Bruxas e Outras Loucas de Álex de la Iglesia foi o filme de abertura desta nova edição do Cine Fiesta que decorre no Cinema São Jorge, em Lisboa e a mais recente obra do realizador de La Comunidad.
José (Hugo Silva) e Antonio (Mario Casas) assaltam uma loja de compra e venda de ouro em Madrid. Quando o assalto é dnunciado, fogem no táxi de Manuel (Jaime Ordóñez) rumo a França passando primeiro por terras de Zugarramurdi onde se deparam com Maritxu (Terele Pávez), Eva (Carolina Bang), Graciana (Carmen Maura) e um muito curioso conjunto de mulheres da região.
Jorge Guerricaechevarría e de la Iglesia assinam um argumento que desde o primeiro instante não é inocente. Não só com a primeira reunião de mulheres com que o filme se inicia como principalmente pelos créditos iniciais, o espectador assiste a um conjunto de influentes mulheres ao longo da História - ou pelo menos a sua representação enquanto tal - que nos fazem adivinhar que o sexo dito fraco afinal nunca o foi. Influentes, ainda que muitas delas na sombra do silêncio, estas mulheres ocuparam ao longo da História posições de destaque ainda que, muitas delas, o fizessem escondidas pelo preconceito que rodeava a presença de uma mulher no poder. Preconceito esse que faz de Zugarramurdi o expoente máximo da perseguição à mulher ou não fosse esta a terra onde no século XVII várias foram condenadas à fogueira por prática de bruxaria.
Mais recentemente, felizmente já longe desse preconceito, a mulher apresenta-se como um símbolo de força e poder nas suas mais diversas aparições. Temo-lo logo de início com a namorada de "Antonio" - uma poderosa e determinada advogada - com "Silvia" (Macarena Gómez) - ex-mulher de "Jose" e determinada (talvez não competente) enfermeira - ou já em Zugarramurdi com as três bruxas protagonistas e todas as suas demais companheiras de "guerra". Temos essa posição de força e determinação inclusive nas personagens interpretadas por Santiago Segura e Carlos Areces - "Miren" e "Conchi" - que, sem serem mulheres na prática, são duas curiosas bruxas que encontraram no dito "sexo fraco" o símbolo do seu próprio poder (e quem nunca ouviu falar em bruxas transformistas, tem em Las Brujas de Zugarramurdi o seu expoente máximo).
Se os dois argumentistas nos fazem então pensar sobre o poder e o seu exercício - bom e mau - isto é, será ele melhor exercido nas mãos de um homem ou de uma mulher, não é menos verdade que com os créditos iniciais em que vislumbramos as imagens de Merkel e Thatcher, cedo percebemos que "as bruxas" - ditas entidades do mal - que se assumem como as únicas capazes de comandar todos a bom porto mais não são do que, também elas, veículos potencialmente falíveis que, também elas, apenas irão olhar para o próprio umbigo e, como tal, igualmente corrompíveis... Afinal, todos nós percebemos as condições físicas e psicológicas a que relegam todos os homens com quem "convivem", nomeadamente o "Inadaptado Social" (Enrique Villén) e "Luismi" (Javier Botet).
No entanto não é só de poder mas também da sociedade que trata Las Brujas de Zugarramurdi, ou seja, toda a acção começa numa Madrid abafada pela sua própria velocidade com uma acentuada crise de valores - e/ou moral - que se esquece de uma população mais desprotegida. Quem se lembra de todos aqueles animadores de rua que lutam por (sobre)viver? Quem sequer dá pela presença deles até que alguém tome a sua "identidade"? Mas, mais importante ainda, quem presta realmente atenção aos mais variados estabelecimentos que existem em todas as ruas das nossas cidades e que representam, muitos deles, os símbolos de uma decadência moderna e que, no caso das lojas de compra e venda de ouro, são disso o símbolo mais actual? É nestas pequenas lojas que nas mais variadas cidades um conjunto de cidadãos se desfaz dos seus últimos e preciosos bens a um ritmo diário. Desfazem-se dos mesmos como forma de poderem sobreviver e resistir pelo menos mais um dia, ou até mesmo pagar uma última conta que apareceu e que precisa ser saldada.
O mesmo ouro que podendo significar tanto para alguém - pelo seu valor afectivo enquanto bem que passa de geração em geração - representa apenas e só um número ou um valor para aqueles que o compram e retêm - despojando os primeiros -, ao qual é aqui dada a conotação de elo de ligação para a chegada de um mal anunciado. Como "Graciana" diz algures no tempo "o ouro representa a dor de uma sociedade" ou como refere "Maritxu" já bem perto do final que "vivem felizes com a casa, o carro, o jardim, o cão e os filhos mas quando acordarem voltam a nós" ( sendo "nós" a velha ordem) e, como tal, é o ouro o veículo para que esta mude e dê origem a uma nova ordem.
À semelhança do que já sucedera com El Día de la Bestia (1995), La Comunidad (2000), Balada Triste de Trompeta (2010) ou La Chispa de la Vida (2011), Las Brujas de Zugarramurdi não é apenas mais uma excêntrica longa-metragem de comédia à qual Álex de la Iglesia decidiu dar vida mas sim mais uma que retrata de forma crua - mas risível - a essência de cada um de nós... o desdém, a ignorância, os preconceitos, as crises (sociais, económicas e culturais), os medos primitivos e as noções básicas que temos e fazemos sobre os outros e principalmente sobre nós próprios.
Com um conjunto de actores - e técnicos - já nossos conhecidos onde se destacam actrizes e actores de estimação de Iglesia - Pávez, Maura, Bang, Villén e Segura - o realizador rodeou-se ainda de um conjunto de mediáticos actores como a brilhante Macarena Goméz como uma mulher e mãe à beira do abismo, Javier Botet aqui num registo um pouco mais simpático do que a "Niña de Medeiros" de [REC] ou Hugo Silva e Mario Casas a quem atribuiu os desempenhos protagonistas de Las Brujas de Zugarramurdi e que funcionam como os redutos máximos da comédia numa história que é bem mais séria do que aparenta. Excêntricas como já é de seu hábito, Iglesia cria um conjunto de personagens maiores do que a própria vida que denotam uma clara existência paralela com sonhos e desejos maiores do que aqueles possíveis de concretizar "nesta vida" e, pelo menos, pelos próprios, e independentemente de alguns serem o rosto mais ou menos óbvio do "mal", o espectador é incapaz de não nutris uma clara empatia pelas mesmas porque, no fundo, todos sabemos que a razão está dividida entre todas elas e existe um pouco de nós naquilo que pretendem retratar. No fundo, ter medo de quem? De uma figura mitológica - a bruxa - que existirá ou não... ou naqueles que nos rodeiam e como diz "Maritxu" devem sim ser aqueles de quem temos medo real?
Com uma música original de Joan Valent típica e à medida da excêntricidade da história - e suas personagens - e uma direcção de fotografia de Kiko de la Rica capaz de transformar este filme negro num ambiente ora gótico ora moderno, não ficaria espantado se Las Brujas de Zugarramurdi não alcançasse algumas nomeações aos Goya - prémios da Academia Espanhola de Cinema - e finalmente uma justa vitória de Terele Pávez que ainda não detém nenhum dos referidos troféus.
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"Maritxu: A mi las brujas no me dan miedo... Los que me dan miedo son los hijos de puta."
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9 / 10
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