasião passa para uma vida de esquemas ocasionais de forma a sobreviver às dificuldades que lhe são apresentadas, nomeadamente o ter de sustentar uma filha de uma relação que já havia terminado.
Sempre acompanhado pelo seu melhor amigo Lázaro (Jorge Molina) que funciona como um bom contrapeso com o ambiente apocalíptico, este evidencia uma comédia mordaz e muito bem disposta que funciona na medida certa para o ambiente esperado deste filme, Juan encontra nesta situação a ocasião perfeita para se reconciliar com a sua própria vida e para com aqueles que, a seu ver, foi deixando para trás, nomeadamente Camila (Andrea Duro), a filha com quem poucos laços afectivos parece manter, e que tenta assim recuperar antes que a vida, ou a morte, os separe definitivamente.
Este invulgar grupo de sobreviventes é ainda composto por Vladi (Andros Perugorría), o filho de Lázaro e o casal gay El Primo (Eliecer Ramírez) e La China (Jazz Vilá), sendo estes dois últimos aqueles que assumidamente controlam a comédia ao longo de todo o filme, e que constituem um forte e memorável conjunto de actores secundários de um filme de terror que, para além da sua "função tradicional" de serem esquartejados ao longo da trama, são eles próprios peças fundamentais para que esta se leve a bom porto. "El Primo" é um tipo forte, alto e musculado capaz de combater tudo e todos sem grande esforço mas, ao mesmo tempo, tem uma fraqueza que é capaz de o tornar na vítima perfeita ao desmaiar cada vez que vê uma gota de sangue tornando-o por isso vulnerável num mundo infestado de mortos-vivos sedentos do mesmo, enquanto "La China" interpreta um certo estereótipo gay que em vez de funcionar como um certo cliché do mesmo, ajuda a contribuir para muito do bom humor e boa disposição que o filme acaba por ter, tendo assim Vilá uma das personagens mais fortes e memoráveis de todo o filme.
Apesar de não ser claramente a ideia principal deste filme, ao vê-lo é impossível que não encontremos e identifiquemos uma mensagem política mais ou menos escondida quer nas acções dos personagens ou até mesmo na forma como o "governo" encara esta ameaça. Se por um lado todos percebem o pânico que se vive nas ruas onde os humanos deixaram de o ser e os sobreviventes vão ao pouco perdendo os amigos e familiares que lhes restam, não é menos verdade que os constantes relatos do governo insistem em referir que nada de grave se passa além de um grupo de dissidentes que pretende espalhar o caos e o terror pagos pelo vizinho mais a norte. No entanto, a mensagem social é bem mais evidente do que qualquer outra e podemos encontrá-la nas próprias personagens, começando pelo protagonista "Juan" que tenta sobreviver num mundo que não lhe tem sido particularmente fácil, e que à custa de ocasionais biscates ou negócios menos lícitos vai sobrevivendo tentando manter sempre a sua dignidade. "Vladi California", o próprio nome da personagem o denuncia, que expressa uma vontade de viver onde ninguém tenha conhecimento de Cuba, de Castro ou do socialismo que governa o país, mas esta mensagem social ganha ainda um contorno mais marcante quando verificamos os milhares de "dissidentes" (ou mortos-vivos), ao longo da avenida que cruza o oceano como se estivessem à espera de uma forma de poder partir e não voltar àquela que é a sua ilha, vagueando sem um destino ou um propósito certos.
Sem perder a essência de um filme de mortos-vivos, Juan de los Muertos consegue unir um conjunto de carismáticas personagens que não se atropelam no seu drama ou mesmo na sua comédia, complementando-se e compondo um elenco coeso e sólido que nos conquista pelas suas próprias personalidades e que aos poucos conseguem criar uma certa nostalgia... todos eles pretendem fugir mas sabem que nenhum outro local será como a sua casa... a sua ilha... a sua Cuba fazendo com que, ao mesmo tempo, sem termos grandes ou demorados planos de batalhas que oponham sobreviventes aos ditos "dissidentes" ou uma caracterização grotesca (que não deixa de o ser) em grandes planos, este filme consegue ser um exemplar muito interessante e dinâmico do género que merece ser visto e revisitado pois, para além do mundo "hispano-hablante" não teve grande difusão constituindo assim uma perda significativa para os amantes do género.
E mesmo que não seja a referência máxima do género, Juan de los Muertos vale pelo principal que se centra na excelente dinâmica e química que o grupo de actores consegue criar entre si e que nos conquista desde o primeiro instante... mesmo que sejam personagens "já vistas" em dezenas de outras produções do género. Aqui, eles conseguem reinventar-se com génio e muito humor.
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7 / 10
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