Heshtje de Bekim Guri é uma magnífica curta-metragem kosovar que felizmente não deixa cair no esquecimento um dos mais recentes e trágicos acontecimentos que assolaram o continente europeu, ou seja, o último conflito bélico que marcou o início do processo de independência do Kosovo no final do século XX.
Enquanto escutamos alguns ruídos de sofrimento, um homem (Bislim Muçaj) espreita pela madeira partida do vagão de um comboio em que se encontra. Abraça a sua filha enquanto dezenas de outras pessoas partilham com ele o mesmo espaço. Lá fora vemos soldados a brutalizar e assassinar um grupo de civis que se amontam ao lado de vários corpos já sem vida.
Quando o sofrimento e a humilhação parecem ser o único destino em vida, será a morte uma escolha para deles escapar?
É com esta premissa na sua base que entramos numa intensa curta-metragem que em apenas escassos seis minutos consegue transmitir ao espectador todo o horror de uma guerra. Os instantes em que nós próprios somos inseridos dentro daquela carruagem fazem-nos recordar muitos documentários ou histórias contados de tempos idos em que judeus, aqui os kosovares, sobreviventes destes mesmos conflitos eram transportados para os campos de extermínio apenas e só pela sua religião ou aqui, pela sua etnia ser "indesejada". O extermínio, a dor e o sofrimento da deslocação forçada e onde a vida é ameaçada a cada instante por todos e nenhuns motivos são aqui retratados com uma veracidade assustadora e que a mim, muito em concreto, me fazem recordar as histórias que largas dezenas de refugiados que passaram por Portugal contaram das suas traumáticas experiências aquando da sua fuga da sua terra.
Bekim Guri, que com Heshtje (silêncio) mostra que do mesmo tem muito pouco, consegue ser aliás bem ruidoso com o seu relato sobre a "(des)" humanidade do Homem e, como seu oposto, consegue igualmente retratar a maior prova de amor dada de um pai para uma filha como forma de a poupar a um trágico destino optando ficar ele próprio com as sequelas deste acontecimento, naquela que é uma exemplar interpretação de Bislim Muçaj e igualmente um intenso testemunho sobre uma Europa que por vezes mostra o seu pior.
Emocionante por nos conseguir entregar uma prova sobre o nosso passado colectivo recente mas ao mesmo tempo intensa e capaz de provocar calafrios por nos relatar o quão despertos estão velhos fantasmas sobre esse mesmo passado comum, espero que esta curta-metragem tenha ainda um longo futuro de divulgação pela frente e que o realizador Bekim Guri nos consiga maravilhar com histórias que, tal como esta, continuem a retratar os traumáticos acontecimentos que a nossa Europa tem vindo a testemunhar ao longo das décadas e que sejam assim capazes de preservar a memória tal como aqui fez com Heshtje... e sem silêncio.
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10 / 10
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