Wakolda de Lucía Puenzo foi uma das aguardadas e justificadas boas surpresas que o Lisbon & Estoril Film Festival trouxe e que ontem tive a oportunidade de ver no Centro de Congressos do Estoril e que tem já um percurso interessante no seu historial considerando que é um dos filmes mais nomeados para os prémios da Academia de Cinema da Argentina, o filme seleccionado para representar o país ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro bem como aos Goya para o Melhor Filme Ibero-Americano.
Este filme começa nos desertos do sul da Argentina onde uma família se dirige para a casa que Eva (Natalia Oreiro) herdou da sua mãe e que pretende reabrir como uma pensão para as tranquilas férias junto das montanhas.
É neste viagem que numa inesperada paragem encontram um homem de uma aparente desconfortante calma a quem dão direcções para a cidade que procura mas que estranhamente se impõe junto da família e os acompanha na sua viagem desenvolvendo ao mesmo tempo uma invulgar empatia com Lilith (Florencia Bado), a filha mais nova do casa.
É mais tarde quando já instalados na sua nova casa que percebemos que este homem se tornou o seu mais próximo vizinho e que mais não é do que Josef Mengele (Àlex Brendemühl), o médico que desencadeou um conjunto de brutais experiências médicas no campo de concentração de Auschwitz durante a segunda guerra mundial.
Lucía Puenzo consegue com Wakolda recriar uma atmosfera que se sente tensa desde o primeiro instante e, não soubesse o espectador quem é a sua personagem principal, conseguiríamos de igual forma perceber que algo de tenebroso se encontrava por detrás do seu passado tal não é a vontade de se manter nas sombras que demonstra desde o início sendo que, no entanto, a curiosidade que a jovem "Lilith" desperta nele, faz reavivar a memória do monstro que nunca conseguira esquecer.
Assim, e por detrás de toda a trama que se adivinha como um retrato pós-guerra de monstro que nunca esqueceu o seu "trabalho", Puenzo entrega-nos também uma história paralela mas não menos importante onde nos é igualmente relatado o passado de uma Argentina nos anos seguintes ao conflito mundial nos quais o espectador fica a conhecer o silencioso envolvimento do país com uma boa parte dos criminosos de guerra que nele encontraram refúgio para escapar aos tribunais onde seriam julgados pelos seus crimes, e como existiu igualmente uma corlaboração silenciosa por boa parte daqueles que, sendo dali naturais, partilhavam um passado pessoal ou curricular comum com as doutrinas nazis propagandeadas durante os anos 30.
Brendemühl enquanto "Josef Mengele" é perfeito e possivelmente o maior triunfo de um filme que é, já de si, bastante positivo. Com um olhar que tem tanto de penetrante como de desconcertante, o espectador fica desde cedo hipnotizado pela sua violenta calma com que encara aqueles com quem se cruza, não pelo potencial auxílio que lhes poderia prestar mas sim pela capacidade que tem em seduzi-los com uma aparente calma fruto de um mórbido interesse em desconcertar os demais em favor dos seus estudos com seres humanos. Não existe um único momento nesta sua interpretação onde consigamos ter qualquer tipo de empatia para com a personagem (real) que representa sendo que, no entanto, por momentos pensamos que ele realmente está preocupado com as pessoas com quem se cruza. Na prática está, mas apenas por nelas ver uma perfeita cobaia para testar as suas teses assassinas e percebemos rapidamente que o desfecho das vidas daqueles com quem se cruza está longe de ser pacificado.
É todo este seu comportamento e principalmente a forma como seduz maliciosamente todas aquelas pessoas que nos remete para a forma cúmplice como muitos pactuaram com um regime louco e genocida quer pela forma como se adaptaram a costumes que rebaixavam o Homem pelo Homem como por um silêncio consentido para com estas mesmas acções e comportamentos que se cultivavam entre a comunidade desde uma tenra idade.
Florencia Bado como a jovem "Lilith", fruto da atenção incondicional e "Mengele", Natalia Oreiro como "Eva", a sua mãe e Elena Roger como "Nora", a fotógrafa infiltrada da Mossad na escola alemã compõem o trio feminino protagonista cada uma delas com o seu próprio trágico destino. Se a primeira nunca alcançou (que se conheça) a altura desejada e "perfeita" segundo os padrões defendidos por "Mengele", ocupando assim um tão importante protagonismo em toda esta história que a própria narra e que assume como a sua missão de denunciar os brutais crimes cometidos pelo menos, a segunda é o espelho de uma sociedade que conviveu e consentiu que o crime vivesse tranquilamente ao seu lado sem ser questionado ou denunciado assumindo-se assim como livre para poder continuar o seu próprio "trabalho". Elena Roger é, por sua vez, o rosto com quem queremos (e conseguimos) simpatizar. Aquela que desafia o monstro e arrisca, e perde, a sua própria vida para que este seja capturado e julgado... algo que nunca viria a acontecer, mas que enfrenta sem medo aquele que seria possivelmente o homem mais temido de todo o século XX colocando assim a sua própria vida em risco. Diego Peretti como "Enzo", o pai que descobre quem é o homem que vive na sua casa, é por sua vez o rosto da denúncia. Aquele que tendo inicialmente pactuado com alguém que o parecia querer ajudar se repulsa com a barbárie dos seus actos e do seu comportamento selvaticamente pacato, e todo o segmento em que "Mengele" lhe propõe actual como eu mecenas sob uma silenciosa condição de poder continuar a estudar a sua filha que resulta no despertar de "Enzo" sobre o "trabalho" efectuado pelo médico, é no mínimo desconcertante.
Tecnicamente tenho a destacar aquele que me parece ser o mais importante aspecto de todo este filme que se prende obrigatoriamente com a sua direcção de fotografia a cargo de Nicolás Puenzo que consegue não só recuperar o ambiente sombrio de um país que parecia querer viver na sombra mas também que no seio de pequenos meios onde tudo e todos se conheciam vivia uma exuberante comunidade fechada ao exterior e que escondia assim alguns dos maiores criminosos de guerra jamais conhecidos. Direcção de fotografia esta que consegue ao mesmo tempo transformar todo um semblante carregado dos intervenientes numa metáfora do seu próprio passado que, vivido com orgulho, escondia atrocidades e uma barbárie sem limite e que nos faz olhar para Brendemühl como se este actor fosse realmente o rosto reencarnado do mal.
Possivelmente não irá longe na corrida aos Oscars por ser um ano recheado de grandes obras na categoria do Filme Estrangeiro mas, ainda assim, não deixa de ser um muito bom e competente filme do género com que felizmente o Lisbon & Estoril Film Festival presenteou o seu público.
.Lucía Puenzo consegue com Wakolda recriar uma atmosfera que se sente tensa desde o primeiro instante e, não soubesse o espectador quem é a sua personagem principal, conseguiríamos de igual forma perceber que algo de tenebroso se encontrava por detrás do seu passado tal não é a vontade de se manter nas sombras que demonstra desde o início sendo que, no entanto, a curiosidade que a jovem "Lilith" desperta nele, faz reavivar a memória do monstro que nunca conseguira esquecer.
Assim, e por detrás de toda a trama que se adivinha como um retrato pós-guerra de monstro que nunca esqueceu o seu "trabalho", Puenzo entrega-nos também uma história paralela mas não menos importante onde nos é igualmente relatado o passado de uma Argentina nos anos seguintes ao conflito mundial nos quais o espectador fica a conhecer o silencioso envolvimento do país com uma boa parte dos criminosos de guerra que nele encontraram refúgio para escapar aos tribunais onde seriam julgados pelos seus crimes, e como existiu igualmente uma corlaboração silenciosa por boa parte daqueles que, sendo dali naturais, partilhavam um passado pessoal ou curricular comum com as doutrinas nazis propagandeadas durante os anos 30.
Brendemühl enquanto "Josef Mengele" é perfeito e possivelmente o maior triunfo de um filme que é, já de si, bastante positivo. Com um olhar que tem tanto de penetrante como de desconcertante, o espectador fica desde cedo hipnotizado pela sua violenta calma com que encara aqueles com quem se cruza, não pelo potencial auxílio que lhes poderia prestar mas sim pela capacidade que tem em seduzi-los com uma aparente calma fruto de um mórbido interesse em desconcertar os demais em favor dos seus estudos com seres humanos. Não existe um único momento nesta sua interpretação onde consigamos ter qualquer tipo de empatia para com a personagem (real) que representa sendo que, no entanto, por momentos pensamos que ele realmente está preocupado com as pessoas com quem se cruza. Na prática está, mas apenas por nelas ver uma perfeita cobaia para testar as suas teses assassinas e percebemos rapidamente que o desfecho das vidas daqueles com quem se cruza está longe de ser pacificado.
É todo este seu comportamento e principalmente a forma como seduz maliciosamente todas aquelas pessoas que nos remete para a forma cúmplice como muitos pactuaram com um regime louco e genocida quer pela forma como se adaptaram a costumes que rebaixavam o Homem pelo Homem como por um silêncio consentido para com estas mesmas acções e comportamentos que se cultivavam entre a comunidade desde uma tenra idade.
Florencia Bado como a jovem "Lilith", fruto da atenção incondicional e "Mengele", Natalia Oreiro como "Eva", a sua mãe e Elena Roger como "Nora", a fotógrafa infiltrada da Mossad na escola alemã compõem o trio feminino protagonista cada uma delas com o seu próprio trágico destino. Se a primeira nunca alcançou (que se conheça) a altura desejada e "perfeita" segundo os padrões defendidos por "Mengele", ocupando assim um tão importante protagonismo em toda esta história que a própria narra e que assume como a sua missão de denunciar os brutais crimes cometidos pelo menos, a segunda é o espelho de uma sociedade que conviveu e consentiu que o crime vivesse tranquilamente ao seu lado sem ser questionado ou denunciado assumindo-se assim como livre para poder continuar o seu próprio "trabalho". Elena Roger é, por sua vez, o rosto com quem queremos (e conseguimos) simpatizar. Aquela que desafia o monstro e arrisca, e perde, a sua própria vida para que este seja capturado e julgado... algo que nunca viria a acontecer, mas que enfrenta sem medo aquele que seria possivelmente o homem mais temido de todo o século XX colocando assim a sua própria vida em risco. Diego Peretti como "Enzo", o pai que descobre quem é o homem que vive na sua casa, é por sua vez o rosto da denúncia. Aquele que tendo inicialmente pactuado com alguém que o parecia querer ajudar se repulsa com a barbárie dos seus actos e do seu comportamento selvaticamente pacato, e todo o segmento em que "Mengele" lhe propõe actual como eu mecenas sob uma silenciosa condição de poder continuar a estudar a sua filha que resulta no despertar de "Enzo" sobre o "trabalho" efectuado pelo médico, é no mínimo desconcertante.
Tecnicamente tenho a destacar aquele que me parece ser o mais importante aspecto de todo este filme que se prende obrigatoriamente com a sua direcção de fotografia a cargo de Nicolás Puenzo que consegue não só recuperar o ambiente sombrio de um país que parecia querer viver na sombra mas também que no seio de pequenos meios onde tudo e todos se conheciam vivia uma exuberante comunidade fechada ao exterior e que escondia assim alguns dos maiores criminosos de guerra jamais conhecidos. Direcção de fotografia esta que consegue ao mesmo tempo transformar todo um semblante carregado dos intervenientes numa metáfora do seu próprio passado que, vivido com orgulho, escondia atrocidades e uma barbárie sem limite e que nos faz olhar para Brendemühl como se este actor fosse realmente o rosto reencarnado do mal.
Possivelmente não irá longe na corrida aos Oscars por ser um ano recheado de grandes obras na categoria do Filme Estrangeiro mas, ainda assim, não deixa de ser um muito bom e competente filme do género com que felizmente o Lisbon & Estoril Film Festival presenteou o seu público.
9 / 10
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