sábado, 9 de novembro de 2013

La Vénus à la Fourrure (2013)

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Vénus de Vison de Roman Polanski foi o filme que no Centro de Congressos do Estoril serviu de abertura ao Lisbon & Estoril Film Festival que se prolonga até ao próximo dia 18 de Novembro.
Depois de um dia passado em audições para uma nova peça de teatro, Thomas (Mathieu Amalric) lamenta-se ao telefone sobre a falta de qualidade e de perfil das actrizes que recebeu. Quando se prepara para regressar a casa surge Vanda (Emmanuelle Seigner), uma actriz de escasso curriculum que impressiona pela negativa graças à sua excessiva "presença" e energia ofuscante.
Vulgar muito perto do ordinário e aparentemente com poucos conhecimentos e boas maneira, Vanda é o modelo de tudo aquilo quanto Thomas repudia e, como tal, ele desespera pelo momento em que lhe possa virar as costas e esquecer tudo aquilo que aquele dia lhe trouxe, mas é quando resolve dar-lhe a oportunidade que ela tanto pediu que ele vê finalmente surgir diante dos seus olhos a pessoa perfeita em modos, comportamentos e acessórios para encarnar a sua personagem principal. É então num misto de didicação e sedução obsessiva que esta audição ganha contornos bem mais sérios e reveladores do carácter de ambos que se transforma radicalmente.
Polanski e David Ives adaptam ao cinema a peça deste último que, por sua vez, é uma adaptação do romance homónimo de Leopold von Sacher-Masoch onde somos presenteados com uma história a duas vozes sobre o poder, a dominação e a humilhação do "eu" sobre o "outro".
Toda esta trama ocorre dentro de um teatro semi-abandonado numa Paris cinzenta e chuvosa onde "Thomas" desespera por uma actriz que não consegue encontrar, e cedo percebemos que o seu discurso segue o rumo da culpa e da fraca capacidade da "mulher" (de uma forma geral) em conseguir interpretar tão nobres sentimentos e conhecimentos como aqueles que a sua personagem deverá conseguir. É a este mesmo teatro que chega uma aparentemente frágil e vulgar "Vanda" que desespera por um trabalho pago que compensa uma suposta vida de martírio e de dificuldades que tem assim ultrapassar. Se por um lado nos parece uma mulher frágil e pouco educada, não é menos verdade que tudo parece apontar para que ela tenha mais por revelar do que aquilo que nos entrega voluntariamente. E é desta forma que aos poucos se revela parecendo ter, a cada instante que passa, um novo elemento para adensar e firmar a sua importância para a dinâmica que estabelece para com "Thomas".
É esta mesma dinâmica que se revela como uma relação de dominador (ele) para com dominado (ela) e, como tal, uma demonstração do poder do primeiro (alguém que tem a última palavra na atribuição ou não de um trabalho remunerado), para com o segundo (uma mulher que não tendo muitos recursos e que vive a sua vida num constante limbo onde alterna de trabalho em trabalho), que aos poucos se transforma sem que os mesmos percebam. Transformação essa que lentamente começa a inverter os papéis e a demonstrar que "Vanda" é muito mais do que aquilo que ela permitiu que "Thomas", e o público na sua pessoa, percebem do seu carácter.
E se inicialmente esta mulher é o protótipo de algo imperfeito, inculto e "menor" perante um homem que a quer ter como um ser seu inferior, não é menos verdade que aos poucos é ele próprio que se mostra vítima do seu preconceito e da sua falsa noção de superioridade ao demonstrar que cai lentamente na teia que ela permitiu que ele tecesse, mostrando assim ser ele a única pessoa capaz de interpretar a personagem que havia escrito para ela não com base na sua vontade mas sim com base nas ideias e sugestões que ela, aos poucos, demonstra ser capaz de fazer controlando assim todos os passos seguintes a dar e que é capaz de o subjugar à mesma condição que ele anteriormente queria que lhe correspondesse a ela, num conjunto de mordazes e corrosivos diálogos que Seigner e Amalric interpretam com uma vitalidade e química sem limites ao ponto de desmontarem as próprias noções de homem e mulher, de dominador e de dominado e sobretudo do poder e de quem o detém. Tudo, no final, uma questão de momento e oportunidade que ambos (ou um mais do que o outro) conseguem recriar.
Destaque ainda para os pequenos detalhes dos ensaios teatrais entre "Thomas" e "Vanda" que nos levam ao ponto de escutarmos os sons que rodeiam todo o palco desde a colher que mexe o chá, os gestos efectuados para vestir a roupa ou até mesmo uma folha de papel que se dobra e assina fazendo-nos assim acreditar que todo aquele cenário minimalista (não esquecer que nos encontramos num teatro e mais concretamente no seu palco) é apenas uma pequena parte complementada com o poder da nossa imaginação que reconstitui aquilo que não vendo conseguimos escutar e fazer crer que acontece diante do nosso olhar.
"Deus faz mal ao homem pela mão da mulher", assim começou este filme e de certa forma assim o termina sendo que, no entanto, é o próprio homem que faz mal a si próprio utilizando para a sua sobrevivência e "estatuto", pequenos pré-conceitos que (re)cria e pelos quais se deixa guiar considerando a mulher que o acompanha como um elo mais fraco no seio da relação. É então que esta, utilizando o menosprezo que lhe é atribuído, sobrevive, conquista e domina uma relação que estava, à partida, perdida.
Se a química entre Seigner e Amalric é de tal forma evidente que sustém todo o filme sem ser preciso nada mais à sua volta para nos fazer atrair qualquer outro sentido que não o visual, não é menos verdade que existem pequenos grandes elementos que transformam este filme num dos mais bem elaborados de Polanski dos últimos anos, nomeadamente a sua música original pelas mãos de um sempre magífico Alexandre Desplat e que certamente verá a sua composição nomeada ao César da Academia Francesa de Cinema, assim como a direcção de fotografia de Pawel Edelman que nos faz concentrar desde o primeiro instante nos dois actores quase ignorando tudo o resto que existe ao seu redor mas sabendo, no entanto, que tudo está onde deve estar, sem esquecer o segmento inicial onde percorremos um pequeno caminho de uma sombria avenida que nos faz adivinhar que a acção está prestes a começar... e com razão.
Não poderia imaginar outra forma de começar a edição deste ano do Lisbon & Estoril Film Festival do que com uma obra maior como esta que, longe de ser necessária a confirmação, o faz a Polanski como um cineasta maior e que aqui, uma vez mais, se faz acompanhar de dois pesos pesados do cinema francês e Europeu.
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8 / 10
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