Só os Amantes Sobreviveram de Jim Jarmusch exibido ontem no Lisbon & Estoril Film Festival numa estreia absoluta no país com apresentação de Paulo Branco e de Yasmine Hamdan que tem uma breve participação no mesmo, conta-nos a história de dois seres errantes.
Adam (Tom Hiddleston) é um lenda rock que desaparecera misteriosamente sem deixar qualquer rasto na cidade de Detroit. Eve (Tilda Swinton), é a sua enigmática e algo excêntrica mulher que povo as ruas de uma igualmente misteriosa Tânger. Aquilo que os diferencia dos demais é que percorrem as ruas das mais diversas cidades há largos séculos tal como, aliás, os seus nomes deixam suspeitar.
Com o avançar dos anos a tornar-se cada vez mais desgastante e mórbido face à situação em que o planeta e os zombies, nome que dão aos Humanos, parecem encarar a sua própria existência, Adam sente-se cada vez mais desinteressado para com esta sua permanência e mostra a sua frustração que é apenas colmatada pela música que continua a compôr e pela qualidade dos instrumentos musicais que continua a coleccionar. É então que Eve decide visitá-lo e reencontrarem-se apenas anos de afastamento meramente físico.
Jarmusch, também ele autor deste argumento entrega ao espectador uma interessante, e bastante apelativa história sobre dois seres que cruzaram as mais diversas épocas. Desde o princípio dos tempos, com algumas alusões biblícas como o próprio nome das suas personagens nos deixa adivinhar, percebemos que passaram pela Idade Média, pelo Renascimento e valorização do indivíduo e que cruzaram todo o século XX como se fosse (e foi) aquele que realmente transformou a condição do Homem naquilo que hoje conhecemos (ou esperamos) dela.
No entanto, não é menos verdade que é esta mesma reflexão que "Adam" faz sobre o mundo em que vive e da degradação que se acentuou com o passagem do próprio tempo que o leva a questionar se continuará a justificar-se a sua permanência no mesmo ao ponto de equacionar uma forma dele desaparecer. É neste preciso momento que a sua dinâmica com "Eve" se transforma passando de algo virtual, símbolo dos tempos modernos onde o contacto humano é cada vez mais uma memória levada pelo tempo, para algo mais físico e palpável entre o casal, o qual percebemos viver de uma química intensa e muito presente na interacção entre ambos. Sabemos que os anos passaram mas o sentimento presente entre os dois é tão intenso tal como se se tivessem deixado de ver apenas há minutos. Se a depressão que percebemos afectar "Adam" se deve essencialmente à degradação com que os tais zombies humanos trataram ao longo dos tempos toda a civilização à sua volta, não é menos verdade que esta também se deve a uma ausência de "Eve" com quem forma o casal mais emblemático da História e com quem tem uma dinâmica muito particular cultivando assim o amor que a ambos une.
Swinton e Hiddleston são o par perfeito detentor de uma rica dinâmica que nos seduz ao ponto de querer que todos os instantes do filme sejam por eles preenchidos. Fugindo a um tradicional filme de vampiros cujo intuito primeiro é cativar um público adolescente, Only Lovers Left Alive é um filme onde sim, temos vampiros, mas que nos leva numa viagem sobre a transformação do mundo e da sociedade, da busca de valores ou falta deles e da mudança nem sempre positiva que caracterizaram as diferentes eras sob o olhar deste par que as atravessou basicamente todas sem, no entanto, perder nada da sua essência e so seu instinto cool que os fez aproximar e conviver com as grandes mentes que firmaram nome da História.
Exemplo disto são os referidos Newton, Lord Byron, Mark Twain, Buster Keaton ou Mozart sem esquecer Shakespeare que, segundo reza a lenda, havia ficado com os créditos das obras de Christopher Marlowe, um escritor seu contemporâneo, e que aqui nos é apresentado por um intenso John Hurt, também ele vampiro nos últimos dias da sua amargurada, mas bem vivida, existência.
Todos eles partilham uma característica enquanto observadores da evolução e da mudança. Todos privaram com os grandes que recordam incansavelmente com saudade. Afinal, o que será poder viver eternamente quando todos aqueles com quem partilhámos momentos especais e íntimos já partiram? Como será viver a dor e a mágoa que deixam anos e anos sem fim apenas recordando aquilo que com o passar dos tempos se torna uma entre muitas memórias que se guardam? Como será nunca mais poder privar com eles sabendo que o destino é apenas o poder eventualmente conhecer outros génios que marquem a História? É este mesmo sentimento que marca "Adam"... a eterna errância num mundo que outrora fora perfeito mas que as suas constantes transformações mostram que essa perfeição mais não é do que efémera... um momento. Um momento distinto que apenas pode ter consequências na sua vida. Como viver num mundo onde tudo aparenta degradar-se e as referências desaparecem sem ser respeitadas? Onde a vontade de viver suplanta o respeito pela arte, pela individualidade ou até mesmo pelo bom gosto. O mundo parece enclausurá-lo numa prisão de porta aberta mas da qual não sente vontade de sair, recolhendo-se no seu espaço onde conserva as últimas obras de uma arte que sempre o completou como se se tratassem de tesouros que jamais poderiam ser perdidos tendo como seu único companheiro um jovem "Ian" (Anton Yelchin) que com ele partilha a paixão pela música sendo que, no entanto, enquanto um o faz pelo amor que tem a essa mesma arte o outro a ela se dedica não só pelas elevadas quantias de dinheiro que recebe mas também pela possibilidade de privar com alguém que reconhece ser um entendedor no assunto.
É quando Adam e Eve se reencontram que percebemos que os anos podem ter passado mas apenas naquilo que os rodeia. No fundo o mundo alterou-se... guerras aconteceram e os movimentos cívicos mostram uma realidade diferente daquele que em tempos conheceram. Mas, no entanto, são os passeios que ambos efectuam durante a noite à descoberta de uma Detroit deserta e praticamente abandonada, que em tempos idos conheceram vibrante, que percebemos que existe uma mensagem subliminar que Jarmusch decide referir. A crise não foi só nos comportamentos humanos que se degradam ao infectar a água que consomem ou o sangue de que Adam e Eve precisam para se alimentar, mas sim uma crise que afecta também os seus comportamentos e a sua moral, uma crise económica que lançou uma outrora próspera cidade num vazio sem vida, cor ou luz permacendo assim, também ela, como uma memória do que em tempos teria sido, apenas presente nas recordações daqueles que por ela passaram décadas atrás mantendo assim um aspecto tão fantasmagórico como aquele que os próprios mantêm quando reflectem sobre aquilo que em tempos foi a sua vida social. Quão cansado pode estar ele de vaguear pela eternidade quando tudo aparenta ser simplesmente diferente especialmente se pensarmos que eles, no fundo, já viram tudo?!
Por sua vez Swinton tem uma interpretação contrariamente a Hiddleston, que se pode considerar afectuosa na medida em que demonstra, com todos os seus pequenos passos, estar preocupada com o bem-estar daqueles com quem priva. Sejam os seus amigos ou a sua marginal irmã Ava (Mia Wasikowska), mas muito em particular com "Adam" que ama e com quem viu (vê) o mundo. A dinâmica entre ambos complementa-os. Um sem o outro seriam impossíveis de imaginar e sabemos que independentemente do que aconteça apenas em conjunto conseguem sobreviver pois só nos resta pensar no quão solitário pode ser vaguear pelo mundo durante séculos onde tudo o que conhecemos irá, eventualmente, desaparecer.
Tecnicamente Only Lovers Left Alive é um filme sedutor desde a própria caracterização das suas personagens, muito concretamente de Swinton e de Hiddleston que demonstram estar sempre actuais no mundo em que vivem independentemente da épica em que se encontrem e de uma pereita junção da música original de Jozef van Wissem que com a direcção de fotografia de Yorick Le Saux recria uma atmosfera que tem tanto de vibrante como de nostálgico e suficientemente cool para nos fazer querer estar ali.
Sem estreia ainda marcada para Portugal e mantendo a sua circulação basicamente por um conjunto de festivais internacionais de cinema, Only Lovers Left Alive é assumidamente um filme intenso e de que gostamos sem reservas que se afasta dos lugares comuns a que a temática tantas vezes nos transporta e que graças às suas opostas mas electrizantes interpretações nos cativa e fascina mostrando que Swinton é uma das melhores actrizes do momento e que Hiddleston é um grande actor capaz de se afirmar quando tem em mãos grandes personagens para poder interpretar.
.Swinton e Hiddleston são o par perfeito detentor de uma rica dinâmica que nos seduz ao ponto de querer que todos os instantes do filme sejam por eles preenchidos. Fugindo a um tradicional filme de vampiros cujo intuito primeiro é cativar um público adolescente, Only Lovers Left Alive é um filme onde sim, temos vampiros, mas que nos leva numa viagem sobre a transformação do mundo e da sociedade, da busca de valores ou falta deles e da mudança nem sempre positiva que caracterizaram as diferentes eras sob o olhar deste par que as atravessou basicamente todas sem, no entanto, perder nada da sua essência e so seu instinto cool que os fez aproximar e conviver com as grandes mentes que firmaram nome da História.
Exemplo disto são os referidos Newton, Lord Byron, Mark Twain, Buster Keaton ou Mozart sem esquecer Shakespeare que, segundo reza a lenda, havia ficado com os créditos das obras de Christopher Marlowe, um escritor seu contemporâneo, e que aqui nos é apresentado por um intenso John Hurt, também ele vampiro nos últimos dias da sua amargurada, mas bem vivida, existência.
Todos eles partilham uma característica enquanto observadores da evolução e da mudança. Todos privaram com os grandes que recordam incansavelmente com saudade. Afinal, o que será poder viver eternamente quando todos aqueles com quem partilhámos momentos especais e íntimos já partiram? Como será viver a dor e a mágoa que deixam anos e anos sem fim apenas recordando aquilo que com o passar dos tempos se torna uma entre muitas memórias que se guardam? Como será nunca mais poder privar com eles sabendo que o destino é apenas o poder eventualmente conhecer outros génios que marquem a História? É este mesmo sentimento que marca "Adam"... a eterna errância num mundo que outrora fora perfeito mas que as suas constantes transformações mostram que essa perfeição mais não é do que efémera... um momento. Um momento distinto que apenas pode ter consequências na sua vida. Como viver num mundo onde tudo aparenta degradar-se e as referências desaparecem sem ser respeitadas? Onde a vontade de viver suplanta o respeito pela arte, pela individualidade ou até mesmo pelo bom gosto. O mundo parece enclausurá-lo numa prisão de porta aberta mas da qual não sente vontade de sair, recolhendo-se no seu espaço onde conserva as últimas obras de uma arte que sempre o completou como se se tratassem de tesouros que jamais poderiam ser perdidos tendo como seu único companheiro um jovem "Ian" (Anton Yelchin) que com ele partilha a paixão pela música sendo que, no entanto, enquanto um o faz pelo amor que tem a essa mesma arte o outro a ela se dedica não só pelas elevadas quantias de dinheiro que recebe mas também pela possibilidade de privar com alguém que reconhece ser um entendedor no assunto.
É quando Adam e Eve se reencontram que percebemos que os anos podem ter passado mas apenas naquilo que os rodeia. No fundo o mundo alterou-se... guerras aconteceram e os movimentos cívicos mostram uma realidade diferente daquele que em tempos conheceram. Mas, no entanto, são os passeios que ambos efectuam durante a noite à descoberta de uma Detroit deserta e praticamente abandonada, que em tempos idos conheceram vibrante, que percebemos que existe uma mensagem subliminar que Jarmusch decide referir. A crise não foi só nos comportamentos humanos que se degradam ao infectar a água que consomem ou o sangue de que Adam e Eve precisam para se alimentar, mas sim uma crise que afecta também os seus comportamentos e a sua moral, uma crise económica que lançou uma outrora próspera cidade num vazio sem vida, cor ou luz permacendo assim, também ela, como uma memória do que em tempos teria sido, apenas presente nas recordações daqueles que por ela passaram décadas atrás mantendo assim um aspecto tão fantasmagórico como aquele que os próprios mantêm quando reflectem sobre aquilo que em tempos foi a sua vida social. Quão cansado pode estar ele de vaguear pela eternidade quando tudo aparenta ser simplesmente diferente especialmente se pensarmos que eles, no fundo, já viram tudo?!
Por sua vez Swinton tem uma interpretação contrariamente a Hiddleston, que se pode considerar afectuosa na medida em que demonstra, com todos os seus pequenos passos, estar preocupada com o bem-estar daqueles com quem priva. Sejam os seus amigos ou a sua marginal irmã Ava (Mia Wasikowska), mas muito em particular com "Adam" que ama e com quem viu (vê) o mundo. A dinâmica entre ambos complementa-os. Um sem o outro seriam impossíveis de imaginar e sabemos que independentemente do que aconteça apenas em conjunto conseguem sobreviver pois só nos resta pensar no quão solitário pode ser vaguear pelo mundo durante séculos onde tudo o que conhecemos irá, eventualmente, desaparecer.
Tecnicamente Only Lovers Left Alive é um filme sedutor desde a própria caracterização das suas personagens, muito concretamente de Swinton e de Hiddleston que demonstram estar sempre actuais no mundo em que vivem independentemente da épica em que se encontrem e de uma pereita junção da música original de Jozef van Wissem que com a direcção de fotografia de Yorick Le Saux recria uma atmosfera que tem tanto de vibrante como de nostálgico e suficientemente cool para nos fazer querer estar ali.
Sem estreia ainda marcada para Portugal e mantendo a sua circulação basicamente por um conjunto de festivais internacionais de cinema, Only Lovers Left Alive é assumidamente um filme intenso e de que gostamos sem reservas que se afasta dos lugares comuns a que a temática tantas vezes nos transporta e que graças às suas opostas mas electrizantes interpretações nos cativa e fascina mostrando que Swinton é uma das melhores actrizes do momento e que Hiddleston é um grande actor capaz de se afirmar quando tem em mãos grandes personagens para poder interpretar.
8 / 10
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Filme interessante mas um bocado "passado".
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