Inside Llewyn Davis de Joel Coen e Ethan Coen que foi um dos filmes de abertura, neste caso no Monumental, desta sétima edição do Lisbon & Estoril Film Festival faz justiça a toda a crítica positiva de que tem sido alvo e, na minha opinião, assume-se como o mais forte filmes dos irmãos Coen à data.
Llewyn Davis (Oscar Isaac), é um cantor folk que no início dos anos 60 tenta a sorte numa carreira a solo depois do seu parceiro do duo a que pertencia se ter suicidado e deixar assim para trás todos os êxitos que fizeram parte da sua curta carreira.
Sem desistir de lutar pela vontade em prosseguir com a sua carreira de músico e de artista, mantendo assim a integridade do seu trabalho, Llewyn vê-se embrenhado num conjunto de situações que funcionam na exacta medida contrária ao seu desejo desde oportunidades que não surgem, royalties das vendas do seu disco que não chegam e um sem fim de acontecimentos pessoais que parecem suceder-se de forma a travar todas as suas pretensões.
A questão que colocamos a dada altura é se Llewyn Davis irá ou não conseguir vencer num mundo que parece querer mantê-lo à distância ou se no processo para lá chegar encontra uma qualquer redenção e aceita as pequenas vitórias que vai alcançando pelo caminho.
Joel e Ethan Coen que voltam uma vez mais a escrever a própria história que dirigem criam o seu já tradicional conjunto de personagens que parecem viver num universo muito próprio apesar deste se encontrar no mesmo mundo que os demais. Ora inadaptados da sociedade ou aqueles que se encontram descontentes com a mesma, Inside Llewyn Davis consegue recuperar um pequeno grande elemento que estava ausente de muitas das suas histórias dos últimos anos, ou seja, a sensibilidade e humanidade que as suas personagens reflectem. Em abono da verdade, aspecto este que já não se sentia desde o seu filme Raising Arizona, que por Portugal obteve o título de Arizona Júnior, no qual um vigarista e uma polícia encontram um improvável amor apenas está ameaçado pela fatal adversidade de não conseguirem tornar-se pais e que, como tal, viam todo o seu mundo ruir pela impossibilidade de amar um ser ao qual deram vida. Aqui, essa humanidade é recuperada e apesar do universo em que todos co-habitam continuar a ser muito especial e alternativo, não é menos justo dizer que existe um conjunto de elementos que facilmente nos aproximam destas personagens e, muito concretamente, de Llewyn Davis naquela que é uma interpretação notável de Oscar Isaac que espelha as frustrações de alguém que decide viver da sua arte, da sua paixão e daquilo que sabe realmente fazer mas que, ao mesmo tempo, tudo em seu redor funciona na exacta medida contrária.
Llewyn Davis é, apesar de tudo, um tipo amargo. Perde o seu melhor amigo e parceiro de duo que todos seguiam graças aos seus célebres temas musicais, não tem qualquer relação afectiva duradoura nem tão pouco estabelece grandes contactos com a pouca família que ainda tem. Vive de expedientes e favores que os amigos mais próximos lhe fazem sem se comprometer com nenhum contrato que siga outro caminho que não o da música e, como se tudo isto não bastasse, engravida a namorada de um dos seus melhores amigos. É graças a todos estes factores que demonstra a sua incessante vulnerabilidade que o tornam um comum humano com o qual qualquer um de nós pode inclusivé encontrar características semelhantes quer gostemos, ou não, das mesmas. Não é especial nem tão pouco a melhor pessoa do mundo... tem defeitos e é impulsivo e sofre num silêncio quase sepulcral toda a sua infelicidade que aos poucos o consome, sempre na esperança da tal "oportunidade" que parece nunca chegar. Uma vez mais... simplesmente um comum mortal.
No entanto, esta mesma simplicidade não fica por aqui e percebemos que todo aquele universo à sua volta não é menos (im)perfeito e que todos aqueles que com ele privam de uma ou outra forma também contribuem de forma determinante para que aquele seja o "seu" comportamento. Se por um lado os demais pretendem que ele siga a sua vida e dela faça algo, não é menos verdade que existe toda uma pressão para que esta seja aquilo que eles querem e não o que Llewyn dela pretende. "Ajudamos-te mas..." parece ser o ideal implícito nas acções dos demais sem que o demonstrem claramente que no seio das suas nobres intenções pensam na sua desresponsabilização e não na melhor forma de o apoiar enquanto artista.
Inside Llewyn Davis é, na sua essência, um filme repleto de ironia que, no entanto, não perde o seu toque humano e bem disposto apesar do mesmo vir de um conjunto de excêntricas e marginais personagens que navegando ao lado de todos "nós" vivem num mundo muito próprio mas que conseguem criar um conjunto de empatias com o espectador quer através dos seus receios quer através de um lado mais positivo da vida com que ousam, em segredo, sonhar.
Personagens estas como Hugh Davis (Stan Carp), o pai de Llewyn que com ele mantém uma relação tensa e com quem não comunica, percebemos que por não seguir a vida de marinha mercante que lhe estava "designada", mas com o qual encontra a sua redenção depois deste lhe cantar uma emotiva música, num segmento digno do melhor drama. Ou mesmo Jean (Carey Mulligan), namorada de Jim (Justin Timberlake), o seu melhor amigo que, apaixonada por Llewyn com quem mantém um caso de uma noite, fica grávida e vê todo o seu infortúnio, para o qual também contribuiu, reflectido em Llewyn a quem maltrata por perceber que a sua vida poderia ser um pouco mais do que aquilo que mantém. Facto este que percebemos quando a própria contribui para o ajudar da forma menos (ou talvez não) esperada.
Inadaptados estes que não terminam por aqui e quem têm talvez o seu expoente máximo em Roland Turner (John Goodman, um habitual dos Coen), com quem Llewyn partilha carro numa viagem e que se vê repleto de uma moral que o próprio não cumpre. Finalmente, não que seja um inadaptado mas talvez a personagem mais irónica de todo o elenco, ou seja, Bud Grossman (F. Murray Abraham) aquele com quem todos desejam ter um encontro e esperar que este os lance numa ambicionada carreira musical e que o adverte para a sua impossibilidade de continuar como músico. A ironia reside no aproveitamento deste icónico actor que outrora já interpretara "Salieri" no filme Amadeus, de Milos Forman, o mesmo que impedira Mozart de ter uma vida mais facilitada graças ao seu talento.
Os diálogos acutilantes, por vezes mordazes, mas sempre irónicos que os Coen aqui pretendem com sucesso recriar, ganham assim vida através das interpretações deste conjunto de actores que ora são eles próprios o espelho do fracasso como ao mesmo tempo encontram nas suas vidas, aquelas que conseguiram manter, uma nova esperança para o seu destino... um com o qual possam um dia fazer as pazes. Diálogos e personagens estas com as quais o próprio espectador consegue encontrar elementos em comum, e eles são tantos, percebendo assim que elas estão em crescimento, numa passagem de eras (talvez não idades) que lhes mostra que um dia os sonhos têm também eles de "morrer", bem primeiro do que uma morte física mas que existe uma leve possibilidade de ter uma nova saída, deixando-nos assim com uma leve melancolia pelo que não se tem e nostalgia daquilo que em tempos se esperou.
Tecnicamente os Coen rodearam-se de um conjunto de notáveis nomeadamente na direcção de fotografia de Bruno Delbonnel que nos entrega todo um espaço que não só é datado como também parece dotado de uma certa nostalgia pouco típica dos loucos anos 60 onde, no século passado, os sonhos, as esperanças e as vontades de algo maior estavam presentes na juventude de então. Aqui temos no essencial um espaço cinzento, frio e deslocado que pouco reflecte esse mesmo sentimento e que com a sua ausência de cor e de calor fazem do espectador uma sua pequena parte e obrigam-no a "entrar" nesse mesmo espírito nostálgico.
Finalmente, como se tudo o demais não bastasse, há que referir a presença do gato, ele próprio com uma vida muito própria e uma das "personagens" principais de todo este enredo que de certa forma funciona como um espírito rebelde que tem as suas próprias vontades mas que a seu tempo regressa a casa. Oscar não irá ganhar mas ficará também ele na nossa memória.
Inside Llewyn Davis, que esteve nomeado à Palma de Ouro na última edição de Cannes e que ali venceu o Grande Prémio do Júri é um dos mais fortes candidatos à próxima edição dos Oscars e não só não me espantaria que recebesse múltiplas nomeações como me parece que Oscar Isaac será uma das mais justas e merecidas que este filme pode vir a receber e é já, sem qualquer reserva, um dos grandes filmes do ano e um dos melhores que o Lisbon & Estoril Film Festival terá em toda esta edição.
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Sem desistir de lutar pela vontade em prosseguir com a sua carreira de músico e de artista, mantendo assim a integridade do seu trabalho, Llewyn vê-se embrenhado num conjunto de situações que funcionam na exacta medida contrária ao seu desejo desde oportunidades que não surgem, royalties das vendas do seu disco que não chegam e um sem fim de acontecimentos pessoais que parecem suceder-se de forma a travar todas as suas pretensões.
A questão que colocamos a dada altura é se Llewyn Davis irá ou não conseguir vencer num mundo que parece querer mantê-lo à distância ou se no processo para lá chegar encontra uma qualquer redenção e aceita as pequenas vitórias que vai alcançando pelo caminho.
Joel e Ethan Coen que voltam uma vez mais a escrever a própria história que dirigem criam o seu já tradicional conjunto de personagens que parecem viver num universo muito próprio apesar deste se encontrar no mesmo mundo que os demais. Ora inadaptados da sociedade ou aqueles que se encontram descontentes com a mesma, Inside Llewyn Davis consegue recuperar um pequeno grande elemento que estava ausente de muitas das suas histórias dos últimos anos, ou seja, a sensibilidade e humanidade que as suas personagens reflectem. Em abono da verdade, aspecto este que já não se sentia desde o seu filme Raising Arizona, que por Portugal obteve o título de Arizona Júnior, no qual um vigarista e uma polícia encontram um improvável amor apenas está ameaçado pela fatal adversidade de não conseguirem tornar-se pais e que, como tal, viam todo o seu mundo ruir pela impossibilidade de amar um ser ao qual deram vida. Aqui, essa humanidade é recuperada e apesar do universo em que todos co-habitam continuar a ser muito especial e alternativo, não é menos justo dizer que existe um conjunto de elementos que facilmente nos aproximam destas personagens e, muito concretamente, de Llewyn Davis naquela que é uma interpretação notável de Oscar Isaac que espelha as frustrações de alguém que decide viver da sua arte, da sua paixão e daquilo que sabe realmente fazer mas que, ao mesmo tempo, tudo em seu redor funciona na exacta medida contrária.
Llewyn Davis é, apesar de tudo, um tipo amargo. Perde o seu melhor amigo e parceiro de duo que todos seguiam graças aos seus célebres temas musicais, não tem qualquer relação afectiva duradoura nem tão pouco estabelece grandes contactos com a pouca família que ainda tem. Vive de expedientes e favores que os amigos mais próximos lhe fazem sem se comprometer com nenhum contrato que siga outro caminho que não o da música e, como se tudo isto não bastasse, engravida a namorada de um dos seus melhores amigos. É graças a todos estes factores que demonstra a sua incessante vulnerabilidade que o tornam um comum humano com o qual qualquer um de nós pode inclusivé encontrar características semelhantes quer gostemos, ou não, das mesmas. Não é especial nem tão pouco a melhor pessoa do mundo... tem defeitos e é impulsivo e sofre num silêncio quase sepulcral toda a sua infelicidade que aos poucos o consome, sempre na esperança da tal "oportunidade" que parece nunca chegar. Uma vez mais... simplesmente um comum mortal.
No entanto, esta mesma simplicidade não fica por aqui e percebemos que todo aquele universo à sua volta não é menos (im)perfeito e que todos aqueles que com ele privam de uma ou outra forma também contribuem de forma determinante para que aquele seja o "seu" comportamento. Se por um lado os demais pretendem que ele siga a sua vida e dela faça algo, não é menos verdade que existe toda uma pressão para que esta seja aquilo que eles querem e não o que Llewyn dela pretende. "Ajudamos-te mas..." parece ser o ideal implícito nas acções dos demais sem que o demonstrem claramente que no seio das suas nobres intenções pensam na sua desresponsabilização e não na melhor forma de o apoiar enquanto artista.
Inside Llewyn Davis é, na sua essência, um filme repleto de ironia que, no entanto, não perde o seu toque humano e bem disposto apesar do mesmo vir de um conjunto de excêntricas e marginais personagens que navegando ao lado de todos "nós" vivem num mundo muito próprio mas que conseguem criar um conjunto de empatias com o espectador quer através dos seus receios quer através de um lado mais positivo da vida com que ousam, em segredo, sonhar.
Personagens estas como Hugh Davis (Stan Carp), o pai de Llewyn que com ele mantém uma relação tensa e com quem não comunica, percebemos que por não seguir a vida de marinha mercante que lhe estava "designada", mas com o qual encontra a sua redenção depois deste lhe cantar uma emotiva música, num segmento digno do melhor drama. Ou mesmo Jean (Carey Mulligan), namorada de Jim (Justin Timberlake), o seu melhor amigo que, apaixonada por Llewyn com quem mantém um caso de uma noite, fica grávida e vê todo o seu infortúnio, para o qual também contribuiu, reflectido em Llewyn a quem maltrata por perceber que a sua vida poderia ser um pouco mais do que aquilo que mantém. Facto este que percebemos quando a própria contribui para o ajudar da forma menos (ou talvez não) esperada.
Inadaptados estes que não terminam por aqui e quem têm talvez o seu expoente máximo em Roland Turner (John Goodman, um habitual dos Coen), com quem Llewyn partilha carro numa viagem e que se vê repleto de uma moral que o próprio não cumpre. Finalmente, não que seja um inadaptado mas talvez a personagem mais irónica de todo o elenco, ou seja, Bud Grossman (F. Murray Abraham) aquele com quem todos desejam ter um encontro e esperar que este os lance numa ambicionada carreira musical e que o adverte para a sua impossibilidade de continuar como músico. A ironia reside no aproveitamento deste icónico actor que outrora já interpretara "Salieri" no filme Amadeus, de Milos Forman, o mesmo que impedira Mozart de ter uma vida mais facilitada graças ao seu talento.
Os diálogos acutilantes, por vezes mordazes, mas sempre irónicos que os Coen aqui pretendem com sucesso recriar, ganham assim vida através das interpretações deste conjunto de actores que ora são eles próprios o espelho do fracasso como ao mesmo tempo encontram nas suas vidas, aquelas que conseguiram manter, uma nova esperança para o seu destino... um com o qual possam um dia fazer as pazes. Diálogos e personagens estas com as quais o próprio espectador consegue encontrar elementos em comum, e eles são tantos, percebendo assim que elas estão em crescimento, numa passagem de eras (talvez não idades) que lhes mostra que um dia os sonhos têm também eles de "morrer", bem primeiro do que uma morte física mas que existe uma leve possibilidade de ter uma nova saída, deixando-nos assim com uma leve melancolia pelo que não se tem e nostalgia daquilo que em tempos se esperou.
Tecnicamente os Coen rodearam-se de um conjunto de notáveis nomeadamente na direcção de fotografia de Bruno Delbonnel que nos entrega todo um espaço que não só é datado como também parece dotado de uma certa nostalgia pouco típica dos loucos anos 60 onde, no século passado, os sonhos, as esperanças e as vontades de algo maior estavam presentes na juventude de então. Aqui temos no essencial um espaço cinzento, frio e deslocado que pouco reflecte esse mesmo sentimento e que com a sua ausência de cor e de calor fazem do espectador uma sua pequena parte e obrigam-no a "entrar" nesse mesmo espírito nostálgico.
Finalmente, como se tudo o demais não bastasse, há que referir a presença do gato, ele próprio com uma vida muito própria e uma das "personagens" principais de todo este enredo que de certa forma funciona como um espírito rebelde que tem as suas próprias vontades mas que a seu tempo regressa a casa. Oscar não irá ganhar mas ficará também ele na nossa memória.
Inside Llewyn Davis, que esteve nomeado à Palma de Ouro na última edição de Cannes e que ali venceu o Grande Prémio do Júri é um dos mais fortes candidatos à próxima edição dos Oscars e não só não me espantaria que recebesse múltiplas nomeações como me parece que Oscar Isaac será uma das mais justas e merecidas que este filme pode vir a receber e é já, sem qualquer reserva, um dos grandes filmes do ano e um dos melhores que o Lisbon & Estoril Film Festival terá em toda esta edição.
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